A eficiência energética dos edifícios deve ser encarada como uma “unidade de negócio especializada” pelas empresas de construção, e “não apenas como parte integrante de projectos de reabilitação”, sugere o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS). A nota é uma das várias recomendações deixadas pela entidade num parecer sobre a eficiência energética dos edifícios portugueses, publicado em meados de Maio, e no qual se dá também conta da “insuficiência de instrumentos efectivos para cumprir as metas necessárias no futuro próximo”.
O documento, intitulado “Parecer sobre a Eficiência Energética nos Edifícios, com enfoque nos Edifícios Residenciais”, foi elaborado no âmbito do grupo de trabalho sobre Eficiência Energética dos Edifícios, coordenado pelos conselheiros José de Matos (APCMC – Associação Portuguesa dos Comerciantes de Materiais de Construção) e João Joanaz de Melo (Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente), e tem como motivação contribuir, através de um “conjunto de princípios e orientações para o desenho de medidas adequadas”, para “um progresso significativo na melhoria da eficiência energética, centrada na área dos edifícios residenciais, que deve ser assumida como uma das grandes prioridades a nível nacional”, lê-se.
O diagnóstico da realidade portuguesa feito pela entidade dá conta de que, embora haja a “intenção de atribuir prioridade à eficiência energética”, em Portugal, as políticas energéticas “continuam primordialmente focadas na oferta de energia”, o que se reflecte também no sector dos edifícios. “Em Portugal, apesar de múltiplas medidas pontuais ao longo dos anos e de novas iniciativas que têm resultado em estratégias e incentivos diversos, o parque habitacional continua a ter má qualidade.”
No documento, os especialistas do CNADS deixam orientações para promover a eficiência energética no edificado, algumas das quais direccionadas às empresas e agentes do sector. O relatório recomenda “a exploração de novos modelos de negócio, eventualmente fazendo uso de instrumentos financeiros novos”, assim como a promoção de “modelos de negócio baseados na intervenção, p.e. de empresas de serviços energéticos ou de instituições responsáveis pelos investimentos na reabilitação energética dos edifícios e respetiva gestão, promovendo a partilha de benefícios”.
Defendendo que as empresas de construção devem encarar cada vez mais a eficiência energética como uma “unidade de negócio especializada”, e não como “parte integrante de projectos de reabilitação”, o CNADS está convicto de que esta especialização vai trazer vantagens competitivas e uma maior disponibilidade de oferta de serviços, que, actualmente, é ainda “insuficiente”.
Também nesta linha e com vista a “ultrapassar os actuais constrangimentos” relacionados com a falta de competências nesta área, o parecer sugere o estudo da “criação da figura ‘gestor’ certificado (empresas) de projectos de eficiência energética, acessível a outras empresas e actividades na cadeira de valor”. Um esforço “maior” na formação profissional e o “ajustamento do quadro de profissões”, e respectivos referenciais, fazem ainda parte das recomendações elencadas pelo grupo de trabalho do CNADS no que se refere à capacitação do sector.
“A maior parte das profissões relacionadas com este tipo de trabalhos, nem sequer existe. Não há, formalmente, profissões reconhecidas de aplicadores de isolamentos, nem de sistemas ETICS, nem de divisórias ou sistemas de coberturas”, lê-se no documento. Segundo os especialistas, os temas da sustentabilidade e da eficiência energética devem ser incluídos na formação destes profissionais, sendo que, para isso, poderá ser aproveitado o trabalho feito até aqui nessa matéria pelo LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia. Além disso, deve “incentivar-se a criação de soluções estandardizadas por tipos de prédios a reabilitar, de acordo com os respetivos sistemas construtivos e época de construção”.
Necessidades implicam multiplicar por 25 investimento previsto
O parque edificado português “requer uma intervenção sistemática e coerente nas próximas décadas”, refere o parecer do CNADS, recordando que, em Portugal, 75 % das famílias vivem em habitações que não cumprem os requisitos modernos de comportamento térmico dos edifícios.
Tendo em conta o investimento necessário previsto pela Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE) para levar a cabo a reabilitação energética da quase totalidade do parque edificado nacional até 2050 – na ordem dos 143 mil milhões de euros, dos quais 110 mil milhões são para o residencial –, o CNADS considera “evidente a insuficiência de instrumentos efectivos para cumprir as metas necessárias no futuro próximo”. O desafio, lê-se, vai implicar “um esforço colaborativo de todos os sectores, incluindo as famílias, o sector da construção e renovação, as empresas em geral e as diversas instituições públicas”.
Estimando que o cumprimento da meta de garantir que todas as famílias residentes em Portugal têm uma habitação condigna e eficiente vai exigir um investimento público anual em renovação de edifícios na ordem dos 1 500 milhões de euros nos próximos dez anos, os especialistas alertam que “poderá ser necessário multiplicar por 25 o valor anual previsto”, considerando a despesa programada no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) de 300 milhões de euros até 2026. A massificação e a optimização de processos e tecnologias podem contribuir para que estes valores sejam revistos em baixa, no entanto, não é expectável que a “ordem de grandeza” se altere, refere o parecer.
Melhorar a qualidade e o desempenho energético do parque edificado português vai, segundo os especialistas, ter “impacto positivo, simultaneamente, na saúde pública, conforto humano, mitigação e adaptação às alterações climáticas, redução dos impactes do uso da energia e reforço da resiliência em vários domínios da economia e da sociedade”.
Divulgado este parecer e as medidas que o compõem, o grupo de trabalho do CNADS pretende, num passo seguinte, “abordar, por um lado, em mais detalhe as medidas apontadas e a forma de potenciar os seus efeitos, bem como aprofundar alguns temas específicos, nomeadamente a pobreza energética, e, por outro, alargar o âmbito ao domínio dos edifícios não residenciais”, lê-se no documento.