Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2022 da Edifícios e Energia

 

Desde a segunda metade do século passado, o tema tem sido debatido persistentemente em fóruns internacionais, onde se tem procurado refletir sobre qual o papel que os engenheiros podem ter na mitigação e na ajuda à sociedade na adaptação às alterações climáticas.

Somos tentados a reconhecer que estas preocupações, nos dias de hoje, não merecem, provável e infelizmente, especial atenção devido aos conturbados momentos que atravessamos e ao correspondente impacto dos múltiplos fatores que perigosamente se combinam –­ pandemia, guerra na Europa, escassez energética e aumento galopante dos preços do petróleo –­, formando um cocktail explosivo.

Temos sido testemunhas de tragédias indescritíveis que vão durando sem fim à vista. Também reconhecemos que a humanidade tem sido capaz de ultrapassar as enormes dificuldades e sobreviver às várias tragédias, explorando, para tal, todos os recursos ao seu dispor e saberes acumulados ou a descobrir. Muitos cientistas e engenheiros, legisladores e políticos a nível mundial têm estado envolvidos na busca de respostas.

RESPOSTA AO NÍVEL DAS INFRAESTRUTURAS

Muitos aspetos das nossas vidas terão necessariamente de mudar de modo a podermos reduzir a quantidade de carbono que vai entrando paulatinamente na atmosfera. Precisamos de substituir muitos dos combustíveis fósseis por energias renováveis – algo que está a acontecer lentamente, mas de modo seguro. Os equipamentos que usamos, desde os veículos aos frigoríficos e edifícios, terão de ser necessariamente mais eficientes. O dióxido de carbono capturado e sequestrado deverá ser um objetivo para que este não entre na atmosfera. Novas fontes de energia seguras e menos dispendiosas deverão ser desenvolvidas, e, aqui, a engenharia será essencial para que todos esses esforços tenham sucesso.

Sentimo-nos obrigados a uma urgente e cuidada reflexão, exigindo tanto aos engenheiros como aos produtores de equipamentos uma profunda redefinição dos aspetos conceptuais e um aperfeiçoamento de metodologias e processos. Tudo isto, no seu conjunto, constituirá um importante marco na engenharia.

Se nos detivermos nos dados que constam nos mais recentes relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), os cientistas não detetaram mudanças na linha geral do que tem vindo a ser repetido até à exaustão sobre a forma como a humanidade está a influenciar o clima e a tornar a sua própria vida no planeta cada vez mais difícil. As projeções que aí são delineadas continuam a ser de aumento da temperatura global e de outros fenómenos a ela associados: mais secas, derretimento das camadas de gelo da Terra, chuvas intensas em algumas regiões e diminuição da precipitação noutras, aumento do nível do mar, etc.; mas, à medida que existem mais dados, parece tornar-se evidente que está tudo a acontecer mais depressa e com mais intensidade do que era previsto.

Também os utilizadores irão sentir-se convocados para uma alteração importante de comportamentos, mas a sua contribuição será sempre modesta, e as pequenas mudanças, marginais e reativas não serão suficientes, segundo afirmações do presidente do IPCC, Hoesung Lee: “Meias medidas já não são uma opção. As nossas ações de hoje definirão como as pessoas se adaptam e como a natureza responde aos riscos crescentes causados pelas alterações climáticas.”

Abordagem idêntica também foi feita no fórum integrado da Assembleia da Academia Nacional de Engenharia, pelo moderador Deanne Bell, fundador e CEO da Future Engineers: “Enfrentar as mudanças climáticas requer cooperação a vários níveis, desde políticas até pesquisas e mudanças nos hábitos dos consumidores, e a comunidade de engenharia tem os seus próprios papéis e responsabilidades.”

RESPOSTA AO NÍVEL DOS EDIFÍCIOS

Além das infraestruturas, também o setor dos edifícios se sente permanentemente convocado a desempenhar um papel crucial nos principais desafios energéticos e ambientais, mormente na União Europeia (UE). A participação das engenharias na definição e implementação de ações estratégicas pode realmente conduzir a transição europeia para uma sociedade descarbonizada.

De acordo com os inventários de carbono compilados pela Agência Europeia do Ambiente (EEA 2020), as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) provenientes de edifícios residenciais e comerciais na UE representam cerca de 36 % das emissões de GEE relacionadas com a energia ou cerca de 25 % das emissões totais de GEE da UE. Dos 36 %, cerca de 12 % são produzidos diretamente pela queima de combustíveis fósseis para aquecimento em edifícios e os restantes são produzidos indiretamente através da utilização de calor proveniente de sistemas de aquecimento urbano e de rede elétrica para iluminação, arrefecimento, preparação de água quente, ventilação, ar condicionado e outros aparelhos.

As contribuições destas emissões diretas e indiretas de GEE variam entre os Estados-Membros, dependendo principalmente do mix energético (e combustíveis) utilizado para aquecimento, arrefecimento e água quente, do grau de eletrificação do setor da construção e do grau de descarbonização da rede elétrica. Espera-se que as emissões diretas de GEE dos edifícios diminuam no futuro, uma vez que a queima de combustíveis fósseis nos edifícios é gradualmente eliminada; e as emissões indiretas de GEE dos edifícios diminuirão à medida que a eletricidade da rede é descarbonizada.

A construção de novos edifícios energeticamente eficientes e a profunda renovação de baixa energia dos edifícios existentes são fundamentais para reduzir o consumo futuro de energia nos edifícios. Além disso, tanto em edifícios novos como em edifícios renovados, as emissões de GEE incorporadas em materiais de construção e componentes pela energia utilizada para a sua extração, transporte, transformação e fabricação devem ser limitadas. Isto é necessário para garantir que as emissões acumuladas de GEE operacionais e incorporadas dos edifícios não contribuam indevidamente para aumentar as temperaturas globais em mais de 1,5 ou 2 °C acima dos níveis pré-industriais. Daí resulta que colmatar suficientemente cedo o fosso que se verifica para cumprir os compromissos assumidos pela UE com o Acordo de Paris exigirá um quadro político atualizado da UE para os setores da construção e da energia, apoiado por quadros políticos semelhantes nos Estados-Membros e com um aumento substancial dos níveis de investimento público e privado. Grande parte do que é necessário foi salientada pela Comissão Europeia nos seus documentos sobre o Acordo Verde da UE (CE 2019a) e a proposta da Vaga de Renovação (CE 2020).

A descarbonização dos edifícios pode ser bem-sucedida se atuarmos na redução ou eliminação das emissões de GEE na construção e na operação de edifícios. As ações deverão incidir nestes três domínios: eficiência energética, mudança para fontes de energia limpas, mudança para a eletricidade produzida com fontes de energia de baixo carbono.

Ao mesmo tempo, se queremos aumentar a capacidade de interpretação dos utilizadores e dos construtores de sistemas complexos, torna-se necessário dispor de dados onde a digitalização do edifício representa um passo fundamental. Para tal, teremos de assumir e conviver num ambiente de um novo paradigma, de uma nova era.

RESPOSTA AO NÍVEL DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL

Após a primeira revolução (com o aparecimento da máquina a vapor), a segunda (eletricidade, cadeia de montagem) e a terceira (eletrónica, robótica), surge a quarta revolução industrial, que combinará numerosos fatores, como a Internet das Coisas (IoT – Internet of Things) ou o Big Data, que originou, e continuará a originar, a transformação da economia. A utilização da Cloud (nuvem), o desenvolvimento de maior capacidade de armazenamento de informação em grande escala, as soluções com capacidade para lidar com o grande volume de dados digitais Big Data (pela dimensão em volume, variedade e velocidade) alargam os horizontes das utilizações.

A denominada 4.ª Revolução Industrial, que aparece com um novo paradigma, Indústria 4.0, suportado pelo Programa com o mesmo nome, desenhado para a competitividade e para a inovação, irá combinar numerosos fatores como a IoT ou o Big Data. Esta será a transformação da economia, em que se verificará a digitalização da indústria, das infraestruturas, dos edifícios e da sociedade, permitindo a interatividade dos espaços físicos, digitais e até biológicos, contribuindo inteligentemente para a mitigação dos efeitos das alterações climáticas.

O futuro próximo precisa não só de cumprir metas, mas também (e muito) de engenheiros!

 

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.