Artigo publicado originalmente na edição de Março/Abril de 2020 da Edifícios e Energia

Há quem diga que o BIM está a revolucionar o sector da construção, mas, na verdade, esta indústria é das mais atrasadas quando falamos em inteligência digital. As vantagens são óbvias e os ganhos na sua utilização chegam aos 20 % na redução dos custos. Interoperabilidade, comunicação e eficiência são as peças chave numa nova forma de trabalhar que teima em não se generalizar.

Numa época dominada pela tecnologia, o impacto da inteligência nos processos e nas operações de qualquer actividade resulta, necessariamente, em mais eficiência, mais qualidade e em custos menores. É esta a fórmula que tem facilitado novas formas de trabalho que conduzem ainda à redução de erros, maior responsabilização, cooperação e comunicação relacional entre as várias áreas. Partilha de informação é aqui o mote. Sucede que a tecnologia não existe sozinha e, sem conhecimento e competência, essa informação é curta. A armadilha da tecnologia também já nos mostrou que a linguagem dos sistemas e os modelos de comunicação têm de ser comuns em todo o processo. Relembrando a bíblica torre de Babel, não há construção que resista quando os seus actores não se entendem, seja no idioma, seja na linguagem. O mesmo se passa hoje nos edifícios, mesmo com todas as capacidades inimagináveis que já temos disponíveis. Só que é com algum desalento que olhamos para a indústria da arquitectura, engenharia e construção (AEC) e percebemos que, neste ponto, esta área é das mais atrasadas.

Podíamos ser muito mais eficientes se já tivéssemos dado o primeiro salto da digitalização. “Na indústria da construção, pode dizer-se que existem diversos desafios a ultrapassar. Esta é uma indústria com níveis de investimento em Investigação & Desenvolvimento (I&D) e inovação muito baixos. É interessante pensar que, num mundo global, em que se discute a indústria 4.0, há quem diga que a indústria da construção não chegou a experienciar a indústria 3.0. No entanto, o salto tem de ser dado, para a indústria 4.0”. António Aguiar Costa, do Instituto Superior Técnico (IST), coordenou um trabalho no âmbito da Plataforma Portugal Indústria i4.0 – BIM e a Digitalização da Construção e Infra-estruturas. Na base deste trabalho está a convicção de que “precisamos dar um salto em toda a cadeia de negócio”. O BIM – Building Information Modeling é definitivamente a alavanca que é preciso desbloquear a bem, também, da eficiência energética e sustentabilidade dos edifícios. Por cá, “temos uma entidade responsável por liderar um processo de normalização, que, até à data, apresentou um documento de apoio à contratação BIM. Ainda não temos definidas estratégias ou documentos de referência para podermos adoptar uniformemente uma norma comum e adaptada ao nosso mercado AEC”, alerta Rui Pacheco, arquitecto, consultor e formador BIM.

Mas, afinal, o que é o BIM? Para além de ser uma metodologia que já existe há muito tempo, a sua pertinência nunca foi tão grande ao ponto de ser exigida para as Obras Públicas em vários países da Europa, como o Reino Unido, a França, ou nos países emergentes. Basicamente, este modelo digital agrega software e promove a partilha de informação e comunicação entre todos os intervenientes da cadeia de construção e durante todo o ciclo de vida do edifício, desde a concepção até à operação e manutenção. Para que esta ferramenta seja completa e acessível, a informação deverá estar introduzida ao pormenor e conter “dados sobre as características geométricas de todos os elementos que compõem um edifício (por exemplo, vigas, pilares, janelas ou tomadas eléctricas) mas também incluir as suas propriedades e atributos, sejam eles físicos, sejam relacionados com o seu custo ou com o tempo necessário para a sua construção”. Para António Aguiar Costa, “o trabalho normativo do CEN/TC442 tem tornado o BIM incontornável. Pode dizer-se que o BIM chegou finalmente para ficar. Alguns estudos referem que há ganhos entre 10 a 20 % nas mais diversas fases do ciclo de vida dos empreendimentos de construção. Contudo, estes ganhos exigem uma indústria integrada, normalizada e devidamente preparada para a transformação digital”.

Quando se fala na construção, ressalta logo a importância deste sector para o crescimento económico do país. Tudo sugere que este será um bom ano para a construção numa altura em que as empresas, paradoxalmente, se debatem com duas dificuldades: muito trabalho, mas falta de mão-de-obra. É nesta conjuntura também de preços altos que a eficiência de recursos pode ser uma activo indispensável na gestão das obras. Tradicionalmente presos a procedimentos e a actividades dispersas, a construção começa finalmente a olhar para estas coisas. A arquitectura tem sido um motor importante e muitas fabricantes de produtos e equipamentos começam a disponibilizar os seus dados/modelos, que podem ser integrados directamente em projectos BIM à semelhança do que já acontecia com o CAD. O investimento nestes plug-ins é transversal a toda a cadeia de construção e está a acrescer. Existem todas as condições para avançarmos, mas, ao que parece, ainda há muito caminho a desbravar.

As vantagens do BIM

O BIM pode ser aplicado a usos específicos ou a aplicações isoladas. No entanto, os maiores ganhos surgem quando é aplicado de forma transversal e integrada a toda a cadeia. Ou seja, se pensarmos num edifício como uma construção Lego, todas as peças deverão encaixar e, para isso, devem, em primeiro lugar, existir com a forma e características definidas para que todas as componentes encaixem entre si. Para o professor auxiliar do IST, “a complexidade de uma indústria digital é consideravelmente maior do que a de uma indústria ‘tradicional’. A maturidade dos diversos intervenientes tem de ser capaz de abordar as várias dimensões da interoperabilidade e as formas de trabalhar têm de se alinhar e integrar no sentido de tornar os fluxos de informação eficientes. O principal objectivo é o desenvolvimento de um modelo digital do projecto e obra, que acabará por gerar o gémeo digital (digital twin) do empreendimento de construção. A visão, para lá da optimização dos processos, é o desenvolvimento de uma realidade digital que potencie novas perspectivas sobre a gestão do ambiente construído”, explica António Aguiar Costa.

A interoperabilidade é a segunda palavra chave. Em rigor, não nos serve de nada ter as ferramentas se, depois, a informação que é colocada não for correcta ou insuficiente. “A interoperabilidade é um desafio significativo e incontornável numa sociedade digital. Esta interoperabilidade pode ser tecnológica (comunicação entre software ou hardware), processual (integração entre os processos de trabalho dos diversos intervenientes), semântica (harmonização da terminologia usada em contexto diversificado) e sintática (relacionado com a conjugação das diversas vertentes anteriores aplicadas a um determinado contexto). Ou seja, é importante perceber que não está apenas em causa uma implementação de software, mas algo mais abrangente, que tem a ver com a transformação digital em sentido lato”, explica o especialista.

A interoperabilidade é, de facto, um grande desafio, defende Rui Pacheco. “A grande maioria das nossas empresas, ao nível de projecto, ainda funcionam de maneira muito tradicional. Os gabinetes de arquitectura fazem arquitectura; os de engenharia, engenharia; as empresas de segurança, segurança; e assim por diante. É fundamental estes processos serem integrados e interligados com a arquitectura a funcionar quase paralelamente com as engenharias, com o dono de obra e com os empreiteiros. Essencialmente, que haja um canal de comunicação mais estreito entre projectistas, um canal mais informado entre projectistas e dono de obra e um canal mais limpo entre projecto e empreiteiros. No fim do processo, um canal directo entre a execução e a manutenção”. Não menos importante é o apoio à decisão que estas plataformas digitais disponibilizam nas suas mais variadas funções. Os intervenientes neste processo são todos fundamentais para que o processo BIM seja coerente e para que haja efectivamente a transferência de informação e criação de know-how entre eles. Assim, é imperativo que haja rigor no cumprimento das funções para que cada um esteja designado. Só assim, poder-se-á manter um workflow estável, fiável e potenciador de criação de informação e de apoio à decisão.

Nesta dimensão da interoperabilidade, as competências ganham importância e a visibilidade vem pôr a descoberto um factor decisivo: a transparência. Mas se a competência ganha visibilidade, o inverso também é verdade, o que nos empurra para uma outra vertente: a promoção da responsabilização em todas as fases da operação. Um problema tipicamente português e com o qual não temos sabido lidar da melhor maneira e, por isso, para António Aguiar Costa, essa é uma vantagem muito importante desta tecnologia. “O BIM torna o trabalho mais transparente e os processos e trocas de informação são mais facilmente mapeadas e rastreadas, pelo que as responsabilidades de todos os envolvidos estão mais bem definidas”.

A transparência é sempre um bom princípio, “mas, para além da responsabilidade, o processo BIM deixa à mostra várias vulnerabilidades ao longo do processo tradicional de concepção-construção. Poderíamos enumerar uma série de imprecisões que normalmente levam a duas situações: maiores custos de obra e derrapagem no tempo de execução”, destaca Rui Pacheco. De facto, em todo o processo, “existem diversos intervenientes, cada um com as suas funções, responsabilidades e processos bem definidos”.

É fundamental estes processos serem integrados e interligados com a arquitectura a funcionar quase paralelamente com as engenharias, com o dono de obra e com os empreiteiros.

Engenheiros e projectistas ainda trabalham muito pouco com o BIM em Portugal e, normalmente, quando o fazem, é por imposição dos donos de obras internacionais que assim o exigem. “O BIM aparece em Portugal, não por iniciativa própria, vulgo impulsionado pelo Governo, mas sim impulsionado pela obrigação de ser utilizado para o cumprimento dos contratos externos nas nossas empresas privadas. As nossas empresas de projecto e construção que garantem a presença e contratos além-fronteiras são, de certa forma, obrigadas a executar os seus trabalhos de acordo com uma metodologia BIM que lhes é exigida”, explica Rui Pacheco.

Não há ainda uma cultura consolidada e ainda há muito para aprender sobre estes modelos. A indústria está muito pouco normalizada, principalmente no que concerne às estruturas de informação e mapeamento de processos, o que dificulta o avanço. Não existem bases sólidas que suportem a interoperabilidade necessária a um ambiente digital, defende António Aguiar Costa. Para este especialista, o grande desafio está na falta de informação organizada em formato digital, por exemplo relativa aos objectos que constituem um modelo BIM. Mas há trabalho feito nos últimos anos pelos privados, nomeadamente na “evangelização” do conceito e processos BIM para a disseminação do conhecimento pela nossa indústria, defende Rui Pacheco. A estes privados, juntou-se o mundo académico, com instituições de peso na área e alguns institutos públicos.

Mercado e sistemas BIM

Numa altura em que estamos a passar do Autocad para o BIM, há uma fase de adaptação que demora tempo. Existem vários softwares para modelação e acompanhamento do processo. De uma forma muito simplificada, se os dividirmos em três áreas, temos:

• REVIT – projecto, arquitectura, engenharia, estruturas,
mecânica, electricidade, etc.;

• NAVISWORKS – gestão, calendarização, custos, etc.;

• CIVIL 3D – Infra-estruturas e modelação.

Obras tipo: Infra-estruturas aeroportuárias, infra-estruturas de contenção e escoamento de águas, expansão da linha do metropolitano, hospitais, escolas, edifícios de escritórios, comércio e logística e todos os projectos de média e grande dimensão.

Foram criadas comissões de trabalho em volta do processo BIM a adoptar no nosso país, lembra o arquitecto. Seja como for, a principal crítica vai para a ausência de qualquer recomendação para a adopção desta metodologia e, em concreto, para a recomendação de normas ou procedimentos a utilizar em Portugal. Mais, as normas britânicas acolhidas pela organização ISO há um ano são inexistentes para os responsáveis portugueses. Há consciência da importância destas ferramentas por todos os intervenientes, mas Rui Pacheco sublinha que o mesmo não se passa com os donos de obra, “que, na esmagadora maioria das vezes, desconhecendo os conceitos, benefícios ou procedimentos, pedem a palavra ‘BIM’, sem qualquer consciência ou propósito”. Existem muito poucos concursos públicos portugueses que já incluam os conceitos BIM. Ao contrário de muitos países europeus, esta prática ainda não é obrigatória no nosso país. Há ainda outras dificuldades, como a falta de consenso quanto aos standards utilizados em todo o mundo. As exigências do mercado internacional “têm levado as nossas empresas a responder com qualquer norma, procedimento ou standard que lhes seja solicitado: standards americanos, britânicos ou outros. Embora já existam movimentos que tentam, de certa forma, convergir os processos e procedimentos locais de cada país, como a Building Smart ou a ISO, ainda é cedo para um consenso mundial”, explica.

Já existe consciência e não há dúvidas quanto às vantagens da utilização destas ferramentas, mas será fácil adquirir e saber trabalhar com estes modelos? Segundo conseguimos apurar, já existem canais para a formação nas matérias BIM. Existem também algumas entidades a proporcionar cursos de sensibilização e aprendizagem para duas vertentes do BIM. Na prática, já existe a formação integral, ou seja, que abrange toda a metodologia BIM, desde a definição dos requisitos do cliente, até à gestão e manutenção do edificado, tendo, pelo meio, uma boa dose de utilização dos diversos softwares necessários ao processo. Existe ainda formação específica para cada uma das áreas do processo, que, neste sentido, têm uma vertente muito forte, na maior parte dos casos ou até totalmente, dirigida apenas ao software. Normalmente estas formações são direccionadas a todos os envolvidos no processo BIM. No entanto, os técnicos que irão intervir no processo são os mais beneficiados, quer ao nível da gestão global do processo – vulgarmente denominados de BIM Managers ou BIM Coordinators –, quer ao nível da gestão das equipas (denominados Team Coordinators, Team Leaders), quer ainda ao nível das equipas de projecto, (como BIM Modelers).