No final do século passado, a conjuntura da utilização energética nos edifícios apontava para a necessidade de uma regulamentação energética que orientasse a utilização das instalações de ventilação e climatização no sentido de se obter uma utilização eficaz da energia, a qual só seria possível através de uma melhoria de qualidade das instalações, desde a concepção à utilização. Era uma tarefa hercúlea que requeria um planeamento estratégico, o qual foi esboçado em 2002/2003 e passado à prática a partir de meados de 2006.

Estávamos conscientes de que, além das regras técnicas, era necessário que se conseguisse uma mudança não só a nível dos projectistas instaladores, fabricantes, mas também no comportamento dos ocupantes, quer na utilização dos espaços, quer na tomada de decisões em matéria de medidas de eficiência energética. O importante não era a eficiência energética em absoluto, mas, sim, a eficiência que levasse à diminuição de utilização de energia, pois a pior situação em que poderíamos cair era a de, ao incentivar a eficiência energética, acabarmos por premiar uma maior utilização de energia.

Foi feito um enorme esforço na formação dos peritos qualificados, técnicos responsáveis pelo funcionamento e técnicos de instalação e manutenção, os novos actores da então nova regulamentação térmica. O objectivo parecia estar à vista, mas inesperadamente começaram a levantar-se obstáculos. Primeiro, o adiamento ad aeternum da obrigatoriedade de certificação energética dos edifícios existentes; depois, os processos persecutórios aos peritos qualificados, o que garantiu que uma grande parte dos mais habilitados abandonasse a certificação, comprometendo a massa crítica necessária para a mudança se efectivar.

Esta situação agravou-se com o escamoteamento dos peritos da qualidade do ar interior (QAI) e dos técnicos responsáveis pelo funcionamento dos edifícios, a atribuição de actos próprios de engenharia a técnicos de instalação e manutenção com ensino básico e secundário e a extinção da coordenação científica do SCE. Tínhamos sido o primeiro país a integrar a QAI no processo de certificação energética, mas, em vez de enaltecer este facto e aceitar o desafio, extinguiram-se as auditorias da QAI, deitando por terra todo o trabalho que tinha sido feito na elaboração de notas técnicas e formação de técnicos, bem como o esforço feito em termos de comissionamento e manutenção das instalações – entrou-se na “Idade Média” do SCE.

A actual redacção dos regulamentos repõe a situação dos técnicos de instalação e manutenção e dos técnicos responsáveis pelo funcionamento, mas fica muito aquém do desejável em relação à QAI, continua obcecada em sancionar os peritos qualificados e, fundamentalmente, sem perceber que o comportamento dos ocupantes é um dos factores mais importantes que contribuem para o desempenho energético dos edifícios, e que não é suficiente ter equipamentos com bons desempenhos; é, sim, necessário garantir que o seu funcionamento não esteja comprometido.

Em termos de comparação de fracções/edifícios para compra ou arrendamento, os certificados parecem cumprir o objectivo, mas não cumprem quanto a fiabilidade, facilidade de interpretação, conteúdo capaz de estimular investimentos em medidas de eficiência energética. O mercado desconfia que a certificação energética se trata apenas de uma mera burocracia, sem qualquer benefício, já que os certificados contêm uma quantidade de informação exagerada, na maior parte dos casos fora da compreensão dos utilizadores, apresentam dados que não correspondem à utilização real de energia, sugerem medidas de melhoria absurdas, fazem recomendações sobre aparelhos que não estão instalados, sugerem que a ventilação está adequada em fracções com caixilharias de classe III e IV com sistemas de exaustão mecânica instalados nas instalações sanitárias mas sem qualquer entrada de ar pelos espaços nobres.

Em termos de minimização de cargas térmicas verificamos que, de um modo geral, as envolventes estão a ser construídas com uma boa resistência térmica, apesar de aparecerem muitos exemplos de pontes térmicas mal resolvidas.

No entanto, a mensagem de prioridade à envolvente e aos sistemas passivos parece que não passou completamente, pois verifica-se uma corrida a sistemas de ar condicionado, em muitos casos, não justificada.

A selecção de equipamentos com capacidades muito próximas das cargas projectadas e com elevados rendimentos e grande adaptabilidade às variações de carga parece também um dado adquirido, já que os ventiladores de pás avançadas e os sistemas de transmissão por correias e polias parecem estar definitivamente abandonados – muito mérito dos primeiros anos na formação dos peritos qualificados. No entanto, deparamo-nos com muitos equipamentos instalados em condições deficientes, normalmente em nome da “estética”, com evidente prejuízo do seu desempenho energético, e verificamos que continua a não haver um entendimento alargado do produtório de rendimentos energéticos – transformação, transporte, controlo e emissão de energia. A optimização de pontos de trabalho de ventiladores e circuladores parece também descuidada.

Quanto ao arranque e equilíbrio hidráulico e aerólico das instalações, poucas são as situações em que esta se faz adequadamente.

Por fim, a operação dos sistemas é apenas um privilégio de algumas grandes instalações, e, mesmo nessas, a verificação de conformidade entre o seu comportamento e o pretendido só raramente se faz. A mudança aconteceu, mas não como deveria; para voltarmos ao bom caminho será necessário utilizarmos mais energia e um “reset”.

Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2022 da Edifícios e Energia, aqui com as devidas adaptações

 

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