A energia é um parâmetro central à vida no que esta tem de intrínseco e de busca de felicidade dos povos o que, no Mundo gregário que é o nosso, significa ser essencial ao desenvolvimento e ao progresso nas diversas vertentes da sociedade.

O desenvolvimento através dos séculos, timbrado em marcas ou expressões civilizacionais notáveis, foi evoluindo segundo o domínio e a disponibilidade da energia, desde o fogo ao motor de combustão interna e à eletricidade até à sofisticação energética, nuclear e solar dos nossos dias.

Notável é que a habitação e o edificado, at large, em muitos dos seus aspetos, tais como os reconhecemos ainda hoje, tenham guardado valores formais e construtivos do local, desde logo por respeito seja ao clima seja às práticas de vida mais vernaculares, isto é, à tradição. Só a pressão económica e um certo modenismo exibicionista e balofo, estimulado pela publicidade volátil, poderiam levar ao caos algumas das cidades dos nossos dias apoiadas numa euforia urbanística sem ciência e sem alma e, desde logo, sem qualquer sensibilidade ambiental e do lugar e, muito pela via do uso desenfreado da energia, independentemente da sua origem e das technologias em uso.

Então, o conforto e o bem-estar urbanos foram sendo entregue à energia adicional vinda, primeiro  da lenha, do petróleo ou do gás e, mais recentemente, da eletricidade. Esta, trazendo o famigerado ar condicionado. Um cancro de pedantisse muitas vezes nefasto à saúde. Mas, claro, convém não esquecer que há climas e climas. Só que o nosso é moderado ou temperado.

Não será muito enriquecedor o perdermo-nos no elencar das aberrações culturais e tecnológicas indiferentes ao clima abusando da arquitetura e da construção e, desde logo, ferindo a ética e o respeito pelos valores essenciais do território que deverão incumbir aos profissionais. Assim, a arquitetura e a construção puderam tornar recentemente os edifícios em ‘esponjas’ de energia recente. Energia que importa agora tornar desnecessária, antes de mais, pelo urbanismo, a arquitetura e a construção que deverão proporcionar soluções de conforto interior, ‘com o pelo do mesmo cão’ e, assim, assegurar no futuro uma fatia significativa do que são as atuais necessidades em energia no edificado. Essa energia, dominantemente energia térmica, mas também eléctrica e mecânica, assente em conceitos de qualidade do ambiente interior, em inércia térmica nas próprias paredes, em fenestração com orientação estratégica chamada, energia térmica, muita dela muito próxima dos valores ambientais exteriores. Não se trata de uma ‘transição’ mas será uma frugalidade energética filha do regresso ao clima feito do Sol, de orografia, da orientação dos panos envidraçados e de ética.  A busca dessa energia desnecessária apareceu há cerca de uma dezena de anos com a designação de suficiência energética. Isto é, as necessidades energéticas só deverão ser reconhecidas uma vez salvaguardadas as condições da suficiência energética do proprio edifício.

Admite-se que certas localizações no território sejam, no quadro do exercício urbanístico, menos aptas a este refinamento. Mas se essas zonas não são passíveis de assegurar as condições referidas, ou são absolutamente necessárias, e serão excepção, ou não deverão ser áreas para acolher novas urbanizações.   

O princípio acima só não poderá vingar se for maior o peso do oportunismo de uns quantos e da ignorância ou covardia das ditas autoridades. É aqui que tem peso a democracia a sério fundada no reconhecimento dos valores societais da nossa cultura estendidos finalmente aos valores urbanos do nossos tempo. Isto é, em que não adianta mais construir onde paga, porque o inimigo não é  o contemporâneo mas sim o futuro, nomeadamente, a mudança climática e a falta de adeqauda energia acessível, banidas que estarão os combustíveis,

Então, além da amenidade da proteção do frio e do calor pela geometria e pela construção segura,   energeticamente suficiente, baseada nos seus componente construtivos básicos, na sua orientação e proteção antes dos adereços energéticos está assim aberta uma nova era infelizmente ainda não percebida por uma larga maioria, também de responsáveis.

‘Net zero energy buildings’; ‘produção de energia’; gestão de ‘energia’ subentendendo que se fala de ‘electricidade’ e ‘transição energética’, subentendendo que não se trata de uma operação de transferência de foco da oferta para a procura mas essencialmente de exploração das alternativas da oferta, é tudo uma cacofonia que revela ignorância energética  e imbecilidade política. A transição energética é uma referência ambígua porque a transição da oferta energética não é tão relevante como a  transição da necessidade energética, na sua natureza e na sua forma.

Se, ao menos, a passagem almejada fosse de redução das necessidades atuais para valores muito inferiores, através de uma mobilidade inteligente e participada e dum urbanismo honesto e sem habilidades patentes na maioria dos projetos de urbanização dos últimos 70 anos.

Esquece-se escandalosamente que da energia natural disponível em Portugal, só cerca de 30% faz serviço energético à população quer direta, quer indiretamente, sendo que acresce que o rendimento na obtenção de toda a energia comercial em Portugal é também da ordem dos 30% ou menos, pelo que a energia verdadeiramente útil sê-lo-á apenas na ordem dos 15 a 20%.  Ridículo, não é? E desta só menos de metade é eletricidade.

Uma empresa propôs-se recentemente em Portugal solicitar uma reflexão a uma equipa universitária sobre esta temática donde resultou um ‘Vademecum’ designado de ‘Edifícios de Elevado Perfil Ambiental’ (E²PA) em Portugal. Este seria o caminho. Não parece querer dar o passo. Equipamento tal como para a iluminação, ventilaçãoe o aquecimento desceria assim radicalmente a níveis da tecnologia dos equipamentos ‘energéticos’ e da qualidade da construção. E então teríamos valores já experienciados na Expo 98 e em Vila do Conde, entre outras…

Mas não, grandes empresas construtoras instalam hoje equipamento de ar condiconado em habitação estudantil mesmo quando com fachada só voltada a Norte. E ainda se fazem à entrada/saída de cidades como o Porto, edifícios de serviços com as quatro fachadas todas em vidro.

Onde está a ‘transição energética’? Já não está lá. Agora está a ‘adaptação climática’.

Há cerca de duas décadas, um Presidente não eleito da Camara Municipal do Porto, querendo legitimamente curar da sua visbilidade, colocou no ‘Jornal de Notícias’ (JN) a informação de que iria resolver um cancro urbanístico na rampa (avenida da Ponte) da estação de S. Bento para a ponte D. Maria.

A fotografia da fachada na primeira página do JN era toda envidraçada a sudoeste. Alguns dias depois tendo encontrado o arquitecto autor do proejcto interpelei-o sobre se ainda manteria hoje passados tantos anos, aquela fachada. E a resposta do Senhor Arquiteto foi: ‘nem o Senhor mo perdoaria’. Emocionado, só respondi: muito obrigado, Senhor Arquiteto Siza Vieira.

Esta é a mensagem transição energética pela mão de um portugûes de excelência! Não há outras transições!

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