António Raimundo é professor auxiliar da Universidade de Coimbra (departamento de Engenharia Mecânica) e Perito Qualificado em todas as vertentes. O tema dos NZEB (Net Zero-Energy Buildings) foi central numa conversa sobre as estratégias apontadas e as suas fragilidades. “A metodologia imposta desvaloriza as necessidades de energia para arrefecimento face às necessidades para aquecimento. Com esta estratégia não é garantido que o edifício esteja energeticamente optimizado.”

 

A estratégia de diminuição do consumo de energia através da exigência de que todos os edifícios novos tenham de ser NZEB parece-lhe adequada à nossa realidade?

Não concordo com os requisitos impostos para que um edifício possa ser classificado como NZEB, mas este tipo de edifícios é relevante para a diminuição dos consumos de energia. Nós temos de forçosamente diminuir a energia que consumimos nos edifícios. No entanto, a taxa de renovação de edifícios é tão baixa que vai levar uma eternidade até que esta estratégia produza algo de palpável.

A implementação dos NZEB está a ser feita à força. É uma imposição para os novos edifícios. Aos edifícios existentes, não se pode impor esta exigência. Para estes, os incentivos à melhoria da sua qualidade energética e à implementação de sistemas de energia renovável deviam ser mais robustos e de acesso simplificado. A meu ver, a estratégia de que todos os edifícios novos tenham de ser NZEB não é suficiente para levar a uma diminuição significativa do consumo de energia nos edifícios.

Se carregarmos um edifício com sistemas de energia fotovoltaica, estamos a responder ao principal requisito para atingir um NZEB?

Sim, isso corresponde àquilo que a regulamentação portuguesa exige, mas não à filosofia subjacente aos NZEB. São duas coisas distintas. Um NZEB, pela sua própria definição e pela que lhe é atribuída nas europeias EPBD, é um edifício com necessidades de energia quase nulas. Ora, em termos da legislação portuguesa, este conceito foi “entendido” como um edifício com consumo quase nulo de energia fóssil. Falar de necessidades de energia é uma coisa, de consumo de energia fóssil é outra completamente diferente.

Na optimização energética de um edifício, é necessário ter em consideração que a mesma envolve actuação em três componentes: a parte passiva (paredes, pavimentos, envidraçados, sombreamentos, etc.), os sistemas activos (climatização, iluminação, etc.) e os sistemas de produção de energia a partir de fontes renováveis. Estas três componentes estão interligadas, mas têm impactos distintos, como tal, todas elas devem ser optimizadas. Ora, na regulamentação portuguesa, esta distinção é pouco clara, pelo que é possível optimizar umas componentes em detrimento de outras.

No caso dos edifícios de comércio e de serviços, é dada relevância à eficiência dos sistemas activos e à produção de energia a partir de fontes renováveis – isto em detrimento da componente passiva do edifício. No sector residencial, a sequência dos requisitos a cumprir é mais adequada, mesmo assim, erradamente; a metodologia imposta desvaloriza as necessidades de energia para arrefecimento face às para aquecimento. Com esta estratégia, não é garantido que o edifício esteja energeticamente optimizado. Um edifício dura entre 50 e 100 anos, os equipamentos duram muito menos, por isso, a componente passiva do edifício devia ser optimizada em primeiro lugar, e só depois é que se devia passar à optimização energética dos equipamentos activos e dos sistemas de energia renovável.

No sector residencial isso é garantido, pois existem requisitos em termos de necessidades de energia, quer para aquecimento, quer para arrefecimento, mas, no caso do sector dos grandes edifícios, não existem requisitos em termos de necessidades de energia. Neste caso, obtém-se a categoria NZEB desde que se atinja a classe energética B, que é definida em termos de um rácio de energia primária, a qual está relacionada com o consumo, e isso diz tudo! Não é o caminho certo. Deveríamos optimizar, em primeiro lugar, a componente passiva do edifício; só depois é que deveríamos colocar os melhores sistemas activos, e, em último lugar, é que deveríamos considerar os sistemas de energias renováveis.

A optimização do edifício terá de passar, primeiro, pelos aspectos construtivos?

Sim, de todas as componentes passivas do edifício.

Existem regras para a construção optimizada de edifícios. Sabemos o que temos de fazer…

Sabemos o que fazer, mas isso nem sempre coincide com o que é imposto pela regulamentação. Existe uma boa concordância no caso do sector residencial, onde é exigida a optimização da componente passiva do edifício, mas, nos edifícios de serviços, essa optimização está diluída no todo, através da actuação nas três componentes em simultâneo. Esta estratégia não garante que a parte passiva fica optimizada. Aliás, mesmo nos edifícios residenciais, é menosprezada a componente do arrefecimento. Isto deve-se ao facto de a legislação portuguesa tender a inspirar-se nos regulamentos dos países nórdicos, onde a grande preocupação passa pelos consumos de energia para aquecimento.

Se quisermos inclusivamente pensar no futuro, nomeadamente no aquecimento global resultante das alterações climáticas, o consumo de energia para arrefecimento vai subir muito e vão aparecer ondas de calor mais intensas e com maior frequência. Enquanto os consumos de energia para aquecimento são contínuos, ou seja, temos baixas potências durante muito tempo, as necessidades de energia para arrefecimento têm tendência a ser curtas, mas requerendo potências térmicas muito mais elevadas. Isso pode criar problemas de estabilidade da rede eléctrica e dar origem a grandes consumos de energia.

Os nossos edifícios deveriam ser projectados para o futuro e não para o passado e, por isso, deveriam existir preocupações com as necessidades de energia para arrefecimento, as quais podem ser mitigadas recorrendo a sistemas de sombreamento, a fachadas ventiladas… Os edifícios duram muitos anos e mudar a estrutura de um edifício, passados uns anos [da sua construção], pode ser quase impossível. Se um edifício não tiver, na sua origem, sistemas de sombreamento, será impossível colocá-los depois. Não vejo qualquer exigência nos regulamentos que passe pelos aspectos relacionados com o arrefecimento. A maior preocupação é com o consumo de energia para aquecimento, pelo que os requisitos impostos aos NZEB vão nesse sentido.

Temos dificuldade em olhar para o futuro?

É uma tendência natural considerar que o que funciona no presente irá funcionar exactamente do mesmo modo no futuro. Ora, devido às alterações climáticas, isso não vai acontecer com os edifícios. O clima futuro será inevitavelmente mais quente, o que irá exigir menores necessidades de energia para aquecimento e maiores necessidades de energia para arrefecimento. Adicionalmente, todos os estudos sobre este assunto (incluindo os realizados por mim) indicam que, no caso dos climas temperados e independentemente da tipologia de uso do edifício, o aumento das necessidades de energia para arrefecimento será substancialmente maior do que a diminuição das necessidades de energia para aquecimento. Assim, a necessidade global de energia para climatização irá aumentar, e, devido a isto, também irá aumentar o correspondente consumo.

Os estudos também indicam que, nestes climas, o aumento da resistência térmica das soluções construtivas opacas (por exemplo, através do aumento da espessura de isolamento térmico) leva a uma diminuição das necessidades de energia para aquecimento, mas, por sua vez, leva a um aumento das necessidades de energia para arrefecimento. Como tal, a aplicação de espessuras de isolamento térmico acima de determinados limites pode ser contraproducente. Na minha opinião, a solução passa por aplicar uma espessura de isolamento térmico adequada e equipar os edifícios com sistemas passivos capazes de diminuir os ganhos solares excessivos, através, por exemplo, do recurso a vidros com baixa transmissividade de radiação solar, da aplicação de elementos de sombreamento, fachadas ventiladas, etc.

Estamos mais concentrados nos consumos do que no edifício em si e na mitigação das suas necessidades quando falamos em energia?

Exactamente. A preocupação pelo edifício, em si mesmo, não existe.

Voltando ao início, se carregarmos os edifícios com sistemas de produção de energia eléctrica renovável, está tudo bem – é esse o ponto?

Não exactamente. Penso é que a produção de energia a partir de fontes renováveis é sobrevalorizada em termos dos requisitos para que um edifício atinja a categoria NZEB. Mas, obviamente, a produção de energia a partir de fontes renováveis é sempre uma mais-valia, quer ela esteja associada a um edifício, quer não.

Vamos ter uma nova directiva europeia para os edifícios. Como podemos contornar estes problemas?

A actual directiva EPBD deixa para cada Estado-Membro a definição dos requisitos a cumprir para que um edifício possa ser considerado um NZEB. Imagino que esta questão vá continuar na mesma linha, o que, a meu ver, até é correcto, visto os climas europeus serem muito diferentes uns dos outros. Tem é de haver cuidado na transposição dessa directiva para a regulamentação nacional, nomeadamente na definição dos requisitos para que um edifício seja considerado um NZEB. Não podemos é continuar a seguir a filosofia dos regulamentos dos países nórdicos, nos quais o foco recai sobre as necessidades de energia para aquecimento.

Nos climas temperados, como o português, existem simultaneamente necessidades de energia para aquecimento e para arrefecimento, o que torna a optimização energética dos edifícios mais complexa, situação que será amplificada pelo aquecimento global. Ou seja, precisamos de projectar e de construir edifícios adequados para o nosso clima, tendo também em consideração as suas características futuras.

Essa poderá ter sido a maior fragilidade deste processo?

Eu acho que sim, porque o que é recomendado para um determinado tipo de clima pode não ser o adequado para outro. Carregar no isolamento térmico pode ser uma excelente medida para países onde existe muito frio, mas não é o mais adequado para climas temperados. Reparem que, no caso de climas temperados, estas soluções aumentam as necessidades de energia para arrefecimento mesmo que diminuam as necessidades de energia para aquecimento. A remoção do calor em excesso num edifício muito isolado tem de ser efectuada por meios mecânicos, aos quais está associado um consumo de energia.

Quando falamos em necessidades quase nulas de energia, deveríamos pressupor a não existência de sistemas de climatização, por a componente passiva do edifício garantir condições aceitáveis de conforto térmico. Se há necessidade de instalar sistemas de AVAC é porque o edifício não tem a qualidade térmica desejada. Por sua vez, o consumo de energia para climatização deriva do funcionamento dos sistemas de AVAC.

O princípio NZEB aponta para edifícios com necessidades quase nulas de energia e não para edifícios com consumos quase nulos de energia. E isto faz toda a diferença. A necessidade de base está associada ao edifício em si, à parte passiva. Por sua vez, os sistemas activos são instalados para suprir as necessidades, é claro que fazem todo o sentido. A sua eficiência é muito relevante, pois, quanto maior for, menor será o correspondente consumo de energia. Mas se eu tiver menos necessidades, também vou ter um menor consumo.

“Na minha opinião, a solução passa por aplicar uma espessura de isolamento térmico adequada e equipar os edifícios com sistemas passivos capazes de diminuir os ganhos solares excessivos, através, por exemplo, do recurso a vidros com baixa transmissividade de radiação solar, da aplicação de elementos de sombreamento, fachadas ventiladas, etc.”

E acha que as pessoas têm essa noção e percepção dos conceitos?

Acho que não. Eu já tive alunos de mestrado com os quais gastei muito tempo para que eles percebessem a diferença entre necessidades de energia e consumo de energia. Os próprios softwares comerciais fazem essa confusão. Não é fácil ver onde estão as necessidades e onde está o consumo. Por norma, estes softwares apresentam apenas valores de consumo.

Como podemos ter bons NZEB?

Voltando à filosofia inicial e redireccionando o tema para as necessidades de energia. Os softwares podem ser bem utilizados nesse sentido. Se eu fizer uma simulação e disser que a eficiência dos sistemas activos é igual a “1” (100 %), o consumo que o software indica representa as correspondentes necessidades.

Os projectistas e os técnicos têm essa cultura esse conhecimento?

Não! A nossa cultura está focada no consumo de energia.

Além da qualidade energética da componente passiva dos edifícios, existem certamente outros factores relevantes…

Claro. O tipo de uso, as cargas térmicas internas e o comportamento e as preferências dos ocupantes. Os dois primeiros são geralmente considerados logo na fase de projecto; já o que diz respeito aos ocupantes é muito difícil de prever, recorrendo-se normalmente a perfis de ocupação “standard”. Os edifícios com cargas térmicas internas elevadas têm tendência para o sobreaquecimento, pelo que não devem incluir demasiado isolamento térmico (no caso de climas temperados, claro).

Os edifícios com utilização permanente (residenciais, clínicas, lares, etc.) beneficiam de uma inércia térmica forte. Já os edifícios com utilização intermitente (os de comércio e alguns de serviços) devem ter uma inércia térmica fraca, caso contrário, é necessário um grande consumo de energia para garantir condições de conforto térmico. É que a parcela mais significativa da energia para climatização é gasta no condicionamento térmico da inércia e não do ar.

Ou seja, num edifício com ocupação intermitente, se o mesmo tiver uma inércia térmica fraca, eu necessito de pouca energia para climatizar esse espaço. Por sua vez, se este edifício tiver inércia forte, eu tenho de gastar muito mais energia para atingir as mesmas condições de conforto. De que modo é que isto é tido em consideração pela nossa legislação?

Não é. A regulamentação do SCE assume “por defeito” que, independentemente do tido perfil de utilização, os edifícios com inércia térmica forte são energeticamente mais eficientes do que os com inércia fraca, impondo, para estes últimos, requisitos mínimos mais exigentes. Sobre este aspecto, também não são consideradas as cargas térmicas internas.

Por exemplo, os centros comerciais têm, por norma, elevadas cargas térmicas internas devidas à iluminação. Este tipo de edifícios beneficiaria de não ter isolamento térmico, mas, como existem requisitos mínimos, tem de os cumprir. Sou muito crítico quanto aos requisitos mínimos, porque muitas vezes esses valores mínimos obrigatórios não são os que levam às menores necessidades de energia para climatização.

Quer explicar um pouco melhor?

Repare, se eu tiver um edifício com muito calor gerado internamente e se o analisarmos numa base anual, na maior parte do tempo, não é preciso aquecimento para assegurar condições de conforto térmico. Apesar de existirem períodos em que não é necessário activar a climatização, na maior parte do tempo, o que é requerido é arrefecimento do ambiente interior. Se precisamos de deitar fora o calor em excesso, a maneira mais fácil e barata de o fazer é deixar que ele saia naturalmente através da envolvente (paredes, coberturas, etc.). Ora, se esta estiver muito isolada, o calor não sai.

No caso de um clima frio, esta questão não se põe, mas é frequente nos climas temperados, como o nosso. O ideal seria que, logo na fase de projecto, fosse efectuado um estudo sobre os factores construtivos (nível de isolamento térmico, tipologia de envidraçados, sistemas de sombreamento, etc.) que levam às menores necessidades de energia para garantir condições de conforto térmico e de iluminação, tendo sempre em consideração o clima do local.

Caso a caso para cada edifício?

Teria de ser caso a caso. Não é possível definir uma regra geral. O problema está justamente aí.

Qual seria, para si, o modelo ideal?

Tem muito a ver com a formação técnica dos nossos projectistas. É claro que usar valores previamente definidos é muito mais fácil do que andar a tentar descobrir os factores construtivos que minimizam as necessidades de energia para a climatização do edifício em questão.

O consumo de energia também está directamente relacionado com a ocupação dos espaços e, portanto, os utilizadores são uma componente muito importante a ter em conta. De que modo é que a utilização dos edifícios é tida em consideração na legislação?

Os regulamentos dão pouca relevância a este aspecto. Existem perfis e densidades de utilização sugeridos, os quais são definidos de um modo muito vago e que não todas as tipologias de uso. Penso que este aspecto devia ser melhorado na próxima revisão da legislação nacional. Já o comportamento e as preferências dos ocupantes não são tidos em consideração, sendo aspectos pouco relevantes no caso dos grandes edifícios de comércio e serviços mas que têm algum impacto no caso dos pequenos e são determinantes nos residenciais. Uma habitação utilizada por pessoas diferentes pode ter necessidades e consumos de energia muito diferentes. Eu concordo que a legislação não inclua os comportamentos e as preferências das pessoas na equação, nomeadamente porque o que se pretende avaliar é a qualidade energética do edifício e não os seus utilizadores.

“Para já, os Zero Impact Buildings não passam de um ideal, o qual ainda está muito longe de poder ser atingido.”

Isso é correcto. Mas não será importante promover uma cultura que eliminar envolva as pessoas no processo, de forma a entenderem a importância que têm, e, deste modo, levá-las a terem um comportamento “mais amigo do ambiente”?

Sem dúvida, seria uma educação para a resiliência, e devia ter o seu início logo na escola primária.

Um Perito Qualificado fala com as pessoas e com os utilizadores dos edifícios. Este papel é importantíssimo no esclarecimento destes assuntos e poderia ser mais bem aproveitado em termos de informação. Voltando aos NZEB, têm viabilidade económica?

Um NZEB não é economicamente viável. Não é segundo essa perspectiva através da qual é definido. Os requisitos impostos pelos regulamentos para que um edifício atinja a categoria NZEB levam a baixos consumos de energia não-renovável, mas, por sua vez, exigem um acréscimo de investimento face ao correspondente “edifício economicamente óptimo”.

Aos preços actuais da energia, este “investimento a mais” não é recuperado pelas poupanças energéticas conseguidas durante o correspondente período de vida. No futuro, e com o aumento do preço da energia, até poderá ser. Uma coisa é um NZEB e outra completamente diferente é o correspondente “edifício economicamente óptimo”. Este último tem a ver com o edifício depois de construído, projectado e com os sistemas necessários que, ao longo do seu ciclo de vida, consegue atingir o menor custo de exploração para o seu detentor. Ao investir em eficiência energética, a não ser que o preço da energia dispare, a ponderação tem de ser cuidada. Por exemplo, suponhamos que opto por uma máquina mais eficiente, a qual, face à solução “tradicional”, poupa dois euros/mês em energia, mas exige um investimento adicional de mil euros. Isto significa que são necessários cerca de 500 meses de funcionamento para recuperar o investimento adicional, podendo acontecer que esta máquina tenha um período de vida muito inferior.

Resumindo, a opção por um equipamento mais eficiente pode não ser economicamente viável, mas poderá ter de ser efectuada para que o edifício seja um NZEB. Temos de ter em consideração que os NZEB surgiram como um dos meios de mitigação do aquecimento global através da minimização das necessidades de energia dos edifícios.

Antonio Raimundo

O NZEB está centrado na energia, mas, ainda assim, não de uma forma global…

Exactamente. Os requisitos actuais dos NZEB não têm em consideração a energia consumida para produzir, transportar e instalar os materiais e os equipamentos utilizados na construção dos edifícios, conhecida por “energia embebida/incorporada”. Existem vários estudos (alguns da minha autoria) que levam em consideração a energia global (igual à consumida durante o período de vida mais a embebida), os quais demonstram que existe um ponto óptimo a partir do qual não compensa instalar elementos com melhor eficiência energética, pois levam ao aumento da energia global associada ao edifício.

A título de exemplo, as poupanças energéticas alcançadas com a aplicação de uma espessura de isolamento térmico suplementar, ao longo do período de vida do mesmo, podem ser inferiores à energia embebida nessa camada adicional de isolamento térmico. A meu ver, seria adequado definir um NZEB como o edifício que leva ao menor consumo de energia global durante todo o seu período de vida.

Desse modo, estamos a acrescentar uma questão que não é explorada. Ninguém vai por aí.

Ninguém vai por aí agora; no futuro, poderá ser o caminho a seguir. Para já, esta metodologia ainda não é considerada em termos de regulamentos, mas é já amplamente estudada e debatida e, termos de investigação.

Já existem as métricas do cálculo de energia incorporada. Porque será que não são utilizadas?

Sim, já existem, mas não estão consideradas nas nossas peças legislativas. Não precisamos de inventar nada. Não há é uma uniformidade de valores, pois os mesmos dependem das tecnologias utilizadas para fabricar os materiais e para construir os equipamentos.

Os NZEB estão apenas preocupados com a energia, no entanto, a preocupação actual vai no sentido de se considerarem, para além da energia, a água, o meio ambiente e a saúde num conceito de Edifícios de Impacto Zero (ZIB – Zero Impact Building), incorporando também a qualidade a conservação da água, o aquecimento global, a camada de ozono, o efeito das ilhas de calor, a síndrome dos edifícios doentes, entre outros vectores. Estamos muito longe deste desafio?

Já existem propostas de sistemas de certificação que incluem metodologias para avaliação de grande parte dos impactos anteriores, mas que ainda estão muito longe de poderem ser incorporadas na legislação. Para já, os ZIB não passam de um ideal, o qual ainda está muito longe de poder ser atingido. Neste momento, as metodologias existentes de quantificação da maioria dos impactos anteriores ainda não estão suficientemente testadas e validadas. Grande parte dos nossos projectistas também não está munida com os conhecimentos requeridos para uma análise tão ampla. Temos de evoluir passo-a-passo e, assim, um dia lá chegaremos.

Já falámos no foco no consumo.

Se eu tiver baixas necessidades de energia, vou ter consumos baixos e, por isso, é muito mais importante que o foco esteja nas necessidades, as quais dependem essencialmente da qualidade da componente passiva dos edifícios.

E quanto à electrificação, como vê este processo que já é transversal a tudo?

Eu concordo com a electrificação, visto que é o tipo de energia que é mais viável produzir a partir de fontes renováveis, permitindo, assim, evitar o recurso às energias fósseis.

“Neste momento, um NZEB é substancialmente mais oneroso do que um ‘edifício economicamente óptimo’. No futuro, tudo depende da evolução do preço de compra da energia.”

Temos o solar térmico, a biomassa, a geotermia…

O solar térmico é uma tecnologia perfeitamente estabilizada e com rentabilidade económica, nomeadamente quando utilizado para a preparação de águas quentes sanitárias e para o aquecimento de piscinas. Tem, como contrariedades, os elevados custos com a sua manutenção, a sua menor eficácia quando existem distâncias significativas entre o local dos colectores e o de consumo, e a sua maior produção nos períodos em que as necessidades de calor são menores (no Verão).

A minha experiência com a biomassa deve-se a eu ter nascido numa aldeia a quase 700 metros de altitude, com Invernos muito frios. As pessoas aqueciam as casas com recurso a lareiras, logo, a biomassa. Nesses períodos, o ar ficava quase irrespirável, devido à libertação do fumo, ao qual estavam associados elevados teores de monóxido de carbono e de partículas. Se, num centro urbano, com alguma densidade populacional, os edifícios passassem a ser maioritariamente aquecidos a biomassa, por exemplo, recorrendo a caldeiras a pellets, o ar nesse local ficaria altamente poluído, mesmo tendo em consideração a diferença substancial entre as caldeiras actuais e as lareiras tradicionais. A meu ver, o aquecimento a biomassa só é opção em centros urbanos com muito baixa densidade populacional.

A geotermia é muito importante nos países nórdicos, isto porque, devido às baixas temperaturas do ar exterior, as bombas de calor ar/ar não são eficazes. A geotermia é uma solução cara, porque, para ser eficaz, temos de colocar um dos permutadores a, pelo menos, 20 metros de profundidade. Se eu enterrar um permutador de uma bomba de calor geotérmica a um metro de profundidade não adianta nada.

As bombas de calor dispararam as vendas.

Dispararam nos países do Sul da Europa. É que, quando se atinge um delta T (diferença de temperatura entre o interior e o exterior) de mais de 20 ºC, a eficiência das mesmas é muito baixa. Nestes casos, é preferível aquecer o ambiente recorrendo a uma resistência eléctrica. É esta a justificação para os países nórdicos terem uma dependência avassaladora do gás natural. Já o modo como na legislação portuguesa estão actualmente “desenhados” os requisitos dos NZEB, que assentam muito nos equipamentos de AVAC, é óptimo para o mercado destes equipamentos.

As bombas de calor com condensador a ar. As bombas de calor utilizadas nos países frios são bombas de calor água/ar ou água/água, recorrendo a água dos rios, dos lagos, etc.

Sim, se existir disponível, o que nem sempre acontece. E, por isso, a geotermia aí é muito importante.

O problema das bombas de calor ar/ar é o facto de implicarem algum impacto na instalação em edifícios no meio das cidades ou em zonas protegidas e o facto de quando as encaixamos nos “sítios possíveis”, perderem eficiência devido à redução dos caudais de ar que atravessam os seus permutadores exteriores.

Muitas vezes, até o fazemos por razões estéticas. Nos novos edifícios, já há locais específicos para colocar as unidades exteriores, mas nos existentes é muito difícil.

Em relação ao mercado, estão a acontecer muitas mudanças com a electrificação, o fim anunciado das caldeiras de condensação, e muitos outros aspectos como os níveis de ventilação que se começam a aumentar. Como vê estes próximos anos?

Está a acontecer em todo o lado. A preocupação com os caudais de ar novo dos edifícios não é uma coisa nova, a qual foi reforçada pela Covid-19. Sabemos que maiores caudais de ar novo levam a maiores necessidades de energia para climatização. Mas, sobre isto, não há volta a dar. A saúde e o bem-estar requerem uma renovação adequada do ar dos edifícios.

Vamos ter edifícios melhores ou só edifícios mais consumidores e, por isso, com maiores custos para os seus proprietários?

Se tiverem mais ventilação, serão edifícios mais saudáveis, mas isso tem os seus custos. Não vale a pena passar uma mensagem diferente. Neste momento, um NZEB é substancialmente mais oneroso do que um “edifício economicamente óptimo”. No futuro, tudo depende da evolução do preço de compra da energia. Uma taxa de inflação da energia elevada vai levar a uma aproximação entre estes dois tipos de edifícios, podendo até tornar os NZEB economicamente viáveis.

Uma outra tendência actual é o facto de não existirem entradas de ar novo nas fachadas.

A regulamentação nacional sempre promoveu a ventilação mecânica face à natural. No mesmo sentido, também sempre considerou benéfico o recurso a envidraçados estanques. Trata-se de uma inspiração nos regulamentos dos países nórdicos, onde isto faz todo o sentido, pois o ar exterior pode ser encontrado a temperaturas muito negativas.

Em climas temperados, como o português, em que muito raramente o ar exterior está a temperaturas negativas, a vantagem da ventilação mecânica em edifícios residenciais e nos pequenos edifícios de comércio e serviços é altamente duvidosa. No caso dos grandes edifícios de comércio e serviços, é adequado optar pela ventilação mecânica.

 

*Entrevista por: Rita Ascenso e Ernesto Peixeiro Ramos