Demand response e flexibilidade de rede são dois temas que têm ficado de fora dos contratos de desempenho energético. Mas, com a chegada das redes e edifícios inteligentes, está na altura de inovar estes modelos de negócio e levá-los para a geração 4.0. Esta é a proposta do AmBIENce, um projecto europeu que conta com a participação portuguesa da EDP e do INESC TEC.
Até aqui, os contratos de desempenho energético (EPC, na sigla em inglês), promovidos pelas empresas de serviços de energia (ESE), focavam-se essencialmente na implementação de medidas passivas e de produção de energia renovável nos edifícios, num modelo que, pela sua complexidade, tem sido difícil de aplicar. No entanto, à medida que novas tecnologias digitais, capazes de optimizar a procura e a oferta, chegam ao sector energético, o leque de possibilidades disponível alarga-se a outro tipo de medidas que vão permitir aumentar a flexibilidade do edifício. É com isto em mente que surgiu o AmBIENce – Active Managed Buildings with Energy Performance Contracting, um projecto europeu, financiado pelo Horizonte 2020, que junta sete parceiros de quatro países – Bélgica, Itália, Espanha e Portugal. A representação nacional está a cargo da EDP CNET (Centre For New Energy Technologies) e do INESC TEC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência), sendo que é na cidade do Porto que se encontra um dos dois pilotos da iniciativa: os edifícios de escritórios da EDP. O outro campo de testes fica na Bélgica e visa três edifícios da Hasselt University.
No formato tradicional de um contrato de desempenho energético, a ESE fornece serviços de energia ou implementa medidas de melhoria de eficiência energética numa infra-estrutura (edifícios e envolvente) do cliente e aceita algum risco ao fazê-lo, tendo, a seu cargo, uma parte do investimento e a sendo a sua remuneração feita com base nos ganhos de eficiência dessas medidas. Na proposta do AmBIENce, o modelo mantém-se, mas as soluções a aplicar passam a incluir o “software” do edifício, de forma a permitir a gestão activa do consumo de energia, nomeadamente para efeitos de climatização, torná-lo mais inteligente, o que permitirá responder à necessidade de flexibilidade do sistema energético, e dotá-lo de ferramentas digitais, como sensores, que irão não só permitir medições mais precisas, mas também melhorar o conforto, a segurança e o bem-estar dos ocupantes.
“Queremos encontrar um mix óptimo de soluções passivas e activas para cada edifício”, refere João Maciel, administrador da EDP e um dos responsáveis pelo projecto em Portugal. Por soluções activas, o especialista quer dizer “controlo, monitorização, sistemas de gestão de energia, sensorização, etc.”, e, uma vez que, actualmente, “a maior parte dos edifícios [não residenciais] já tem uma plataforma na qual é debitada informação”, a equipa do AmBIENce pretende, acima de tudo, “trabalhar e alavancar o que já existe”.
Para pôr tudo isto em prática, está prevista a criação de uma plataforma na qual “se vai desenhar este tipo de serviços, identificando o mix óptimo de soluções para os proprietários e investidores. É uma espécie de digital twin do edifício, um total integrado, onde podemos simular antes de investir e tomar medidas”.
A par da melhoria da eficiência energética dos edifícios, o projecto vai permitir medir e quantificar essas poupanças, o que tornará a intervenção menos arriscada – logo, mais atractiva – para os investidores. Tal é visível em dois pontos, explica João Maciel: “ao termos uma ferramenta de simulação que permite testar um conjunto de coisas e escolher as mais compensadoras, vai ser possível retirar risco ao investimento, e, para além disso, enquanto antigamente olhávamos apenas para as medidas passivas, que eram muito capex intensivas, agora, podemos olhar para medidas que actuam mais ao nível do controlo, da gestão da flexibilidade, das cargas, e que são menos capex intensivas”. Isto é, exigem menos investimento.
Feito este trabalho, o projecto vai desenvolver modelos de EPC para várias tipologias de edifícios – residenciais, hospitalares, de escritórios, etc – e pode mesmo incluir o sector público. Qual o público-alvo que poderá beneficiar mais destes modelos inovadores é ainda uma questão a responder ao longo do projecto, porém, “este não é um negócio casa-a-casa” e exige uma lógica de agregação, aplicável a comunidades. Nesta medida, explica Maciel, será possível aproveitar o enquadramento regulatório existente para as comunidades de energia e “criar ferramentas e oferta para esse tipo de público”. Para a EDP, enquanto comercializadora de energia e tendo já experiência no modelo EPC, “há interesse em desenvolver as ferramentas, perceber efectivamente qual a flexibilidade que pode ser actuada, qual o mix certo entre medidas activas e passivas”, o que, refere o responsável, “vai, obviamente, dar inputs para desenvolver as melhores ofertas para os clientes”.
Em cima da mesa, está também a ideia de desenvolver uma compensação pela flexibilidade. Seguindo uma estratégia de gamificação, pretende-se incentivar os proprietários e gestores dos edifícios a “ajudar o sistema energético a viver melhor em horas de ponta, em casos de constrangimento na rede ou actuar em momentos de pico, por exemplo, quando a energia é mais cara”. Mas tudo isto, sublinha João Maciel, será feito apenas em modo piloto, já que, em termos regulatórios, não é possível acontecer. “Temos aqui uma regulatory sandbox, uma caixinha onde podemos brincar durante a fase piloto com todos estes conceitos”, graceja.
O foco do AmBIENce está na energia, mas há outras fronteiras que podem ser exploradas, como, por exemplo, na área da saúde, bem-estar, produtividade ou segurança. “Uma das ideias que temos é, ao monitorizar o consumo eléctrico, perceber como isso reflecte o comportamento das pessoas, o que pode dar inputs importantes para a componente do assisted living, principalmente para pessoas de mais idade”, esclarece o gestor.
Com um orçamento de perto de dois milhões de euros e a duração de dois anos e meio, a implementação do projecto nos pilotos vai arrancar neste Verão. Em Setembro de 2021, estarão já disponíveis dados relativos a um ano de monitorização e as conclusões dos objectos de estudo. No que se refere à plataforma, João Maciel está confiante de que, também por essa altura, haverá um “protótipo funcional”, havendo, dentro da equipa do AmBIENce um work package que está já a olhar para a industrialização deste produto.
Enquanto isso, o AmBIENce foi já reconhecido pela União Europeia como um projecto flagship, o que o torna uma referência em áreas estratégicas de desenvolvimento. Nesse seguimento, os responsáveis pelo projecto tiveram a oportunidade de apresentar a iniciativa durante o Covenant of Mayors Invesment Forum, que teve lugar a 18 de Fevereiro em Bruxelas. Coordenado pelo belga VITO/Energyville e para além dos parceiros portugueses, o consórcio do projecto conta com a Energinvest (Bélgica), a ENEA (Itália), o Tekniker, o CEIT (Espanha) e ainda o BPIE – Buildings Performance Institute Europe.