Artigo publicado originalmente na edição de Janeiro/Fevereiro de 2022 da Edifícios e Energia

 

O desenvolvimento económico está a conduzir progressivamente a humanidade para uma intensa procura de fontes energéticas que se revelarão decisivas ao longo das próximas décadas. Prevê-se que a procura de eletricidade venha a duplicar em meados deste século, devido ao crescimento da China e da Índia.

A humanidade precisa de produzir mais energia, mas sem aumentar as emissões de carbono e procurando alcançar a neutralidade carbónica tão rapidamente quanto possível. A neutralidade não significa a total ausência de emissões, mas sim um equilíbrio estável entre as emissões que produzimos e as que conseguimos eliminar da atmosfera. Em 2050, a energia elétrica, que poderá ser gerada a partir de fontes com baixa produção de carbono, como a eólica e a solar, pode representar cerca de um quarto da procura energética. Serão as tecnologias relacionadas com as energias disponíveis, energia eólica e solar, a par da hídrica e, em alguns casos, a geotérmica, que irão ter, desejavelmente, maior relevância.

Há estudos que indicam que essas fontes e esses objetivos, embora se revelem viáveis, não serão suficientes para cobrir as atuais necessidades, pois nem sempre o vento sopra nem o sol brilha com a força suficiente e não dispomos de baterias com custos acessíveis e capazes de armazenar quantidades de energia suficiente para alimentar cidades inteiras. Paralelamente, também a escassez de água se revela cada vez maior devido à fraca pluviosidade, levando o ministério do Ambiente, neste inverno de 2022, a proibir em cinco barragens a produção de hidroeletricidade e a limitar a rega, de modo a garantir que não faltará água para consumo humano.

A eletrificação do setor energético

A eletrificação do setor energético desenvolver-se-á obrigatoriamente a dois níveis, o da produção/distribuição e o da utilização, pelo que haverá que incentivar a pesquisa em cada um dos setores, encontrando as tecnologias mais amigas do ambiente, pois a eletricidade alimenta permanentemente todo o tipo de processos industriais, edifícios de serviços, comércio e residenciais.

Perante a elevada importância da eletricidade, a União Europeia e 29 estados norte-americanos adotaram uma espécie de avaliação de desempenho, chamada “portefólio padrão de energias renováveis”. A ideia é exigir às empresas fornecedoras de eletricidade que obtenham determinada percentagem da energia que vendem através de fontes renováveis.

Numa primeira fase, as empresas fornecedoras só podiam recorrer a algumas tecnologias com baixos índices de emissões de carbono (energias solar, eólica, geotérmica e hidroelétrica). Foram deixadas de parte a energia nuclear e a captura de carbono, tornando a redução de emissões mais dispendiosa do que seria desejável.

Atualmente procura-se estabelecer um novo padrão para a eletricidade limpa. Em vez de este paradigma se focar apenas na promoção de energias renováveis já se discute a possibilidade de inclusão de qualquer tecnologia de produção de energia sem emissões de carbono (incluindo a energia nuclear e a captura de carbono), visando a redução de custos.

A proposta da Comissão Europeia

A fim de assegurar um abastecimento fiável de energia e manter os preços acessíveis, a União Europeia (UE), com esta proposta, tem por objetivo criar um mercado europeu de energia mais integrado e competitivo (União da Energia).

A UE também apoia a energia proveniente de fontes renováveis e a utilização eficiente da energia, tendo em vista reduzir as emissões com efeito de estufa. São estas as políticas propostas que, pela sua importância e pelo seu impacto, transcrevemos e que poderão ser consultadas no sítio web oficial da União Europeia:

• Segurança do abastecimento energético

A UE deve reduzir a sua dependência em relação às importações de energia. Para tal, deve utilizar mais eficazmente as suas fontes de energia internas e diversificar as fontes de abastecimento;

• Energia nuclear

A ação da UE contribui para assegurar que os reatores nucleares são seguros e protegidos, os resíduos radioativos bem geridos e os materiais nucleares utilizados apenas para fins civis e pacíficos;

• Mercado único da energia

A UE quer reduzir os entraves técnicos e regulamentares para que a energia possa circular para além das fronteiras nacionais e que os fornecedores de energia possam concorrer livremente em toda a UE;

• Petróleo, gás e carvão

A legislação europeia visa assegurar que os mercados de combustíveis fósseis são justos, bem como proteger o ambiente, nomeadamente no que se refere à utilização de novas tecnologias, por exemplo, a extração de gás de xisto;

• Eficiência energética

As normas europeias em matéria de edifícios, indústria, produtos de consumo e transportes estão a ajudar a UE a cumprir as suas metas em matéria de eficiência energética e a assegurar a transição para uma sociedade com baixas emissões de carbono;

• Tecnologias e inovação no domínio energético

A UE apoia a difusão das tecnologias hipocarbónicas, como a energia fotovoltaica, a energia eólica, a captura e o armazenamento de carbono (CAC), e das tecnologias de armazenamento de energia;

• Energias renováveis

A UE coordena os esforços de realização das metas nacionais em conformidade com a diretiva relativa às energias renováveis. Promove igualmente a utilização de fontes de energia alternativas nos transportes;

• Infraestruturas energéticas

A estratégia em matéria de redes transeuropeias de energia (TEN-E) tem por objetivo alargar e modernizar as infraestruturas europeias e criar redes que abranjam vários países.

A reação a esta proposta não se fez esperar!

A proposta da Comissão Europeia inclui a energia nuclear e a eletricidade gerada a partir do gás natural e manifesta o propósito de estas serem consideradas verdes. A Taxonomia Europeia contém linhas orientadoras que permitem classificar as atividades económicas, a nível europeu, como contribuindo (ou não) para os objetivos ambientais da UE, partindo de critérios científicos. Desta forma, acaba por guiar as intenções de investimento. O gás natural e a energia nuclear não se encaixavam nesta família até agora, mas assim coloca-se em cima da mesa uma proposta nesse mesmo sentido. Esta proposta está a incendiar uma discussão um pouco por toda a Europa. Os especialistas do Ambiente e das Finanças Sustentáveis rejeitam a proposta, sendo ainda mais duros com o gás natural. Vários Estados-membros mostram-se especialmente às avessas com a inclusão do nuclear no universo verde.

A difícil transição energética

Como resolver, então, a escassez de recursos energéticos? Passa por incentivar a investigação e o desenvolvimento para aperfeiçoamento tecnológico das energias disponíveis que se revelem viáveis, confiáveis e, ao mesmo tempo, seguras, e estudar o financiamento e desenvolvimento dessas inovações.

Chegou-nos muito recentemente a notícia de que investigadores europeus, incluindo portugueses, atingiram de forma sustentada um recorde de energia de fusão num teste que visa preparar a operacionalização do maior reator de fusão nuclear experimental do mundo, em construção em França.

O anúncio foi feito em comunicado conjunto do Instituto Superior Técnico (IST) e do Eurofusion, consórcio europeu para o desenvolvimento da energia de fusão, do qual faz parte o IST, através do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN).

É uma boa notícia pois a utilização de energia elétrica é, e continuará a ser, um dos vetores primordiais e indispensáveis do desenvolvimento. Estamos numa fase de transição energética com elevada inovação disruptiva, originando uma disrupção tecnológica, que conduzirá ao aparecimento de novas alternativas de produtos e serviços que se afastam dos modelos tradicionais de mercado.

A disrupção inovativa ou mesmo a disrupção tecnológica nunca são um fenómeno imediato, mas sim um fenómeno que se estende ao longo do tempo, conforme salientou Clayton M. Christensen, criador do conceito, pois será necessário que as inovações criem um novo mercado de consumidores e que tenham a possibilidade de impactar as empresas que lideram o setor.

Entre outros, citemos um exemplo que se revelou paradigmático: as pessoas demoraram demasiado tempo a adotar novos tipos de veículos. O motor de combustão interna foi apresentado em 1880, mas, nos Estados Unidos, demorou entre 30 e 40 anos e na Europa 70 a 80.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.