A quantidade de trabalho que existe ainda não provocou a necessária reflexão sobre novos desafios e novos modelos de negócio. Uma actividade com perdas consideráveis terá inevitavelmente de se ajustar. Os preços baixos, a relações com as marcas, a falta de mão-de-obra, o trabalho clandestino ou ainda a dificuldade em recuperar a actividade da manutenção são temas que têm causado muitas dores de cabeça às empresas. Conheça este sector!
Todos sabemos que muita coisa mudou e quase nada se passa da mesma maneira depois da crise. Mais inovação e tecnologia, empresas mais especializadas e, por isso, mais focadas na sua área de negócio são alguns aspectos positivos naturais de quando ocorre o renascimento da economia. Nas nossas áreas dos edifícios e da energia, passa-se um pouco disto e, em simultâneo, a necessidade de ajustamento de algumas áreas de negócio que vêem a sua actividade alterar-se ou transformar-se por vários motivos.
O mercado das instalações técnicas especiais está nesta fileira de empresas, na sua maioria muito exposta e dependente do sector da construção civil para o bem e para o mal. A quantidade de trabalho poderá ser uma boa oportunidade para corrigir preços e outros problemas, mas há perdas consideráveis que estão para ficar e situações que foram consolidando como prática, o que agora torna as coisas mais difíceis de reverter. As relações com as marcas que hoje vendem directamente ao cliente final poderão ser um tema difícil. A juntar, a falta de mão-de-obra e, paradoxalmente, o trabalho clandestino ou ainda a dificuldade em recuperar a actividade da manutenção são temas que têm causado muitas dores de cabeça às empresas e obrigado a olhar para o lado à procura de soluções. Hoje, com um tecido empresarial totalmente diferente e dominado por microempresas, o sector da instalação está diferente. Já não há praticamente grandes estruturas e as que existem precisam de trabalho no exterior para fazerem face aos custos ou para crescerem.
Numa altura atípica e impensável há cinco anos, a abundância de trabalho é uma realidade. Mas uma realidade que, definitivamente, não é o que parece. Os efeitos são positivos à partida, desde logo, pela animação do sector da construção e pela quantidade de trabalho em carteira e em projecto para os próximos anos.
Ao mesmo tempo, parece que a loucura dos primeiros anos que se seguiram à crise está a começar lentamente a dar lugar a uma maior ponderação na escolha das empresas e o efeito preço. Este já não domina totalmente o mercado, genericamente falando, claro, porque sempre existiram nichos de mercado onde eram privilegiados outros factores, como vamos ver. Uma boa notícia se pensarmos que, há uns anos, o mercado estava completamente esmagado. Está a começar uma inversão, ainda que muito tímida e ainda insuficiente. Mas já começa a existir a consciência de que é impossível continuar a trabalhar sem segurança e sem qualidade. Os donos de obra já reflectem mais sobre as várias possibilidades que têm. Até porque, inevitavelmente, a factura paga-se mais tarde e eles sabem disso. Mas há ainda quem continue a trabalhar como antigamente. Clientes e construtoras fiéis aos seus parceiros não dispensam a garantia da qualidade e, por isso, não desvirtuam a cadeia de competências e responsabilidades. Para estes profissionais, é fundamental assegurar um trabalho de excelência. Parece que a realidade de uns não é a mesma para outros e é essa diversidade que caracteriza hoje um sector que está a mudar. No entanto, há duas nuances categoricamente transversais: existe um problema enorme de falta de mão-de-obra e de mão-de-obra clandestina e os preços ainda continuam genericamente baixos.
Rui Ferreira é administrador do Grupo Ramos Ferreira, uma das maiores empresas de instalações técnicas no nosso país. Um grupo com mais de 38 anos de perto de Vila Nova de Gaia e que teve a sua origem nas instalações eléctricas. O AVAC veio mais tarde e hoje representa 30 % numa empresa com cerca de 800 pessoas. “Há uns anos, existiam empresas de grande dimensão. O mercado era muito ligado ao empreiteiro geral, que entregava tudo chave-na-mão aos grandes instaladores que asseguravam as várias áreas. Era um serviço completo que incluía a comercialização dos equipamentos. Muitas destas empresas começaram a desaparecer porque deixou de haver mercado a partir de 2008 ou 2009. Muitas foram para os mercados africanos, tal como nós. Mas o mercado cá está diferente. No geral, há muito mais obras, mas de oportunismo. Há quatro ou cinco anos, os preços bateram no fundo. As obras que se estão a executar agora ainda têm os seus planos de negócio com referenciais muitíssimo baixos. O que tem sido difícil é dar a volta a esses referenciais”. Para este gestor, dá a sensação de que muitos empreiteiros gerais continuam dispostos a perder dinheiro para irem mantendo a estrutura. Com a agravante de que a mão-de-obra está muito mais cara do que há uns anos e é muito difícil arranjar bons técnicos.
A questão da falta de mão-de-obra é, talvez, o problema mais dramático, porque não parece existir solução a curto prazo. Mas numa coisa todos estão de acordo: é preciso a mão do Estado para incentivar o regresso das pessoas a Portugal. Começa por ser um problema cultural que tem de ser resolvido. Rui Ferreira relembra que “são muito poucos aqueles que são bons e que não saíram do país”. A Europa é, de facto, muito atractiva. As pessoas ganham três vezes mais e podem vir a casa todas as semanas. “É muito difícil competir e ir buscar estas pessoas a países onde nós estamos como a Bélgica, a França ou a Dinamarca”.
Falta de mão-de-obra qualificada
A Eurocalor é, provavelmente, uma das empresas deste sector mais antigas do país. Constituída em 1973, estas empresas de instalações técnicas especiais do Porto já passaram por várias fases, “umas mais difíceis do que outras”, explica Fernando Campinho, “mantendo-se no mercado e garantindo a sua solidez, quer técnica, quer financeira”. Estas oscilações têm seguido as várias fases que o mercado de AVAC também tem passado. Para este engenheiro mecânico, as várias mudanças estão dependentes “da evolução dos modelos de negócio a montante, pelos donos de obra e, a jusante, pelos fornecedores, o que obriga as empresas instaladoras a uma constante adaptação. Pela longevidade da Eurocalor, podemos afirmar que temos sabido utilizar uma fórmula que nos permite garantir a sobrevivência, com algum conforto”. Para esta empresa, cada um tem o seu papel, mas não há dúvida de que os instaladores enfrentam várias dificuldades que têm de ser ultrapassadas, nomeadamente “a escassez de técnicos qualificados, a ausência de grandes stocks de material ou equipamento ou os constrangimentos no acesso ao financiamento. O não cumprimento de prazos de pagamento previamente acordados provoca frequentemente problemas de tesouraria”.
À semelhança de Rui Ferreira, Fernando Campinho considera urgente encontrar modelos que permitam colmatar a escassez de mão-de-obra “para a sobrevivência e evolução das empresas instaladoras”. Para esta empresa, o êxodo migratório provocado pela crise foi uma causa, mas não só. “Também o facto de grandes multinacionais de engenharia terem implantado em Portugal os seus centros de excelência mundiais” não está a ajudar.
Não nos podemos esquecer de que, há quatro anos, o sector da construção perdeu 37 mil empresas e 262 mil postos de trabalho. Segundo a AICCOPN, os maiores desafios neste momento estão exactamente na falta de mão-de-obra qualificada, mas também na concorrência desleal. As empresas sem alvará, segundo a AIPOR e no caso das instalações técnicas especiais, representam cerca de 30 % do mercado. Um número semelhante é apresentado pela a AICCOPN na área da construção civil. Ou seja, hoje, em três obra, uma provavelmente é feita por mão-de-obra clandestina e por uma empresa ilegal e sem qualificações para o fazer. Há muita gente a trabalhar clandestinamente. Esta realidade já desencadeou uma série de acções por parte das associações do sector e os apelos ao Estado são vários. Por outro lado, para além de escassa, o valor da mão-de-obra é hoje muito mais caro, fazendo com que exista uma grande rotatividade nas empresas pequenas.
Se quisermos caracterizar o mercado em termos de obras, ficamos a saber que as pequenas obras são dominantes. Em sentido contrário, Rui Ferreira tem estado concentrado “nas grandes obras e, neste segmento, a concorrência já é mais pequena. Existem poucas empresas com capacidade para o fazer”. A concorrência deste grupo é outra e muito própria do momento que vivemos. “A nossa concorrência está nesta tendência de alguns grandes empreiteiros estarem a integrar as instalações especiais dentro da sua estrutura”. Quanto aos equipamentos, neste segmento, nomeadamente “nas obras de grande envergadura, em que a complexidade técnica e de engenharia é grande, não é tão fácil a venda directa dos equipamentos ao cliente”.
Para Rui Ferreira, podemos dividir as empreitadas de AVAC abaixo ou acima de um milhão a 1,5 milhões de euros, já com equipamentos incluídos. “Neste momento, as obras abaixo de um milhão de euros representam cerca de 80 % das obras que existem no país. São os hotéis, os edifícios de apartamentos… Nesta gama de preços, as microempresas ou pequenas empresas (formadas por pessoas que saíram das grandes empresas) são as que dão resposta. Se partirmos este orçamento, talvez 500 ou 600 mil euros sejam em material e equipamentos”. Para este gestor, o mercado está dominado por pequenas empresas.
“Qualquer empresa pequenina consegue fazer uma obra até 1,5 milhões de euros. Basta chegar a um entendimento com o empreiteiro geral. O empreiteiro geral ou o próprio cliente final podem comprar as máquinas. Nestes casos, estas obras passam a ser empreitadas de 300 mil euros”. E a qualidade ou falta de qualidade poderá existir? “Se não for o empreiteiro a assegurar as garantias e a qualidade, pode ser difícil, porque há de tudo. A maioria das empresas começou recentemente e, de certeza, com muitas dificuldades em arranjar mão-de-obra. Normalmente, estas empresas têm estruturas frágeis”.
“O actual modelo de negócio utilizado pelos fornecedores provoca uma dilatação dos prazos de execução das obras, dificultando o seu planeamento e consequente optimização de recursos” – Fernando Campinho, Eurocalor
Relações com as marcas e equipamentos
Talvez seja esta a razão pela qual as marcas encontraram espaço para estabelecer relações directas com os seus clientes. Uma coisa empurra a outra e a eventual falta de empresas, um tecido dominado por microempresas, etc., poderão ter acomodado uma prática nova. Sucede que esta prática se generalizou e mudou por completo a relação entre esta cadeia profissional. Os instaladores perdem uma parte muito significativa do negócio quando se quebram estas regras de mercado. No entanto, Rui Ferreira assegura que, “à data de hoje, ainda há marcas que apenas vendem directamente ao instalador”. Mas, para o gestor, “o que estraga verdadeiramente o mercado são as que vendem directamente ao dono de obra. No AVAC, o grosso do equipamento numa obra está reduzido a uma marca”. Segundo Rui Ferreira, “as marcas estão cada vez mais envolvidas na fase de projecto, junto dos gabinetes de engenharia ou arquitectura que trabalham para o dono de obra. Esses gabinetes usam por base uma marca e esta, normalmente presta todo o apoio”.
Para Fernando Campinho, da Eurocalor, “o actual modelo de negócio utilizado pelos fornecedores provoca uma dilatação dos prazos de execução das obras, dificultando o seu planeamento e consequente optimização de recursos. A Eurocalor consegue minimizar este impacto, pois desde sempre apostou no fabrico de componentes de apoio às instalações a executar, bem como na utilização de mão-de-obra própria, como meio de garantir excelência e rapidez no serviço prestado aos clientes”.
A Cobelba é uma construtora de média dimensão que trabalha, sobretudo, a área da distribuição e que faz questão em manter as mesmas práticas que existiam antes da crise. Carlos Barbosa, administrador da empresa, explica-o com a necessidade de preservar a relação comercial com os seus parceiros. “As obras que fazemos são tipicamente muito rápidas e, por isso, os nossos instaladores estão predestinados. Temos uma filosofia um pouco diferente porque não vamos à procura do preço. Vamos à procura da capacidade de resposta e da qualidade. Não esmagamos os preços nas subempreitadas. O processo passa por consultar três empresas na fase de concurso e, depois, negociamos. Há muitas empresas hoje com alguma dimensão que o único factor que têm em cima da mesa é o do preço. Isso existe e continua a existir no mercado. Aquilo que ouço é que, de facto, existe muito trabalho, mas que as margens estão apertadas e essa noção tenho-a de alguns subempreiteiros. Hoje, não se ganha mais, nem menos dinheiro em relação ao que se passava antes da crise, mas as coisas estão mais equilibradas. Há mais trabalho e, por isso, podemos escolher os nossos parceiros. Toda a gente tem de ganhar dinheiro nesta cadeia. As nossas obras são muito rápidas e, por isso, temos de ter as pessoas dispostas a trabalhar conosco e a cumprir os prazos. Numa altura de crise, a estratégia de esmagar os preços funciona. Hoje, com a quantidade de empreitadas que existem, não faz sentido. Provavelmente, as empresas a quem isso acontece não estão a escolher as obras certas. Tivemos uma redução do volume de trabalho na altura da crise, mas não foi significativa. Existimos há 35 anos e temos cerca de 136 pessoas a trabalhar connosco em todo o lado”.
A Cobelba, refere Carlos Barbosa, nunca comprou equipamentos directamente aos clientes. Entrega a empreitada chave-na-mão aos instaladores. Para este gestor, “as margens podem ser mínimas para os instaladores quando os empreiteiros entregam uma instalação de AVAC e a reduzem à mão-de-obra. Muitas vezes, as margens estão nas máquinas. Temos uma empresa de electricidade dentro de casa e, mesmo assim, quando fazemos subempreitadas não compramos os quadros eléctricos”. Para Carlos Barbosa, as vantagens são óbvias. “Em termos de responsabilidade e garantias estamos salvaguardados. Podemos perder em termos de margem, mas, depois, ganhamos no pós-venda e na imagem que passamos ao cliente”.
Neste momento, as obras abaixo de um milhão de euros representam cerca de 80 % do mercado.
Como vai o mercado reposicionar-se?
Os próximos anos são uma incógnita. Não sabemos se este tecido empresarial se vai manter e tudo vai depender da conjuntura económica e daquilo que os construtores fizerem. Uma coisa é certa: há danos que não vão ser recuperados e o modelo de negócio do futuro poderá estar perto daquele que hoje é praticado.
Para a Eurocalor, uma empresa de média dimensão, “os instaladores devem apresentar-se como agentes de inovação e desenvolvimento para poderem agarrar novas oportunidades através da execução de projectos e obras diferenciadoras, procurando satisfazer as necessidades, mais exigentes, de mercado. Só através da diferenciação e da excelência, na execução de obras e serviços prestados, é que as empresas de instalações técnicas especiais poderão criar valor acrescentado e manter-se no mercado, independentemente das vicissitudes e flutuações do mesmo”. Para o Grupo Gomes Ferreira, que opera nos países africanos (Argélia, angola, Moçambique), mas também na Dinamarca, Bélgica, França e Reino Unido, a estratégia foi justamente a da internacionalização e “não ficar preso” a este mercado, que tem características muito próprias. “Claro que temos trabalho cá e sofremos os mesmos males que os nossos parceiros. Temos muitas equipas lá fora que gostariam de voltar”. Mas, para isso acontecer, o volume de trabalho de obras de grande dimensão teria de aumentar. Segundo Reis Campos, da AICCOPN, tudo indica que é o que vai acontecer nos próximos anos: temos 55 mil licenciamentos neste momento e uma enorme procura de edifícios de serviços e escritórios.
A integração das especialidades nas construtoras que querem crescer e diminuir custos é uma tendência que começa a ganhar dimensão. Para a Cobelba, esta não é uma boa estratégia para a frente. “Ter as especialidades dentro de casa permite-nos ser mais concorrenciais em termos de obra, mas estamos a aumentar a estrutura. E não nos podemos esquecer do factor sazonalidade, em que há períodos em que ficamos com a empresa demasiado pesada”. No entender deste gestor, esta questão vai depender de como evoluir o problema da escassez da mão-de-obra. “Nós preferimos ter parceiros certos e temos vários”. E esse mundo existe? “Claro que existe e muitas das obras que temos não as ganhamos pelo preço, mas sim pela nossa capacidade, qualidade e confiança no cumprimento dos prazos. Há donos de obra que trabalham com o empreiteiro mais barato, mas há outros que privilegiam o factor confiança”.
Falar em qualidade das instalações é falar também em desempenho e eficiência energética. Será que as construtoras estão mais sensíveis a este tema? Para a Cobelba, se olharmos dez anos atrás, “estamos a trabalhar melhor, mas muitas vezes o factor preço tem consequências em todas as áreas. Os donos de obra deveriam olhar mais para a fase de projecto porque um bom projecto até pode sair mais barato em termos de obra e qualidade. Depende muito de projectista para projectista. Quando falamos em eficiência energética, hoje em dia, tem-se mais cuidado até pela certificação energética. Há uma preocupação generalizada em diminuir os custos energéticos. As empresas estão mais alertadas para o factor custo da energia”.