Artigo publicado originalmente na edição de Julho/Agosto de 2022 da Edifícios e Energia¹
O conceito de nZEB (em português, edifício com necessidades quase nulas de energia) foi introduzido em 2010 pela Diretiva Europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD, 2010) e definido como “um edifício com um desempenho energético muito elevado (…) As necessidades de energia quase nulas ou muito pequenas deverão ser cobertas em grande medida por energia proveniente de fontes renováveis (…)”.
Entretanto, a 15 de dezembro de 2021, a Comissão Europeia, na publicação das suas recomendações com vista à nova revisão da EPBD, reforça a necessidade de alcançar um desempenho energético muito elevado para os edifícios, quer em novas construções, quer na renovação do parque edificado, como meio para alcançar a redução de, pelo menos, 55 % das emissões de gases com efeito de estufa até 2030 e atingir o objetivo maior da neutralidade climática até 2050.
Os desafios que os nZEB apresentam aos Engenheiros de Climatização são muitos e transversais à profissão. Ainda que, nesta fase, em Portugal, os nZEB se cinjam aos novos edifícios, não é só aos projetistas de sistemas de climatização (AVAC) que o desafio se coloca; este abrange, também, os PQ – Peritos Qualificados (muitos deles, e, em especial, os PQ II, são engenheiros de climatização) e os fabricantes de equipamentos, passando, necessariamente, pela instalação e, posteriormente, pela condução, monitorização e manutenção. Efetivamente, não basta que um edifício seja nZEB no projeto; é necessário garantir que este assim continua após a obra e também durante a sua utilização.
Face ao atual paradigma da transição energética com vista à neutralidade climática do espaço da comunidade europeia, identifico quatro desafios principais, que estão subjacentes à Climatização nos nZEB, agrupando-os em quatro áreas:
• Eficiência Energética;
• Transição energética;
• Neutralidade carbónica;
• Análise custo-benefício.
A eficiência energética dos sistemas AVAC é um dos objetivos a assegurar, também, para alcançar o nZEB. Mas a simples utilização de equipamentos ou de soluções eficientes não transforma um qualquer edifício num edifício com necessidades quase nulas de energia. Eficiência energética é sinónimo de menos e de melhor utilização de energia. Pelo que, antes de mais, há que garantir que o edifício per si apresenta reduzidas necessidades também em climatização ativa, e, para tal, há que otimizar a performance passiva do edifício, além de otimizar a performance energética dos grandes utilizadores de energia nos edifícios, como são a iluminação e os equipamentos.
A otimização da performance energética do edifício passa necessariamente por adequar o edifício ao clima.
Quatro desafios
O edifício é o primeiro sistema a otimizar e este será o primeiro desafio que se coloca à Engenharia de Climatização, e que passa por identificar as estratégias de climatização passivas que ajudarão a reduzir as necessidades em climatização por recurso a sistemas energéticos. Cumpre, ainda, assessorar a arquitetura à sua implementação.
Essas estratégias dependem do clima e, naturalmente, do tipo de edifício, sendo muitas vezes mais fáceis e adequadas aos edifícios de habitação, mas não deixam de ser aplicáveis/adaptáveis a edifícios de comércio e serviços. Entre outras, passam por incrementar: os ganhos solares, como forma de diminuir as necessidades em aquecimento, ou a ventilação natural, como forma de garantia da qualidade do ar interior (QAI) sem recurso a sistemas mecânicos, devendo estes ser encarados como a alternativa quando as condições climatéricas induzem a desconforto, mas também como forma de minimizar as necessidades de arrefecimento, aproveitando o gradiente térmico entre o exterior e o interior para libertar o edifício de calor acumulado e excedentário. Ainda com o objetivo de diminuir as necessidades em arrefecimento, temos as coberturas e as paredes verdes, que, através da evapotranspiração, permitem que o ar circundante ao edifício, e que serve à ventilação natural, seja mais fresco.
Após a otimização do edifício, surge a necessidade de definir os sistemas que melhor se adequam aos requisitos do edifício, nomeadamente aos seus requisitos de conforto, de ventilação, mas, também, de utilização e zonamento.
No entanto, ao estarmos perante sistemas mecânicos de climatização, por muito reduzidas que sejam as necessidades, há que providenciar energia térmica. Aqui apresenta-se o segundo desafio, na medida em que há que responder à mudança de paradigma energético, adotando soluções que contribuam para a descarbonização dos edifícios e que passam, necessariamente, pela eletrificação, existindo também outras alternativas que devem ser encaradas, tais como a recuperação de calor, o hidrogénio, o arrefecimento evaporativo, a par da utilização de equipamentos que utilizem fluidos frigorigéneos com reduzido índice de GWP (Global Warming Potencial).
No imediato, a bomba de calor passou a ser o equipamento de excelência, ainda que a seleção da tecnologia e da fonte de calor deva ser cuidada. Sabemos que os sistemas de expansão direta têm elevada eficiência e não necessitam de auxiliares de bombagem, mas, em contrapartida, envolvem uma muito maior quantidade de fluido frigorigéneo e estes têm limites de segurança a cumprir – a par disso, há ainda que ter em conta que o que hoje é verdade quanto ao GWP, pode não o ser amanhã (temos exemplos bem recentes desta realidade!). Depois escolher a fonte energética – o ar, a água, a geotermia, sendo que esta última requer algum cuidado em especial no que respeita à saturação ou ao stress térmico do solo. Outra das vantagens da tecnologia bomba de calor é a sua componente de energia renovável que concorre para a meta nZEB.
O recurso a coletores solares térmicos ou a utilização de calor excedentário de processos industriais, sempre que disponível, deve ser explorado, permitindo suprir necessidades de aquecimento e também de arrefecimento por via chillers de absorção. De modo idêntico, se deve explorar o recurso à cogeração ou trigeração, ainda que com recurso a motores alimentados por biocombustíveis.
O arrefecimento evaporativo, tecnologia muito utilizada anteriormente na climatização da indústria têxtil, apresenta como grande vantagem a não utilização de fluidos frigorigéneos, podendo ser utilizado de modo direto ou indireto por intermédio de permuta de calor.
Entretanto, outros sistemas emergentes podem e devem ser explorados, ainda que requeiram maturação para produção em série, como são os casos das células de combustível (promovendo a geração de calor e eletricidade) e, ainda, das caldeiras a hidrogénio. Naturalmente que, depois, se associam todas as tecnologias de variação de potência e de caudal de água e de ar que permitem outro patamar de eficiência.
Minimizadas as necessidades, selecionadas as melhores soluções e tecnologias, o desafio que se segue é a neutralidade carbónica dos sistemas AVAC. Para tal, há que assegurar que a energia requerida é de origem renovável, quer seja térmica como base de apoio tanto ao aquecimento, como à produção de água quente sanitária (AQS), quer seja fotovoltaica para alimentação das bombas de calor, quer seja ainda pelo recurso à queima de biomassa (embora esta levante algumas questões que têm de ser ponderadas, nomeadamente a libertação de partículas que contribuiem fortemente para a má qualidade do ar) em caldeiras ou salamandras ou lareiras, estas com possibilidade de recuperação de calor para água a alimentar radiadores ou pavimentos radiantes, por exemplo. Ou, ainda menos corrente, o recurso a energia eólica ou à geotermia de alta/média entalpia, sempre que disponível.
O quarto desafio identificado é o da avaliação da relação custo-benefício das diversas estratégias identificadas como potenciais soluções a adotar ao edifício, isto porque cada edifício (e cada projeto) é um caso.
As ferramentas de simulação energética dinâmica têm de ser utilizadas de modo generalizado, quer para o dimensionamento, quer para a quantificação do impacto energético de cada medida/opção per si, quer para o conjunto da sua aplicação, contrapondo a poupança energética ao aumento do primeiro investimento – isto sem abordar a análise do ciclo de vida, que é um outro problema muito mais complexo, mas que não deve ser esquecido.
Não restam dúvidas de que os nZEB são um desafio à Engenharia da Climatização, porém, esta pode contribuir de forma assertiva para o seu cumprimento ao:
• identificar estratégias de climatização passiva, reduzindo as necessidades energéticas em climatização;
• adotar soluções/equipamentos eficientes e que concorram para a descarbonização dos edifícios;
• promover a integração de energia de fontes renováveis;
• avaliar o impacto energético e ambiental das hipóteses de solução identificadas.
Tudo isto sem esquecer, naturalmente, a importância de uma correta instalação e do estabelecimento da adequada condução do edifício e dos seus sistemas técnicos, mediante a implementação de sistemas de automação e controlo (SACE), que, posteriormente, serão um auxiliar à correta gestão e manutenção.
No entanto, a meta dos nZEB, na qual se incluem a elevada eficiência energética, a utilização das melhores tecnologias e o recurso a energia de fontes renováveis, só é alcançável com uma abordagem integrada, desde a arquitetura, aos sistemas técnicos, à construção/instalação, à condução, à monitorização, à manutenção. Não pode ser um conjunto de medidas avulso!
Eis, então, que outro desafio se coloca também à engenharia de Climatização: tomando como exemplo a prática de outros países, a introdução do papel de um “Consultor Energético” (não o PQ, pois esse é o garante do cumprimento regulamentar) para uma visão holística do edifício e dos seus sistemas. Este será responsável por definir a estratégia energética para o edifício, devendo estar colocado ao nível do promotor, não só para o “educar”, mas para estabelecer, com este, quão ambiciosa pode ou deve ser a abordagem energética, identificando rácios ótimos de custo-benefício e fazendo a ponte com a equipa de projeto, para que esta esteja alinhada com o objetivo global, e, posteriormente, o comissionamento, acompanhando a construção/instalação e a colocação em funcionamento.
1- Baseado na apresentação ao Workshop (online, 22 abril de 2022) promovido pelo LNEG e inserido no projeto europeu Enhancing Market Readiness For nZEB Implementation.
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.