Tal como, quando compramos comida, nos preocupamos com os prazos de validade, também quando adquirimos um imóvel nos devíamos preocupar com o seu “tempo de vida útil”. A recomendação foi feita por Frank Hovorka, que acaba de deixar o cargo de presidente da REHVA, a federação das associações europeias de AVAC, em conversa com a Edifícios e Energia durante o CIAR Lisboa 2022.
Hovorka foi um dos oradores presentes no XVI Congresso Ibero-Americano de Ar Condicionado e Refrigeração (CIAR), que decorreu em Lisboa, no início de Maio. Em entrevista, o responsável alertou para a necessidade de se fazer uma mudança na forma de projectar os edifícios, que deve começar logo no momento da “encomenda”. “A mudança que temos de fazer, tanto na forma como o promotor imobiliário encomenda o edifício, como na forma como o projectamos, é [passar a] integrar a vida útil [do edifício e dos seus componentes] nos cálculos e ter uma visão dinâmica”, afirmou.
A proposta, deixada pelo francês, cuja experiência no sector da construção e do imobiliário começou em 1990, assenta numa abordagem “dinâmica” de projecto, que tenha em conta o tempo de vida útil dos edifícios e seus componentes, assim como a análise de ciclo de vida e respectivos impactos. “Se estamos preocupados com as emissões de gases com efeito de estufa e o impacto [ambiental], quando compramos um apartamento, [temos de ter noção de que] não compramos apenas a localização ou a decoração; devemos perguntar ‘quando é que terei de substituir as janelas, o sistema de aquecimento, e qual é o impacto do meu consumo energético, quanta energia isso representa?’ Se as pessoas começarem a colocar estas questões – o cidadão, o promotor imobiliário, os bancos, os investidores, etc. – [então] nós teremos de dar resposta a essas perguntas.”
Durante a sua participação no CIAR 2022, Frank Hovorka assumia ainda o cargo de presidente da REHVA, cujo mandato terminou, entretanto. No final de Maio, por ocasião do CLIMA 2022, congresso mundial promovido pela federação europeia do sector em Roterdão, nos Países Baixos, a nova direcção, eleita em assembleia geral em 2021, tomou posse e a presidência da REHVA passou a estar a cargo do romeno Catalin Lungu.
Ainda em Lisboa, Hovorka lembrou que, “quando se faz ciência, a incerteza é algo que está sempre presente” e, embora considere que o sector está “no bom caminho para alcançar os objectivos para a energia e clima, estaria “ainda mais bem posicionado” se os profissionais fossem “mais transparentes sobre a precisão e a margem de incerteza de determinados cálculos e mais claros relativamente ao perímetro de cálculo”. Na visão do especialista, ao ter em conta o tempo de vida útil, o projecto deve prever “pontos de interrogação em determinados momentos no tempo” [no futuro] para que os responsáveis pela gestão ou manutenção dos edifícios possam, nessa altura, verificar certos elementos. A mudança, defende, tem de acontecer logo no acto da encomenda do edifício, desde o início, “tal como quando compramos comida [e temos em conta o prazo de validade]. Não costumamos perguntar qual a ‘vida útil’ da nossa casa – mas devíamos”, exclama.
Com esta mudança “necessária”, vai ser também possível construir edifícios com emissões quase nulas de carbono (nearly zero carbon buildings, no original em inglês) – um conceito semelhante ao que consta na mais recente proposta de revisão da Directiva Europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) e que “passa a ter em conta a energia incorporada e as emissões de gases com efeito de estufa na construção”, explica. “Se queremos responder à emergência climática, vamos ter de reduzir o impacto da construção também. É muito importante, em particular, nos países onde se está a construir muito.”
Sobre o potencial efeito acelerador que o actual momento internacional, marcado pelo conflito na Ucrânia, possa ter na transição energética, Hovorka, ainda enquanto presidente da REHVA, mostrou-se indeciso. “Sinceramente, não sei [se esta situação vai pressionar nesse sentido]”, lamentou, lembrando que, “há dez anos, quando o barril de petróleo estava nos 130 dólares”, o mundo viveu uma situação semelhante. “Nessa altura, perdemos a oportunidade; desde 2010, poderíamos ter tentado e ter feito trabalho para nos afastarmos [mais] dos combustíveis fósseis. Agora, estamos novamente na mesma situação, e, se olharmos para o relatório do IPCC, vemos duas palavras principais: suficiência, isto é, construir o que é importante para responder às necessidades e ao conforto das pessoas; e eficiência. Por isso, temos mesmo de acelerar e fazê-lo afastando-nos dos combustíveis fósseis, [o que,] no caso dos edifícios, trata-se essencialmente do [uso de] gás para aquecimento.”