Artigo publicado originalmente na edição de Janeiro/Fevereiro de 2024 da Edifícios e Energia.
Um corredor verde local, coberturas e fachadas verdes em edifícios e um protótipo de arrefecimento passivo do espaço público através da geotermia são algumas das respostas de Almada para enfrentar os riscos das ondas de calor. Juntas, fazem parte do COOLIFE ALMADA, um dos sete projectos portugueses financiados pelo programa LIFE.
Num cenário em que os fenómenos climáticos extremos são cada vez mais recorrentes, Almada prepara-se para enfrentar uma das principais ameaças para as cidades: as ondas de calor urbanas. Para isso, o município desenvolveu o COOLIFE ALMADA, um projecto de demonstração de boas práticas de adaptação climática a eventos de calor extremo, que poderá arrefecer o ar em até 3 °C. Depois de vários estudos da autarquia terem identificado as principais ilhas de calor da cidade, a iniciativa surgiu como resposta, numa procura por um conjunto de possíveis soluções de adaptação, entretanto financiadas pelo programa europeu LIFE para o ambiente e a acção climática.
O projecto abrange, sobretudo, quatro praças principais onde a vegetação é escassa e, de acordo com a presidente da Câmara Municipal de Almada, Inês de Medeiros, “propõe-se a contribuir com soluções de ensombramento e muito especialmente de redução de áreas pavimentadas em favor de novas tipologias de estrutura verde, desde logo muito arvoredo, mas também coberturas e paredes verdes em dois edifícios municipais, respondendo de uma forma consistente à necessidade de baixar a temperatura”. A autarca sublinha que as intervenções acontecem no centro da cidade, “um espaço privilegiado onde decorrem os grandes eventos e onde a comunidade se encontra”, por isso, procura-se “encontrar respostas para baixar a temperatura com bom custo-benefício, capazes de contribuírem para uma maior resiliência dos mais frágeis e de manterem a sua centralidade e a sua função urbanística de ponto de encontro”
“Trata-se de uma conquista muito importante para Almada: o reconhecimento internacional de uma estratégia para o centro da cidade, assente numa ideia de proteger as pessoas contra os efeitos das alterações climáticas em áreas muito construídas, neste caso respondendo ao problema crescente das ondas de calor.” Inês de Medeiros, presidente da Câmara Municipal de Almada
Uma das ideias principais passa por melhorar a ligação entre duas áreas verdes de Almada, o Parque Municipal da Juventude e o Parque Urbano Comandante Júlio Ferraz, através de um corredor verde local, onde arvoredo e pequenas zonas verdes criam em conjunto um contínuo biológico durante a sua extensão (cerca de 0,5 km). Este corredor incorpora várias intervenções “relevantes e inovadoras”, diz o director do departamento de Intervenção Ambiental, Clima e Sustentabilidade da câmara municipal de Almada, Duarte d’Araújo Mata. Entre elas estão, por exemplo, “a despavimentação de uma parte significativa de áreas de circulação pedonal e a sua substituição por espaços verdes, o adensamento da arborização em áreas que o permitam, o uso de soluções de maior reflectância em áreas de circulação rodoviária, e o uso de ensombramento com telas em áreas nas quais o mesmo não possa ser atingido com infraestrutura verde”.
Simultaneamente, está prevista a criação de coberturas e fachadas verdes em dois edifícios municipais do centro da cidade, a Oficina da Cultura e o Fórum Romeu Correia. Destes, o primeiro espaço apresenta-se como prioritário, devido à necessidade de impermeabilizar a cobertura, que sofria de infiltrações. O objectivo final é dar origem ao “que se assemelha a um pequeno jardim, que proporcionará aos utentes da Associação de Reformados adjacente uma melhor estada, mas também, a qualquer visitante, a oferta de uma vista desafogada sobre as Praças da Liberdade e S. João Batista e sobre a baía do Tejo, que dali se oferece como um elemento cénico particularmente aprazível”, refere o responsável da autarquia.
TESTAR PARA REPLICAR O COOLIFE ALMADA: deverá ser desenvolvido em articulação com a Área Metropolitana de Lisboa de modo a possibilitar a replicação das soluções testadas pelo projecto. Isso irá acontecer assim que as várias soluções estiverem implementadas e houver resultados da sua monitorização, como é prática em todos os projectos financiados pelo programa LIFE.
REFRESCAR, PROTEGER, INFORMAR: DO POTENCIAL DA GEOTERMIA AOS REFÚGIOS CLIMÁTICOS
De todas as soluções estudadas no projecto COOLIFE ALMADA, a mais disruptiva é o desenho de um protótipo de arrefecimento passivo do espaço público através da geotermia (Passive Open-Air Geothermal Open-Air Passive Cooling), assente no conceito dos poços provençais, já utilizados para esse fim, mas destinado a arrefecimento de interiores. O mesmo “baseia-se num conceito muito utilizado para a climatização passiva de edifícios e recorre às diferenças de temperatura sempre existentes entre o subsolo e a superfície para proporcionar passivamente fluxos de ar que amenizem a temperatura do ar”, explica Duarte d’Araújo Mata. “A solução em causa é utilizada tanto para arrefecer o ar do edifício – com ar mais fresco vindo do subsolo no Verão – como para aquecê-lo – com ar mais quente no Inverno”, acrescenta. Neste caso pretende-se avaliar a hipótese de utilizar uma solução de geotermia passiva para gerar fluxos de ar mais fresco em áreas específicas do espaço público, ao ar livre. De qualquer forma, a autarquia está consciente de que as diferenças térmicas nunca serão muito grandes (tendo em conta o volume de ar disponível), daí procurar conciliar esta ideia com outras intervenções, como o ensombramento ou a despavimentação, mas também a instalação de vaporizadores e bebedouros de água.
Complementarmente, está ainda previsto o apoio a estabelecimentos do pequeno comércio local desta área, no sentido de se instalarem toldos e equipamentos de ar condicionado que ajudem a refrescar o ambiente. Já alguns edifícios públicos poderão ser utilizados como refúgios climáticos, a exemplo do que acontece em cidades como Barcelona, de modo a poderem abrigar as populações mais vulneráveis por ocasião das ondas de calor. Como tal, “as intervenções do projecto passam, sobretudo, por identificar quais os melhores refúgios existentes na área de intervenção e disponibilizar informação sobre as condições e soluções que os mesmos oferecem”. Esta acção acaba por ter relação directa com outra enumerada no COOLIFE ALMADA, o desenvolvimento de uma app que forneça informação útil em tempo real, por exemplo, sobre alertas de calor extremo, mas também recomendações à população sobre o que fazer e a onde recorrer nestes casos.
Além das intervenções na “infraestrutura cinzenta” da área de intervenção, Duarte d’Araújo Mata revela que também serão melhoradas algumas áreas verdes pré-existentes, de modo a complementar a adaptação climática da cidade. Por exemplo, em algumas áreas de relvado “irá procurar-se densificar a presença de espécies arbustivas, menos consumidoras de água. Da mesma forma, e replicando o que já está a ser feito noutros espaços verdes do concelho, serão promovidas áreas de microfloresta diversificada, algumas das quais serão na realidade as primeiras intervenções físicas do projecto”, conta.
OS SETE ELEITOS: Além do COOLIFE ALMADA, o programa LIFE para o ambiente e a acção climática seleccionou mais seis projectos portugueses (que assim terão apoio financeiro da União Europeia), distribuídos por quatro categorias. Na mesma área da iniciativa de Almada – “Adaptação às alterações climáticas” – foi escolhido o projecto LIFE ResLand, que pretende introduzir práticas sustentáveis no Parque Natural de Sintra-Cascais, promovendo uma paisagem resiliente e sustentável. Na categoria “Transição energética limpa” foram escolhidos três. O HORIS vai desenvolver um balcão único (one-stop -shop) digital de serviços integrados de renovação de casas. Já a iniciativa RAISE-PT quer promover o debate sobre como melhorar a política de acção e investimento em energia sustentável, enquanto a WENexus se propõe a financiar investigação que ajude a aumentar a inovação energética nas infraestruturas das concessionárias de água. Por sua vez, o projecto SeagrassRIAwild, na categoria “Natureza e biodiversidade”, tem por missão cultivar e conservar a zostera marina (uma das três espécies de ervas marinhas sob ameaça em Portugal) na Ria de Aveiro, enquanto o LIFE Fitting, na categoria “Ambiente e eficiência na utilização dos recursos”, tem como foco o tratamento das águas residuais.
PRÓXIMAS ETAPAS
Com um orçamento de quase três milhões de euros (e financiamento aprovado pelo programa LIFE), o projecto apresenta um horizonte temporal de cinco anos, por isso ainda tem vários passos a dar até à sua concretização, a começar por uma fase de preparação e de consulta junto de diversas entidades e mesmo da sociedade civil. “Esse trabalho de bastidores irá, obviamente, produzir resultados, mas muito provavelmente só serão reconhecidos dentro de dois anos quando as maiores intervenções no terreno começarem”, avança o director do departamento de Intervenção Ambiental, Clima e Sustentabilidade. Ainda assim, o arquitecto garante que há alguns pequenos elementos que terão já execução física ao longo do seu primeiro ano, nomeadamente a instalação de uma primeira microfloresta no Parque Urbano Comandante Júlio Ferraz. O mesmo poderá acontecer com a nova área verde da Oficina da Cultura e, eventualmente, com a cobertura verde do Fórum Romeu Correia, “que contribuirá significativamente para a eficiência energética do edifício, complementando os investimentos que já nele foram feitos ao nível do uso de energias renováveis”. Sendo assim, e “considerando os prazos associados à contratação pública de obras, não esperamos que haja intervenções significativas no espaço público antes de 2025”, admite a autarquia.
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