“É importante tentar ter a administração pública local e central como referência” na eficiência energética. As palavras são do especialista João Pedro Gouveia, que está a avaliar as candidaturas ao aviso de apoio à eficiência energética nos edifícios públicos e que participou no projecto PrioritEE Plus, cujo resultado é uma ferramenta para ajudar a administração pública local a priorizar medidas de eficiência energética.

[Assume-se como] objectivo para Portugal a aposta nas energias renováveis e na eficiência energética de forma a posicionar o país entre os líderes da revolução energética que está a marcar o início do século XXI. De entre os novos objectivos traçados para a política energética, deve ser dada prioridade à eficiência energética.” O excerto abre a Resolução do Conselho de Ministros n.º 2/2011, de 12 de Janeiro, que marcou a aprovação do programa ECO.AP, mas podia integrar a abertura de qualquer documento nos dias de hoje.

No recente plano europeu RePowerEU, por exemplo, há uma pressão muito clara para a independência energética e para a descarbonização, que passam inevitavelmente pelo aumento da ambição relativamente à meta para a eficiência energética, que sobe de 9 % para 13 %. Apesar da força motriz que se tem sentido para alavancar a eficiência energética a nível europeu e nacional, e uma década depois da primeira versão do ECO.AP, ainda há muitas incógnitas no que diz respeito aos edifícios públicos portugueses. Quantos destes edifícios estão certificados? Qual é o estado desses edifícios e que classificação energética possuem? Estão a implementar as medidas de melhoria propostas nos certificados? Quais são as medidas mais impactantes? São poucas as respostas e, muitas vezes, são respostas incompletas.

“É sempre difícil esta análise”, refere João Pedro Gouveia, investigador do CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, da Universidade Nova de Lisboa. O responsável argumenta que uma das grandes dificuldades está relacionada com o facto de os dados existentes sobre os certificados energéticos não fazerem a destrinça entre edifícios do Estado e edifícios do sector privado. O que se sabe é que 47 % do amplo aglomerado de quase 180,7 mil certificados emitidos entre 2014 e 2021, relativamente a edifícios de comércio e de serviços, apresenta uma classe energética C e que um quarto possui classe B-. Isto significa que “a maioria do parque certificado [nesta tipologia] apresenta uma classe energética muito próxima dos patamares mínimos exigidos para edifícios novos”, sublinha a edição de 2022 do relatório Energia em Números, lançada em Junho pelo Observatório de Energia, pela ADENE e pela Direcção-Geral da Energia e Geologia.

Contudo, sem um nível de detalhe que permita distinguir os edifícios públicos dos outros e diferenciar os edifícios consoante os subníveis da administração pública, e sabendo ainda que a certificação dos edifícios não se estende à totalidade do parque edificado português, não é possível inferir com confiança aquilo que se passa nos edifícios do Estado. Não obstante, João Pedro Gouveia refere que a “dinâmica de problema” é semelhante à dos outros edifícios. “Qualquer [que seja a] tipologia de edifícios em Portugal, a maioria tem sempre problemas de eficiência [energética] pelas mesmas razões. A qualidade, quando se construiu, era baixa; é a [questão da] falta de isolamento, [de] as janelas também não serem, na maioria dos casos, as melhores e, portanto, há muito para fazer.”

Que há muito para fazer em termos de eficiência energética é um ponto de concordância que está na origem de planos políticos para o sector, desde a primeira versão do ECO.AP, até à mais recente – o Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública (ECO.AP 2030), aprovado em Novembro de 2020 –, bebendo de contributos do Roteiro para a Neutralidade Carbónica, de 2019, do Plano Nacional para a Energia e Clima 2030 e da iniciativa europeia Vaga de Renovação, ambos estabelecidos em 2020. Sabe-se ainda, através do ECO.AP 2030, quais são os objectivos e desafios que se colocam aos edifícios públicos: até 2030, alcançar reduções de 40 % no consumo de energia primária, de 20 % no consumo de água, de 20 % do consumo de materiais, bem como atingir os 10 % de autoconsumo com base em fontes renováveis e uma taxa anual de 5 % de renovação dos edifícios.

Estas metas são marcos de uma via para a recuperação económica e para a transição climática que as entidades da administração pública têm de percorrer; um processo que pode ser facilitado pelas figuras de gestores de energia e recursos (GER). Actualmente, a ferramenta Barómetro ECO.AP regista 552 GER para um total de 755 entidades públicas. Mas, neste caminho, estas entidades necessitam também de outros recursos: fundos financeiros. Neste campo, um dos principais instrumentos para os objectivos traçados no ECO.AP 2030 é a componente do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) dedicada aos edifícios da administração pública central (TC-C13-i02), que dispõe de um investimento de 240 milhões de euros até 2026. O objectivo é também financiar medidas que fomentem a eficiência, seja energética, seja do uso de recursos em geral, priorizando as energias renováveis e o autoconsumo e reduzindo 30 % do consumo de energia primária nos edifícios intervencionados.

214 candidaturas sob análise

No âmbito dos apoios à eficiência energética nos edifícios da administração pública central, incluindo o sector público empresarial, o ministério do Ambiente e Acção Climática lançou, no dia 7 de Dezembro, o 1.º Aviso-Concurso dedicado a este fim, com uma dotação de 40 milhões de euros e um tecto máximo de cinco milhões de euros por candidatura. Findo o prazo de submissões, a 11 de Abril, o Fundo Ambiental, mecanismo responsável pela atribuição das verbas em regime de subvenção não reembolsável, registou 214 candidaturas, que transitaram para a fase seguinte de verificação da elegibilidade e de avaliação de mérito dos projectos.

Essa análise irá decorrer nos próximos meses, mas alguns dos dados preliminares já foram apresentados no final de Abril por Alexandra Carvalho, directora do Fundo Ambiental, durante um seminário no Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) a propósito da eficiência energética em edifícios públicos. De acordo com a informação divulgada, as três localidades portuguesas que submeteram mais projectos ao 1.º Aviso foram Lisboa, Coimbra e Porto. Quanto às cinco tipologias de intervenção possíveis, a mais comum é a que incide sobre sistemas técnicos. De seguida, no “top3”, aparecem também as intervenções relativas à produção de energia com base em fontes de energia renováveis para autoconsumo e as acções imateriais (de sensibilização, consultoria e/ou auditoria), deixando, num segundo plano, as medidas relacionadas com a envolvente opaca e envidraçada e com a eficiência hídrica. São dados preliminares e João Pedro Gouveia, que está a colaborar com o Fundo Ambiental na coordenação da análise das submissões ao concurso, reforça que se está numa fase “inicial de avaliação”.

No total, as 214 candidaturas “traduzem um potencial de investimento, caso sejam elegíveis, de 232,2 milhões de euros, enquanto o montante solicitado para apoio financeiro é de 219,2 milhões de euros”, noticia o Governo, na sua página oficial. Apesar de este valor ultrapassar largamente os 40 milhões de euros definidos neste primeiro aviso, está em cima da mesa a possibilidade de alargamento. Quem o propôs foi o ministro do Ambiente e Acção Climática, aquando da apreciação na especialidade da proposta do Orçamento de Estado para 2022, a 11 de Maio. Para Duarte Cordeiro, esta é uma “oportunidade” de “antecipar a totalidade da dotação para executar esta componente do PRR a 100 %”, até ao final do ano.

Se a verba inicial será já reforçada ou não e se a execução será feita a 100 % , isso dependerá da avaliação, diz João Pedro Gouveia, depositando, ainda assim, confiança na margem de manobra existente. Para o especialista, outro factor poderá introduzir alguma incerteza adicional: há uns meses, as entidades fizeram orçamentos preliminares, prevendo determinadas medidas com um impacto específico, mas o desfasamento temporal até à eventual aprovação do projecto “nas condições submetidas e com os objectivos elencados” e até, depois, à concretização pode perturbar os planos iniciais, conjectura o responsável.

“Se, realmente, as entidades querem desenvolver o projecto com o orçamento que deram, [isso] pode ser discutível. Há esse risco na aplicação real, depois, do dinheiro, com base na análise que foi submetida pelos candidatos, por causa da guerra, dos materiais e da disponibilidade dos recursos humanos”, acrescenta, especulando que isso se poderá reflectir numa eventual influência nos resultados e impactos previstos das medidas.

Como fazer dos edifícios públicos uma “referência”?

Na perspectiva de João Pedro Gouveia, a utilidade deste tipo de avisos para apoiar a eficiência energética não se esgota na questão financeira. “São um momento de avaliação”, quer da situação actual, ajudando a caracterizar os edifícios e a identificar problemas, quer do potencial de melhoria, auxiliando a renovação do edificado. “Quando falamos de renovação, falamos no edificado no geral, com toda a ideia da descarbonização, da melhoria do conforto e da redução do consumo de energia, através da eficiência” e, nesta “dinâmica de renovação que é preciso fazer, é importante tentar ter a administração pública local e central como referência”.

E há um instrumento que pode ajudar: a Ferramenta de Apoio à Decisão PrioritEE para priorizar medidas de eficiência energética na administração pública local, desenvolvida no âmbito do projecto europeu PrioritEE Plus, financiado pelo INTERREG MED. Como é que funciona? Em primeiro lugar, apoia a entidade a decidir, a partir do portefólio de edifícios do município, qual deve ser o foco de atenção. Em segundo, já com uma análise mais detalhada, ajuda a encontrar oportunidades de melhoria e a seleccionar as medidas mais adequadas e impactantes, consoante o objectivo. Por fim, permite combinar indicadores diferentes para avaliar o impacto financeiro e o impacto nas emissões, considerando também a área do edifício e o número de utilizadores impactados. João Pedro Gouveia, envolvido no projecto, diz que, desse modo, é possível comparar e escolher entre várias opções, por exemplo, sobre “qual é a medida que reduz mais emissões de CO2, ou com menor custo mas mais impacto nas pessoas, ou [ainda] qual é a medida que vai actuar sobre mais área”.

Ao introduzir na análise um indicador ambiental, a ferramenta ajuda também a equilibrar os argumentos para o investimento em medidas passivas – isolamentos nas paredes e nos telhados e substituição de janelas. “Se olhássemos só para o custo-eficácia e o retorno ao investimento, ninguém ia investir em medidas passivas. Os ganhos financeiros potenciais estão claramente na parte de integração do solar fotovoltaico ou em equipamentos de climatização mais eficientes. Não trazemos nenhum indicador de saúde, de qualidade do ar, da parte acústica, mas é preciso ir acomodando estes indicadores para avaliar outras externalidades positivas.”

De acordo com o especialista, “a ideia do desenvolvimento da ferramenta era dar aos municípios esse conhecimento sectorial, nos edifícios geridos pelo município, para integrar os Planos de Acção de Energia e Clima, que, em muitas situações, são necessários para concorrer a fundos e a financiamentos”, refere, lamentando a “falha importante” de não haver, actualmente, nenhum concurso no PRR dirigido à administração pública local. Apesar deste esforço para “reforçar o conhecimento e a capacitação das entidades locais”, a ferramenta pode ser útil para outros níveis de governação: “na verdade, tem aplicabilidade a qualquer tipo de edifício, à exclusão do residencial porque não está orientada para esse perfil”, realça.

Concluído, entretanto, em Junho, o PrioritEE Plus deu seguimento ao trabalho anterior desenvolvido pelo projecto PrioritEE, que envolveu cinco países – Portugal, Espanha, Grécia, Itália e Croácia. Nesta segunda versão, que tem como objectivo escalar a adopção da ferramenta a outras regiões, participam, do lado português, o CENSE, a FCT Nova e o LNEG e, como parceiros associados, o município de Arruda dos Vinhos, a AreanaTejo, a ENA e a RNAE.

Artigo publicado originalmente na edição de Julho/Agosto de 2022 da Edifícios e Energia