Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 152 da Edifícios e Energia (Março/Abril 2024).

A Cleanwatts, a câmara municipal da Ribeira Grande e a Kinergy unem esforços para criar a primeira comunidade de energia renovável (CER) nos Açores. Soluções que permitem a partilha de energia, o combate à pobreza energética e a diminuição da factura de electricidade no final do mês para empresas e açorianos. Este é um projecto inovador e inédito na região dos Açores. 

Após algumas implementações e experiências em Portugal Continental, a empresa Cleanwatts vira agora as suas atenções para o arquipélago dos Açores. A Ribeira Grande vai ser a primeira cidade das nove ilhas a ter uma comunidade de energia renovável.  

A parceria entre a Cleanwatts e a câmara municipal da Ribeira Grande, em São Miguel, vai conseguir maximizar a eficiência da comunidade de energia, gerar poupanças adicionais, desbloquear novas formas de gerar receita e posicionar esta comunidade no caminho para o net zero, isto é, reduzir as emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera. A Kinergy, uma empresa açoriana, vai ajudar na implementação.  

A Cleanwatts permite, assim, com a criação de CER, trazer “benefícios económicos, sociais e ambientais tanto para os clientes âncora (produtores de energia), como para os membros das comunidades (consumidores)”. A criação da primeira CER em Portugal teve a sua sede em Miranda do Douro, em Agosto de 2021. Actualmente, a empresa conta com mais de 230 CER espalhadas por todo o mundo, o que envolve mais de 1 500 membros de comunidades. Com isto, já foram evitadas mais de 18 toneladas de emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. 

A empresa portuguesa quer que todos tenham a possibilidade de participar na transição energética, construindo um futuro mais verde e sustentável.  

O QUE VAI ACONTECER NA RIBEIRA GRANDE? 

Alexandre Gaudêncio, presidente da câmara da Ribeira Grande, explica que já foram investidos no município cerca de 500 mil euros em painéis solares fotovoltaicos em edifícios municipais. Este projecto foi concretizado em 2023 e todos os painéis já se encontram em funcionamento. O objectivo deste investimento foi reduzir a factura de autoconsumo desses edifícios públicos, que “foram identificados como aqueles que gastavam mais no município”, logo, houve uma maior urgência em encontrar soluções para esses imóveis. 

As horas de sol diárias entre o continente e uma ilha no meio do Atlântico são diferentes. Alexandre Gaudêncio revela que, normalmente, São Miguel recebe mais de 12 horas diárias de sol a partir dos meses de Março/Abril, tendo “uma exposição solar bastante abrangente” e ideal para trabalhar com estas tecnologias. “De acordo com os cálculos que temos, prevemos uma redução que pode ir desde os 30 % [até] aos 40 % na nossa facturação energética”, acrescenta. É, assim, essencial aproveitar o máximo de energia que é possível retirar do meio ambiente, porque isso não só ajudará a reduzir as despesas das empresas, como também as das famílias açorianas que venham a fazer parte desta CER. 

A comunidade vai ser então criada a partir da capacidade fotovoltaica que já existe e que foi financiada em 85 % pelo programa Açores 2020. Logo, não existirá nenhum investimento adicional por parte do município. “Uma das vantagens é que vamos reaproveitar um investimento que já estava realizado”, refere Alexandre Gaudêncio. Este foi já um passo dado na direcção da transição energética, que agora se torna mais completo. 

Existe já um programa de incentivo à instalação de painéis solares fotovoltaicos na região: o Solenerge. Este permite que as famílias adquiram estes painéis com a garantia de poderem ter até 100 % de financiamento. Alexandre Gaudêncio garante que já são mais de mil as candidaturas a este apoio. “Isto denota uma sensibilidade dos açorianos em [relação a] aderirem a energias mais amigas do ambiente.” 

Numa CER existe uma produção, uma partilha e um consumo colectivo de uma energia limpa, acontecendo entre edifícios públicos e residenciais. Na Ribeira Grande, na sequência do investimento já realizado pela autarquia, os edifícios públicos com painéis solares fotovoltaicos irão partilhar a energia que produzirem em excesso (energia produzida, mas não consumida localmente) com as casas de 30 famílias. Estas famílias têm de estar nas proximidades dos edifícios públicos para poderem fazer parte desta comunidade. Todas as famílias que estiverem num raio de três a quatro quilómetros dos imóveis podem candidatar-se ao projecto, no entanto, será dada prioridade às famílias mais carenciadas, de forma a “aliviar o orçamento familiar, no que diz respeito a uma factura de energia”, explica Alexandre Gaudêncio. Assim, estas darão o primeiro passo no combate à pobreza energética, começando a beneficiar de energia mais verde e obtida de forma sustentável. 

Como a energia é recebida através de painéis solares fotovoltaicos instalados nos edifícios municipais, aos fins-de-semana e feriados toda a energia é remetida para a comunidade. Além disso, as próprias baterias destes painéis permitem o armazenamento de energia para que nada seja desperdiçado.  

AVISTA-SE UM FUTURO AINDA MAIS VERDE NA ILHA  

O presidente da câmara da Ribeira Grande destaca ainda o potencial de, no futuro, existir uma partilha de energia dentro da comunidade de energia que passe de ser apenas entre edifícios públicos para incluir também edifícios residenciais: “à medida que as casas que estão ao lado dos nossos imóveis municipais forem colocando painéis solares fotovoltaicos, podemos congregar esforços e aquilo que for ‘desperdiçado’ pode ser aproveitado na própria comunidade.”  

Além disto, Alexandre Gaudêncio destaca também o objectivo futuro de expandir o investimento realizado para o resto do concelho, incluindo o parque industrial municipal, que agrega as oficinas da autarquia e que poderá também fazer parte da CER, sendo este um espaço “âncora”, que irá permitir a distribuição de energia não utilizada para outros membros da comunidade industrial que se encontrem nas proximidades, à semelhança do projecto realizado com os edifícios municipais. Isto poderá também incentivar a que essas indústrias instalem estas soluções e a que haja uma “repartição do investimento” cada vez maior, assim como do retorno que isto irá trazer a essas empresas. Para o presidente da câmara da Ribeira Grande, a inovação e a implementação de soluções mais sustentáveis tornará também o concelho mais atractivo para sediar novas empresas. 

As tecnologias utilizadas na Ribeira Grande são, então, o mote para aquilo que pode vir também a replicar-se no resto da região. As alterações climáticas são um problema mundial e que deve ser combatido. As ilhas estão ainda mais vulneráveis e Alexandre Gaudêncio diz já notar algumas diferenças no clima e nos seus fenómenos associados. Assim, considera importante passar a mensagem aos açorianos de que este tipo de investimento é a pensar no futuro do concelho e até da própria região.  

A CER irá trazer benefícios para todos, sejam empresas ou edifícios residenciais, tanto em relação ao combate à pobreza energética, diminuindo o valor da factura de energia no final do mês, como em relação ao contributo para a diminuição do desperdício de energia e para a redução das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera.  

Espera-se que entre Abril e Maio deste ano o projecto passe à fase seguinte, já com as 30 famílias seleccionadas e prontas para receberem as vantagens desta comunidade de energia.

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