Autores:

Rand Askar – Centro do Território, Ambiente e Construção, Universidade do Minho, Guimarães, Portugal

Luís Bragança – Departamento de Engenharia Civil, Universidade do Minho, Guimarães, Portugal

Os edifícios são responsáveis por cerca de 50 % de todos os recursos naturais extraídos, cerca de 25 % do consumo de água, bem como por cerca de 40 % do consumo total de energia, resultando, em média, na produção de cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa e num terço de todos os resíduos gerados. Isto faz do setor dos edifícios o maior poluente da União Europeia. Estes impactes negativos resultam da habitual abordagem baseada numa economia linear, que ainda predomina neste setor.

Figura 1- O modelo de economia linear na construção (Fonte: Buildings as Material banks H2020 project).

Num sistema de economia linear, o desenvolvimento económico depende do crescimento do consumo, o que se traduz no aumento da utilização de recursos naturais finitos e da extração de matérias-primas, correndo-se o risco da sua extinção iminente. No fim do seu ciclo de vida, estas matérias-primas são descartadas, gerando-se enormes volumes de resíduos potencialmente tóxicos para os seres humanos e ecossistemas naturais.

Hoje em dia, quando as necessidades da sociedade ou dos utilizadores mudam, os edifícios projetados para uma função única tornam-se obsoletos ao fim de 20 % a 30 % do seu tempo de vida potencial, resultando em altas taxas de desocupação e demolição prematura. Assim, é urgente agir de forma diferente, pois nas próximas décadas são esperadas altas taxas de urbanização e investimentos significativos em infraestruturas. Especialistas sugerem que, à escala mundial, 60 % dos edifícios que existirão em 2050 ainda não foram construídos, e que, em economias emergentes como a Índia, esse número chega a 70 % até 2030. A indústria da construção necessita de mudar o seu pensamento linear e estático de “extrair–produzir-descartar” para um sistema de economia circular, em que cada material é usado e reutilizado ao máximo, com o mínimo de desperdício.

Para isso, é necessário mudar radicalmente a forma de produzir. A escolha das matérias-primas, o design dos componentes dos edifícios e o aproveitamento dos subprodutos desta indústria são aspetos essenciais deste novo modelo de desenvolvimento económico. Estima-se que, a nível europeu, a economia circular possa gerar poupanças de 600 mil milhões de euros para as empresas, criar 170 mil empregos diretos no setor da gestão de resíduos e contribuir significativamente para a redução das emissões de gases com efeito de estufa.

O PROJETO BAMB – EDIFÍCIOS COMO BANCOS DE MATERIAIS

No projeto Europeu BAMB, 15 parceiros de sete países europeus trabalharam em conjunto com uma missão – contribuir para uma mudança sistémica no setor da construção, onde edifícios concebidos de forma reversível e transformável podem ser incorporados numa economia circular. No âmbito do projeto BAMB, os edifícios são considerados repositórios temporários de produtos, sistemas e materiais de construção que podem ser recuperados para outras aplicações. É necessário apenas uma quantidade limitada de matérias-primas para manter o ciclo em funcionamento, resultando numa reduzida quantidade de materiais que precisam de ser descartados. Em vez de serem um problema ambiental e um encargo económico, os edifícios podem, desta forma, transformar-se num banco de recursos valiosos.

UMA VISÃO PARA UM AMBIENTE  CONSTRUÍDO CIRCULAR
A transição para um ambiente construído circular e dinâmico requer uma abordagem holística e transdisciplinar, bem como várias mudanças sistémicas, impulsionando oportunidades e eliminando barreiras. Para estimular esta transição, o projeto BAMB propõe um conjunto de princípios orientadores que visam a obtenção de impactes positivos na sociedade e no meio ambiente.

Três grandes mudanças sistémicas  foram identificadas para apoiar a visão do projeto BAMB:

1. Mudança na cultura do design – dos edifícios mono-funcionais aos bancos de materiais

Figura 2- A visão do projeto BAMB
(Fonte: Buildings as Material banks H2020 project).

A maioria dos edifícios ainda é projetada com uma perspetiva linear, negligenciando futuras mudanças e criando resíduos de construção e demolição durante e no final da sua vida útil. Os estágios de conceção e projeto são cruciais para garantir que os edifícios possam suportar mudanças planeadas e outras totalmente imprevisíveis, a fim de aumentar ou manter a funcionalidade, atualidade e qualidade dos mesmos.

2. Mudança na definição de valor – dos custos e beneficios financeiros para os benefícios sociais e ambientais

Figura 3- Mudança na definição de valor
(Fonte: Buildings as Material banks H2020 project).

Soluções de construção circulares e reversíveis são frequentemente consideradas muito caras em comparação com as soluções convencionais. Isso reflete uma perspetiva de curto prazo, na qual o custo do investimento financeiro inicial é considerado o principal critério de decisão, não equacionando potenciais ganhos financeiros e o valor agregado individual ou social que soluções construtivas circulares e reversíveis podem proporcionar ao longo de toda a sua vida útil. Tendo um grande impacto no meio ambiente e na sociedade, a indústria da construção atual precisa de modelos de negócios inovadores capazes de serem financeiramente sustentáveis.

3. Mudança da forma – colaboração entre todos os atores – de uma cadeia para uma rede

Figura 4- Mudança da forma – colaboração
(Fonte: Buildings as Material banks H2020 project).

Dentro da atual cadeia de fornecimento dos edifícios, já existe uma boa colaboração entre fabricantes de produtos, arquitetos, engenheiros e empreiteiros. Nas fases de projeto e de construção, muitas informações de construção são trocadas entre esses atores. Uma vez o edifício construído e transacionado de um proprietário para outro, os dados de construção e dos produtos incorporados no mesmo são geralmente perdidos deixando os novos proprietários, gestores das instalações e técnicos dos edifícios com informações limitadas sobre como operar e reabilitar o edifício e reaproveitar os componentes e materiais de construção.

A economia circular dentro do ambiente construído requer uma forte interação entre todos os principais interessados nas fases de projeto, construção, utilização, renovação e reaproveitamento.

De modo a atingir os seus objetivos, o projeto desenvolveu e integrou um conjunto de novas ferramentas e metodologias que podem permitir essa transição baseadas em Passaportes de Materiais e no Design de Edifícios Reversíveis suportadas por novas propostas de modelos de negócios, novas políticas, novas normas e por novas ferramentas de apoio à tomada de decisões. Comparativamente com a construção tradicional, a implementação destas ferramentas/metodologias em seis edifícios piloto conduziu a uma redução de 75 % – 90 % dos resíduos de construção e a uma redução do consumo de recursos naturais superior a 78 %.

EDIFÍCIOS REVERSÍVEIS (ER)

Um edifício reversível pode ser adaptado às necessidades e requisitos dos seus utilizadores e facilitar a reutilização de componentes do edifícios no(s) mesmo(s) prédio(s) ou em outras aplicações. Os edifícios reversíveis são projetados e construídos de tal forma que são facilmente desmontados em peças ou componentes menores, independentes, sem causar danos a outras peças e materiais do edifício. Ao fazer isso, os recursos materiais são usados de uma forma altamente eficaz. O desperdício é evitado e o tempo de vida útil dos componentes do edifício é prolongado. Este conceito não se restringe a novos edifícios e também é aplicável a projetos de reabilitação.

Figura 5- Conceitos de Edifício Reversível e passaportes de materiais (Fonte: Buildings as Material banks H2020 project).

Os edifícios reversíveis são um dos pilares da economia circular na construção, já que a reversibilidade é uma força motriz por trás da circularidade dos materiais de construção e das suas propostas potenciais de múltiplos valores para futuras aplicações. Soluções de projeto que garantam alto potencial de transformação e alto potencial de reutilização de seus materiais/produtos são identificadas como reversíveis e circulares.

Para tornar os ER numa realidade, o uso de ligações reversíveis é imperativo. Além disso, a separação funcional de materiais, desmontagem e coordenação do ciclo de vida determinarão o valor de recuperação de produtos de construção. Foi desenvolvida uma série de indicadores que permite a quantificação da reversibilidade, através da verificação do potencial de reutilização técnica dos elementos de construção (oito indicadores) e da capacidade de transformação do edifício (12 indicadores). O potencial de reutilização e a capacidade de transformação determinam a reversibilidade final dos edifícios e a sua capacidade de serem modificados para satisfazer novos requisitos de uso sem demolição e com alto valor de recuperação dos produtos de construção.

A fim de orientar os projetistas e desenvolvedores de produtos e de informar os proprietários de edifícios sobre a reversibilidade de edifícios e dos produtos de construção, foi desenvolvido um kit de ferramentas integrado para o projeto e a avaliação de ER a vários níveis.

PASSAPORTES DE MATERIAIS (PM)

Os passaportes de materiais (PM) – conjuntos de dados técnicos característicos e caracterizadores de cada produto de construção instalado – fornecem informações relevantes atualizadas, muitas vezes não cobertas por outros documentos, especialmente em relação à sua circularidade. Em sinergia com a construção reversível e o design dos produtos, os PM visam manter o valor residual destes ao longo do tempo. Os PM contêm todos os materiais relevantes, características técnicas e de saúde, dados sobre o uso atual e histórico do produto instalado no edifício, bem como informações sobre como mantê-lo e (des)montá-lo para facilitar a reutilização, reciclagem ou reprocessamento dos seus componentes. A evolução dos passaportes de materiais desenvolvidos pelo BAMB está a apoiar o movimento em direção à normalização e harmonização, o que permitirá a colaboração efetiva entre as diversas partes envolvidas, como fabricantes de produtos, plataformas de avaliação de construção, bibliotecas de produtos.

Figura 6- Build Reversible in Conception (BRIC), Bruxelas (Fonte: BAMB – Buildings as Material Banks H2020 project).

BAMB NA PRÁTICA

Edifícios-piloto testaram e demonstraram as ferramentas desenvolvidas ao longo do projeto em vários contextos, incluindo um edifício transformável de madeira com quase zero resíduos (BRIC, Bruxelas), uma remodelação circular de um edifício de betão armado para múltiplas utilizações (CRL, Bruxelas), um módulo de construção com estrutura de aço transformável com componentes intercambiáveis (GTB Lab, Heerlen) e uma exposição itinerante interativa apresentando passaportes de materiais e materiais circulares atualmente existentes (REMs).

Figura 7- Circular Retrofit Lab (CRL), Bruxelas (Fonte: BAMB – Buildings as Material Banks H2020 project)

Os protótipos do BAMB demonstraram que as ferramentas e metodologias desenvolvidas no projeto podem reduzir mais de 75 % de todos os resíduos gerados e matérias-primas usadas ao longo de várias transformações de edifícios. Ao investigar novas abordagens de projeto, fabricação, construção e manutenção de edifícios dinâmicos e circulares, os edifícios-piloto demonstraram que os edifícios podem funcionar como bancos de materiais valiosos. As ferramentas desenvolvidas pelo projeto BAMB ajudam a preservar os edifícios e seus componentes e o valor residual dos mesmos, o que permite obter mais-valias financeiras, ambientais e sociais através de estratégias de reutilização e reciclagem de alta qualidade.

Figura 8- Green Transformable Building Lab (GTBL), Heerlen (Fonte: BAMB – Buildings as Material Banks H2020 project)

QUADRO DE POLÍTICAS, REGULAMENTOS E NORMAS

No decurso do projeto BAMB, o impacte das atuais políticas, normas e regulamentos relativos à implementação de edifícios circulares e transformáveis foi analisado. A análise foi realizada a diferentes níveis políticos (União Europeia – UE, nacional, regional e local) e para diferentes elos de cadeias de valor circulares e os resultados foram compilados e analisados. Práticas recomendadas de todo o mundo que ilustram comportamentos e mecanismos que suportariam a mudança para um ambiente dinâmico e circular foram compilados. Fatores de sucesso e principais lacunas foram identificados. Este trabalho, juntamente com interações com diferentes partes interessadas, levou ao desenvolvimento de recomendações para o desenvolvimento futuro de políticas, normalização e legislação que favoreçam a aplicabilidade do projeto dinâmico e circular de edifícios. As principais recomendações que devem ser tidas em consideração ao planear políticas e regulamentos futuros para a economia circular incluem as seguintes:

• As leis existentes ao nível da UE sobre desempenho energético, gestão de resíduos e regulamentações de produtos de construção devem ser alteradas e alargadas para apoiar a implementação de edifícios dinâmicos e reversíveis integrando Passaportes de Materiais e os Princípios de Projeto de Edifícios Reversíveis;

• Devem ser definidos objetivos claros e mensuráveis;

• Os custos ambientais e sociais devem ser integrados no cálculo do valor de qualquer nova política;

• Os contratos públicos devem ser usados para promover a mudança e devem ser aproveitados como um mecanismo para internalizar os custos externos. Os contratos públicos devem também apoiar novos tipos de modelos de negócio e de conceito de propriedade que levarão a outros tipos de colaboração;

• A utilização de medidas legislativas, fiscais e orçamentais deve ser considerada, a fim de promover a transição para edifícios dinâmicos e reversíveis;

• As autoridades devem assegurar que o espaço para experimentação seja incluído nas novas políticas e regulamentos;

• Deve-se adotar uma abordagem colaborativa no desenvolvimento das políticas para garantir que as mudanças levem em conta a realidade dos grupos interessados e que as metas estabelecidas sejam apropriadas e passíveis de serem adotadas.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.