Entre as medidas recomendadas para a luta contra a Covid-19, surgiu a ventilação para redução da exposição ao vírus, da propagação da doença e do risco de exposição.

Nos espaços fechados, a ventilação adequada pode assegurar a redução da concentração e o tempo de exposição a partículas virais e, quanto mais baixa for a concentração, menor é a probabilidade que estas partículas sejam inaladas, estejam em contacto com os olhos, o nariz e a boca, ou se precipitem sobre as superfícies.

Sabemos, há muito tempo, que a transmissão de doenças, a partir das partículas em suspensão no ar ambiente é uma realidade. A equação descrita pela fórmula (Heirholzer, 1993)

diz-nos que, para que alguém apanhe uma infecção, é necessário que haja quantidade de partículas virulentas no ar, em condições favoráveis de desenvolvimento, e que a exposição dure o tempo suficiente para arrasar com as suas defesas (factor dependente do sistema imunitário e muito difícil de avaliar).

Desde os anos 1990 que se vem alertando as autoridades de saúde pública para a importância da ventilação na saúde dos ocupantes dos edifícios. Apesar dos esforços desenvolvidos, a situação está longe de estar resolvida.

O lobby do tabaco queria conciliar fumadores com não fumadores e foram necessários mais de 15 anos para se concluir que tal não era possível. E, passados mais 15 anos, ainda estamos à espera, em Portugal, que a legislação sobre o tabaco seja efectiva. A erradicação do amianto levou também mais de 15 anos até ser aceite, e isso custou mais de 15 milhares de vidas.

Quanto às micro-fibras, não se faz nada e deixa-se que trabalhadores, no seu manuseamento na construção, e os ocupantes dos edifícios estejam expostos a elas. Refiro-me às soluções não contidas de painéis de lã mineral utilizados, quer para isolamento térmico, quer para isolamento acústico em tectos falsos que comunicam, mais ou menos francamente, com os espaços onde as pessoas vivem e/ou trabalham.

A renovação de ar está comprometida nos actuais edifícios de habitação, possuidores de uma envolvente de permeabilidade cada vez mais baixa e sem disporem de uma ventilação adequada, como é o caso de habitações sem aberturas para a admissão de ar exterior e que, para cumprirem o requisito de 0,5 renovações por hora do Sistema de Certificação Energética, utilizam ventiladores de exaustão das instalações sanitárias e ventiladores de exaustão das hotes de cozinha.

• Se os ventiladores estão parados, não há renovação de ar;

• Se funcionar o ventilador das instalações sanitárias através de temporizador, para haver meia renovação por hora e o ar exterior passar através da permeabilidade das janelas e porta, o ventilador terá de desenvolver uma pressão de cerca de 200 Pascal – é mais fácil o ar exterior vir pela conduta de evacuação da hote da cozinha;

• No caso do funcionamento eventual do ventilador da hote, é provável que o ar exterior venha pela conduta de exaustão das instalações sanitárias, e, pior ainda, da exaustão das instalações sanitárias dos vizinhos;

• Se funcionarem ao mesmo tempo, os dois ventiladores tendem a anular-se à medida que a diferença entre as suas características é menor – “é trabalhar para aquecer”.

Para se decidir quais são as estratégias de introdução do ar novo nos edifícios, é necessário efectuar uma avaliação das características do ar exterior; não podemos apenas escolher esta ou aquela solução por questões estéticas. A qualidade do ar exterior é que determina a existência ou não de sistemas de filtragem e limpeza.

lã mineral

Lã mineral no interior de tecto falso.

No final do século XX, os caudais de ar novo, para garantir uma qualidade do ar interior com 20 % de pessoas insatisfeitas, não deveriam ser inferiores a 25 m³/h [prENV 1752 (1997)]. Este foi o valor que, em 2003, adoptámos no RSECE, o que, na altura da sua publicação e aplicação, levantou enormes críticas, nomeadamente: “o RSECE define caudais de ventilação de ar inflaccionados, num factor de uma vez e meia, quando comparados com os valores utilizados em outras legislações estrangeiras.”

A pressão exercida colheu os seus adeptos e veio a dar frutos na revisão de 2013 (Portaria n.º 353-A/2013) com uma redução significativa em relação ao RSECE (~50 %).

Infelizmente, a História veio provar que estávamos no caminho certo. A atitude que deveria ter sido tomada não era a da redução dos caudais, mas a do melhoramento da filtragem e da purificação do ar e a de recuperação de calor – essencialmente, a resposta que a arquitectura deveria, e deve, dar deixando de preocupar-se em demasia com a qualidade estética, espacial e ergonómica e resolvendo o desafio de construir edifícios que mantenham os ocupantes saudáveis.

 

 

Artigo publicado originalmente na edição de Julho/Agosto de 2022 da Edifícios e Energia, aqui com as devidas adaptações.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.