Artigo publicado originalmente na edição de Março/Abril de 2024 da Edifícios e Energia.
As áreas urbanas de energia positiva procuram alcançar a neutralidade carbónica, a autossuficiência energética e a produção de um excedente de energia com recurso a fontes renováveis – uma revolução energética com os edifícios a desempenharem o papel central. Este é o mote e o conceito que servirão de reflexão aos desígnios propostos no presente artigo. Trata-se da passagem ou transição de um modelo de um simples prédio para um de bairros de energia positiva em direção às cidades climaticamente neutras. Questionamos se será apenas utopia ou uma realidade possível no imediato ou mesmo no curto prazo.
O GRANDE DESAFIO
No âmbito da reabilitação ou renovação de edifícios, há muito que pugnamos por intervenções, quaisquer que sejam, realizadas de um modo eficaz e com resultados comprovadamente eficientes. Por isso, estas deverão não só abranger cada uma das frações autónomas dos edifícios, enquanto unidades classificadas tipologicamente como residenciais, de comércio ou serviços, mas também – numa visão holística – todo um prédio e preferencialmente o quarteirão ou mesmo o bairro, podendo desejavelmente alargar-se às cidades no seu todo. Este será o salto a dar e o caminho a percorrer! Difícil? Sim, mas indispensável se quisermos atingir os objetivos anteriormente propostos.
Este é um desafio que não pode ser levado a cabo por indivíduos, mas, sim, por entidades coletivas habilitadas para o efeito. Vejamos o que nos mostra a rede europeia de bairros de energia positiva, os quais, designados PED na sigla inglesa que deriva da expressão Positive Energy Districts, constituem uma das propostas da Comissão Europeia para fazer acontecer a transição energética nas áreas urbanas.
A REDE EUROPEIA DE BAIRROS DE ENERGIA POSITIVA
Tendo por base aquilo a que os fundadores da Rede Europeia de Bairros de Energia Positiva (PED-EU-NET) se propõem, salientam-se, aqui, a motivação e os objetivos desta rede.
Motivação: A PED-EU-NET visa mobilizar investigadores e outras partes interessadas relevantes em diferentes domínios e setores no sentido de impulsionar a implantação de bairros de energia positiva na Europa por meio da partilha de conhecimento, da troca de ideias, da partilha de recursos, da experimentação de novos métodos e da cocriação de novas soluções.
A rede, proposta para o período de 2020-2024, integra 40 países, com mais de 130 parceiros, de que se destacam o Instituto Fraunhofer para Sistemas de Energia Solar, na Alemanha, como coordenador, e o Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P. (LNEG) como vice-coordenador.
“Os bairros de energia positiva são um objetivo ambicioso, mas, dado o rápido desenvolvimento recente das tecnologias energéticas, estão agora ao nosso alcance.”
Objetivos: Esta ação inserida no programa europeu COST (European Cooperation in Science & Technology) irá construir um ecossistema de inovação de bairros de energia positiva que ajudará a encontrar soluções para os vários desafios decorrentes de diferentes domínios. Fá-lo-á reforçando o diálogo entre as partes interessadas relevantes e estimulando a colaboração ao longo de e entre domínios e cadeias de valor específicas do setor. Esta é a chave para cocriar soluções para o planeamento, o financiamento, a implantação, a replicação e a integração de bairros de energia positiva. Irá harmonizar, partilhar e divulgar conhecimentos e experiência sobre bairros de energia positiva em diferentes domínios a nível europeu.
O projeto visa também explorar várias formas de governança envolvendo parcerias público-privadas-pessoas e fornecer uma visão sobre abordagens práticas para governança baseada em evidências para o desenvolvimento de bairros de energia positiva. Isso levará a uma maior partilha de conhecimento dentro e fora das organizações de investigação europeias e incentivará combinações e articulações, bem como a inovação, na academia, na indústria, nas cidades e nas comunidades.
BAIRROS DE ENERGIA POSITIVA, SIM, MAS COMO TORNÁ-LOS REALIDADE?
Atualmente, 70 % das emissões de carbono provêm das cidades. No futuro, as cidades têm de fazer parte da solução e não do problema. Os bairros de energia positiva são um conceito em ascensão para atingir este objetivo. Como ideia básica, um PED é uma área de uma cidade que produz pelo menos tanta energia durante o ano como a que consome. No entanto, uma zona de energia positiva (ZEP) não é uma ilha, mas uma parte flexível e funcional de um sistema energético mais alargado. Este conceito revoluciona a prática convencional de fornecimento unidirecional de energia através de um alimentador ou alimentadores provenientes de uma central ou subestação elétrica para os consumidores de uma cidade. Agora, a cidade é transformada numa manta de retalhos de produtores, consumidores e armazenamentos de energia, todos lado a lado e interligados.
Os PED são um objetivo ambicioso, mas, dado o rápido desenvolvimento recente das tecnologias energéticas, estão agora ao nosso alcance. São necessários três fatores básicos para tornar os PED possíveis. Em primeiro lugar, o desenvolvimento de uma ZEP deve começar por minimizar as necessidades energéticas locais. Não faz sentido construir infraestruturas energéticas dispendiosas e consumidoras de recursos para cobrir o consumo de energia que poderia ser evitado em primeiro lugar.
O potencial de eficiência energética pode ser, sem exagero, considerado enorme. Por exemplo, devido a regulamentos mais rigorosos, no norte da Europa, os novos edifícios típicos consomem atualmente menos de metade da energia para aquecimento de espaços em comparação com os do ano 2000. Esta melhoria tem um custo mínimo ou nulo para os consumidores, uma vez que o investimento adicional, relativamente pequeno, é coberto pela poupança de energia durante o funcionamento. O potencial de melhoria da eficiência energética não está, de modo algum, esgotado, mas apenas os frutos mais pequenos foram colhidos até à data.
Em segundo lugar, o restante consumo de energia num PED deve ser coberto pela produção local de energia renovável. Isto pode significar várias coisas, como a utilização de fluxos de energia residual de equipamentos elétricos e de refrigeração, a produção local de energia solar e vários tipos de bombas de calor. O planeamento de um PED concentra-se nas condições locais, nos recursos disponíveis e nas oportunidades de reutilização dos fluxos de energia residual.
Em terceiro lugar, é necessário um planeamento inteligente (smart planning) e um controlo inteligente (smart control) para que o sistema energético, no seu conjunto, funcione. As cargas devem ser ajustadas de modo a que a energia seja produzida perto do consumo, tanto no espaço como no tempo. Por exemplo, a produção de energia solar é um companheiro natural do arrefecimento ou da refrigeração do espaço, uma vez que o consumo atinge normalmente o seu pico na mesma altura em que há sol abundante.
Do mesmo modo, o controlo inteligente (smart control) pode ser utilizado para coordenar as horas de ponta da produção e do consumo. Os carros elétricos (VE), por exemplo, estão normalmente estacionados durante longos períodos durante a noite e durante o dia de trabalho. Isto permite selecionar as horas ideais para o carregamento com base nas necessidades de equilíbrio da rede. Muitos sistemas e equipamentos em edifícios têm uma margem de manobra semelhante para programar o seu funcionamento sem causar qualquer inconveniente.
“Assegurar que todos os intervenientes necessários, como os projetistas, os construtores, a empresa de energia e os departamentos relevantes da administração pública, trabalham em conjunto de forma eficiente para um objetivo comum é, de facto, uma tarefa que se afigura assustadora.”
Estes princípios descrevem a forma como os bairros de energia positiva do futuro podem ser alcançados e algumas das primeiras áreas ou zonas já estão aqui. Por exemplo, a JPI Urban Europe [1] apresentou, recentemente, uma lista de 28 zonas-piloto em toda a Europa. No entanto, apesar de estes projetos-piloto serem promissores, é evidente que os futuros promotores de espaços verdes enfrentam uma série de desafios.
Assegurar que todos os intervenientes necessários, como os projetistas, os construtores, a empresa de energia e os departamentos relevantes da administração pública, trabalham em conjunto de forma eficiente para um objetivo comum é, de facto, uma tarefa que se afigura assustadora. No entanto, mesmo que o desafio seja grande, também o são as potenciais recompensas da resolução de grande parte dos atuais desafios em matéria de sustentabilidade e clima.
[1] JPI Urban Europe foi criada em 2010 para dar resposta aos desafios urbanos globais da atualidade, com a ambição de desenvolver um centro europeu de investigação e inovação a propósito de questões urbanas e criar soluções europeias através de uma investigação coordenada.
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA? SIM, INDISPENSÁVEL, DEVENDO ESTAR SEMPRE PRESENTE
A construção e a reabilitação de edifícios são intervenções que exigem conhecimentos técnicos seguros e práticas adequadas, não só para os projetos de dimensão relevante, como sejam os grandes edifícios de serviços, mas também para os pequenos edifícios de serviços e ainda para os residenciais.
Ao reabilitar um edifício, os vários intervenientes no processo de construção ou renovação não poderão deixar de avaliar e de melhorar o desempenho energético de edifícios, sejam eles edifícios correntes ou edifícios históricos, e em todos há que respeitar totalmente o seu valor, bem como o seu legado cultural e as suas qualidades estéticas. Estamos na era da eficiência energética, que rima com a era da eficiência económica. A chave da eficiência energética, e paralelamente da eficiência económica, reside no diálogo e na interação entre todos os intervenientes no processo de construção ou renovação.
Devido às diretivas comunitárias e à sua transposição para a legislação nacional, em que são impostas elevadas exigências técnicas, os projetos de construção ou renovação atingem uma elevada complexidade, levando a que a coordenação técnica entre os diversos intervenientes tenha obrigatoriamente de ser assegurada.
“Mesmo que o desafio seja grande, também o são as potenciais recompensas da resolução de grande parte dos atuais desafios em matéria de sustentabilidade e clima.”
Nunca é de mais recordar e insistir que todos os intervenientes, arquitetos, engenheiros, decisores, administrações privadas ou públicas, não poderão ter uma visão estritamente focada na resolução de problemas técnicos e económicos stricto sensu. Deverão ter uma consciência e atitudes mais abrangentes, promovendo a cultura da sustentabilidade nas suas múltiplas vertentes: técnica, económica, social e ambiental.
Os especialistas têm ao seu dispor, cada vez mais, uma vasta gama de tecnologias. No entanto, a complexidade das suas interações obriga quase sempre ao desempenho de tarefas muito complexas, obrigando os especialistas a efetuarem várias abordagens, ponderarem múltiplas soluções e operacionalizarem várias estratégias de modo a poderem atingir os desígnios anteriormente propostos. Tudo isto satisfazendo em cada etapa os respetivos requisitos e navegando numa cadeia lógica de valores que nos façam convergir para a sustentabilidade, proporcionando desenvolvimento que assegure as necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras.
O MAPA EUROPEU. CASOS DE ESTUDO
Sugerimos a consulta do mapa europeu no sítio da URBAN EUROPE, que reporta, entre outras cidades, o caso da cidade portuguesa de Évora, com o projeto designado POCITYF – A POsitive Energy CITY Transformation Framework, em fase de implementação e cujas datas de início e conclusão estão compreendidas entre 2019 e 2024.
Fotografia de destaque: © Shutterstock
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