Partindo da premissa de que os edifícios neutros em carbono são uma necessidade premente, o especialista Guillaume Habert, do departamento de engenharia ambiental e geomática no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, lançou o desafio de se aceitar a mudança na forma de construir, com a consciência de que meias medidas não serão suficientes, no âmbito da sessão “Climate neutral buildings, right here, right now!”, a 14 de Outubro, que integra a conferência internacional CEES 2021. 

“Gostamos de carne vermelha, embora saibamos que não é bom para a saúde, para o ambiente e para o animal. (…) Podemos considerar, por isso, que devemos ser vegetarianos ou reduzir consideravelmente o consumo de carne vermelha, mas, ao pensar nisso, o mundo parece mais aborrecido. Se mantivermos a convicção e procurarmos algo para comer, rapidamente começamos a descobrir um mundo de vegetais, alguns de que nunca ouvimos falar. Penso que o mesmo se aplica à construção”, introduziu o keynote speaker Guillaume Habert. 

A sua posição de que a mudança na forma de construir é necessária e não deve ser deixada para gerações futuras resolverem assenta numa questão, apresentada logo de início: apesar de ter havido um progresso no aquecimento dos edifícios, não houve progresso significativo no modo de construí-los, e isso está patente no desfasamento entre as emissões de carbono incorporadas nos edifícios e os padrões mais recentes nesta matéria.  

“Construímos da mesma forma e produzimos com as mesmas emissões ou potencialmente mais elevadas”, sendo que, no cômputo global, o sector de construção é responsável por cerca de 20 % do impacto nas alterações climáticas, alerta. Colocarmos umas árvores é análogo a comer uma salada a acompanhar o prato de carne – não é suficiente, exemplificou. 

Assim, o responsável, que também lidera um grupo de engenheiros e arquitectos com o objectivo de identificar o impacto das mudanças climáticas no sector da construção e ajudar a desenvolver soluções para os edifícios, defendeu que é fundamental tomar a decisão difícil de aceitar a transição e o compromisso de reduzir as emissões de dióxido de carbono em 50 % nos próximos dez anos e atingir em 2040 emissões próximas do zero. Este processo, que deve ocorrer quer a nível da construção, com maior expressão no hemisfério sul, quer a nível da operacionalização dos edifícios, “não deve ser adiado para ser uma preocupação apenas das gerações futuras”, reiterou. 

Posto isto, são suscitadas questões a dois níveis principais. Em relação a uma potencial mudança para construções de madeira, o orador referiu dois aspectos: mesmo existindo locais com maior abundância de madeira ou menor procura, o material não está disponível em quantidade suficiente para responder a um boom; e o uso de madeira neste contexto consiste na transferência de um stock de carbono na floresta para os edifícios, o que se traduz num impacto negativo quando ocorre em grande escala, e sendo que, para reduzir o carbono na atmosfera, é indispensável manter a floresta. 

Quanto à captura e armazenamento de carbono, coloca-se sobretudo a questão do horizonte temporal necessário para se obter uma capacidade satisfatória – um alvo de 5.635 gigatoneladas para 2050 –, mas também aspectos práticos sobre “onde armazenar o carbono e como implementar isso sem a resistência das populações”, levantando algumas dúvidas relativamente às probabilidades desta aposta. 

Então, o que se pode fazer? Na perspectiva de Guillaume Habert, existem soluções disponíveis neste momento que se tornam acessíveis a partir da altura em que se começam a procurar alternativas, neste caso, à madeira, cujo “consumo tem de diminuir”. No contexto dessas alternativas, o especialista apresentou alguns exemplos de edificações mais sustentáveis, construídas com base em estruturas de betão e com fachadas de fardos de palha pré-fabricadas ou regeneradas com estruturas de aço e materiais como cânhamo, atractivos do ponto de vista económico (de rápido crescimento) e ambiental (menor impacto, devido à redução da força radioactiva de gases com efeito de estufa na atmosfera). 

Em áreas urbanas, a terra é o recurso mais abundante, pelo que há um despertar de interesse no que concerne materiais de escavação, os quais são também reciclados de forma cada vez mais eficiente. “Temos materiais vernaculares bons; contudo, são por norma mais caros e implicam despender mais tempo e qualificar mão-de-obra, além de a regulamentação nesta área ainda ser incipiente”, disse.  

Nesse sentido, o equilíbrio ou o compromisso entre a construção vernacular e a construção convencional, segundo o especialista em geologia, ciências dos materiais e sustentabilidade, passa por haver algum grau de engineering dos materiais naturais para se tornarem mais eficientes (rápidos, leves, fáceis de manobrar e de integrar nas construções actuais) e resilientes. Este processo garante o mesmo custo, a mesma cadeia de fornecimento, as mesmas pessoas e tem como vantagem construir “um edifício neutro que compensa as emissões inerentes à sua construção ao não acatar emissões superiores no ano seguinte a essa construção em relação às emissões que existiam no local antes de o edifício existir”.  

E, se não se conseguem alternativas sustentáveis a todos os materiais, como o vidro para as janelas, no que toca a materiais de construção, isso é possível – a alternativa ao cimento permite diminuir um impacto de carbono de 10 % para 1 %.  

Ademais, a insolação com base em biomateriais, disponíveis em quantidade suficiente (na Europa, seria necessário um extra de 30 % de palha para renovar todo o stock de edificados, o que é possível), em conjunto com a mudança nas fontes energéticas, permite “estabilizar as emissões de carbono e avançar para a neutralidade carbónica, por exemplo, em Lisboa, e mantendo um conforto térmico no Verão”, sublinhou. 

A CEES 2021 – Internacional Conference Construction, Energy, Environment & Sustainability, organizada pelo Itecons – Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico para a Construção, Energia, Ambiente e Sustentabilidade, termina hoje aquela que é a sua primeira edição.