Para cumprir a transição climática do ambiente construído europeu, é preciso criar estratégias de recursos humanos que sejam capazes de atrair talento, facilitem a contratação e promovam a formação. Quem o defende é a Energy Cities num estudo publicado em Abril, no qual apela aos governos nacionais europeus e à Comissão Europeia para que financiem esta aposta e dêem maior autonomia orçamental verde à administração local e regional.
Quantas pessoas é preciso contratar e encaminhar para autoridades locais de modo a levar a cabo a tão necessária descarbonização do parque edificado europeu? Segundo o estudo Human Capacity in Local Governments: The Bottleneck of the Building Stock Transition, publicado em Abril pela Energy Cities, associação europeia de governos locais para a transição energética, a resposta é 214 mil funcionários, a cada ano até 2030, incluindo já o ano de 2022. Trata-se de um esforço de 16 mil milhões de euros anuais para cobrir os custos adicionais da mão-de-obra e representa um aumento médio de 3 % nas despesas anuais dos orçamentos públicos dos governos locais por toda a Europa.
O esforço adicional para alcançar este objectivo da descarbonização dos edifícios europeus terá de ser suportado por todos os Estados-Membros e municípios. Segundo explicou Julien Joubert, gestor de projectos em sistemas energéticos e planeamento, durante um evento da Energy Cities, no final de Junho, se se pensar na despesa em causa e na respectiva relação com o PIB do país, percebe-se que acarretar este investimento será um desafio maior para “Estados centralizados e Estados com um sector público limitado”.
No caso de Portugal, a exigência é que sejam contratados, a cada ano desta década, 2 780 funcionários adicionais. Traduzindo, terá de se abrir os cordões à bolsa e avançar com um investimento anual, durante este mesmo período de 2022-2030, de 115 milhões de euros.
“Os Estados-Membros devem propor estratégias para colmatar esta lacuna”, sublinha a Energy Cities, que aponta para a necessidade de incluir medidas de financiamento directo de posições de emprego de longo-termo nos municípios e nas entidades públicas relacionadas com o clima e a energia. Além disso, “a Comissão Europeia deve apoiar esta avaliação [das necessidades] e os esforços de recrutamento ao exigi-los como parte dos Planos Nacionais para a Energia e o Clima ou das legislações do Pacto Ecológico Europeu, e adicionar instrumentos de financiamento como ESF+, ERDF, Erasmus e InvestEU para disponibilizar fundos”, realça a rede.
Esta é uma das recomendações-chave identificadas no estudo da Energy Cities, que, a par do fornecimento de financiamento – seja pela mobilização de novos investimentos, seja pela realocação de fundos e orçamentos –, também encoraja a cooperação local. Isto implica aproveitar as forças de trabalho existentes e criar sinergias entre diferentes territórios e níveis de governação.
“Além da partilha de recursos humanos, é possível também partilhar boas práticas”, destacou Amélie Ancelle, gestora de projectos e de políticas da União Europeia, no mesmo evento em Junho. Como tal, a especialista diz ser também “importante ter espaços para facilitar esta partilha de práticas, seja a nível nacional, seja a nível da União Europeia – o que pode ser facilitado pelo Pacto dos Autarcas ou pela Missão Cidades”.
Mas, para tornar os governos locais “à prova de futuro” e concretizar a transição climática e energética do ambiente construído, não basta mão-de-obra – é preciso talento diferenciado. “As posições a preencher são diversas: analistas de energia, gestores de projectos, urbanistas, engenheiros, especialistas em participação cidadão e de outros stakeholders, consultores em energia, responsáveis por comunicação, especialistas em edifícios públicos, especialistas em habitação social (…)”, lê-se no documento. E é necessário também que os governos locais sejam capazes de atrair esse mesmo talento. “De momento, trabalhar no sector público é menos atractivo, em termos económicos”, lamentou Julien Joubert. Nesse sentido, o estudo identifica o desenvolvimento de “uma estratégia de recursos humanos para a força de trabalho local” como outro ponto-chave.
No âmbito dessa segunda recomendação, a Comissão Europeia poderá também ser uma ferramenta não só para fomentar a partilha de boas práticas como para emitir orientações, salientou Amélie Ancelle. Já os governos locais e regionais, nas palavras da responsável, poderão aproveitar o Technical Support Instrument para trabalharem a sua imagem/marca e atractividade de recrutamento.
Em paralelo, é tido como requisito o estímulo à capacitação adequada dos funcionários para salvaguardar uma pool local de expertise. Assim, a associação europeia de autoridades locais para a transição energética solicita que sejam também fornecidos programas de formação ao nível municipal e programas de realocação, bem como oportunidades de intercâmbio.
Para pôr mãos à obra e desbloquear a descarbonização neste sector, é preciso garantir ainda um terceiro aspecto-chave: “desenvolver orçamentos verdes locais e regionais”, removendo barreiras orçamentais e de financiamento. Nesta recomendação, a questão de fundo está relacionada com a ideia de que os níveis de governação local e regional carecem de mais autonomia no desenvolvimento e na gestão de orçamentos verdes, investimentos e forças de trabalho.
Ao ser adoptada, esta última recomendação facilitaria também a efectivação das outras, perspectivando a nova contratação como um “investimento produtivo” e não como “despesa”. Sobre este “investimento produtivo”, Julien Joubert argumenta que “os funcionários contratados pelas autoridades locais podem alavancar investimentos 20 vezes mais elevados do que os custos [que comportam – 36 euros, por europeu, por ano]”. E fortalece o argumento: a aposta em staff local vai “ajudar a reduzir o custo da poluição do ar, por cada europeu, por ano, que se estima ser de 1 276 euros” e a mitigar “o custo de inacção climática [por europeu, por ano], que é de 1 813 euros”.
Artigo publicado originalmente na edição de Setembro/Outubro de 2022 da Edifícios e Energia