Uma média anual de 20 milhões de habitações renovadas energeticamente e a introdução de requisitos obrigatórios que preparem os edifícios para terem um balanço nulo de emissões são algumas das mudanças que terão de acontecer, até 2030, no sector dos edifícios de forma a assegurar o cumprimento das metas climáticas em 2050. As orientações constam da publicação Net Zero by 2050, um roteiro da Agência Internacional de Energia (AIE) para alcançar um sistema energético com balanço nulo de emissões em meados do século e que aponta a eficiência energética e a electrificação como os principais factores para a descarbonização dos edifícios.
O roteiro, publicado a 18 de Maio, é o primeiro do género a apresentar uma análise alargada sobre como alcançar o objectivo, apresentando um cenário Net Zero Emissions (NZE) sem comprometer o fornecimento “estável, acessível e universal” de energia, assim como um crescimento económico “robusto” – um caminho que, “embora estreito”, é “ainda possível”, garante a AIE.
Entre as prioridades de intervenção está o sector dos edifícios, que deverá registar um crescimento exponencial nas próximas décadas. Entre 2020 e 2050, a área construída globalmente deverá aumentar 75 %, mas, ainda assim, segundo a AIE, é possível fazer com que estes números não representem um aumento das emissões, antes pelo contrário: o sector deverá ver reduzidas as suas emissões directas em mais de 95 %, de 3Gt em 2020 para 120Mt em 2050.
O que significa, então, um cenário NZE para os edifícios? Segundo o roteiro da AIE, o objectivo é que, em 2050, mais de 85 % do parque edificado seja zero-carbon-ready, o que vai exigir uma “mudança radical” nas melhorias de eficiência energética e flexibilidade dos edifícios, assim como um abandono quase total dos combustíveis fósseis no sector.
No cenário da AIE para 2050, os combustíveis fósseis vão ser apenas responsáveis por 2 % da procura energética dos edifícios. A electricidade vai representar 66 % do mix energético, passando a assegurar mais de 40 % das necessidades de aquecimento, águas quentes e preparação de alimentos. O recurso a redes urbanas de distribuição de calor e gases de baixo carbono, incluindo combustíveis com base em hidrogénio, será determinante em áreas de maior densidade populacional, enquanto, por sua vez, a bioenergia terá mais expressão nas economias emergentes.
Eficiência energética e electricidade
Nas próximas décadas, estima-se que a eficiência energética e a electrificação sejam os dois principais impulsionadores da descarbonização dos edifícios, podendo vir a representar cerca de 70 % da redução de emissões do sector. A estes, somar-se-ão também os contributos das tecnologias digitais e da mudança de comportamentos. Segundo o roteiro, a implementação de soluções de eficiência energética já disponíveis actualmente e as mudanças comportamentais, como o ajustamento dos set points dos equipamentos de climatização, poderão reduzir as necessidades de aquecimento em dois terços até 2050.

Outra mudança crucial para concretizar o cenário NZE prende-se com alterações nos regulamentos dos edifícios, que deverão ser feitas o mais rapidamente possível, alerta o roteiro. Assim, até 2030, todas as regiões do globo deverão introduzir requisitos que obriguem a que os novos edifícios tenham um balanço neutro de emissões (ou estejam preparados para isso) e também que o parque edificado existente seja reabilitado nesse sentido até 2050. Nos cálculos da AIE, isto significa, em média, a renovação energética anual de 20 milhões de habitações até 2030.
A tendência crescente da electrificação vai reflectir-se sobretudo na escolha das tecnologias para aquecimento e arrefecimento. Neste cenário, as bombas de calor de elevado desempenho deverão assumir-se como a escolha preferencial, assegurando mais de metade das necessidades. Isto significará a instalação de cinco milhões de bombas de calor por mês em todo o mundo em 2030 e dez milhões/mês em 2050 (face às 1,5 milhões registadas hoje). Outras tecnologias, como a bioenergia, solar térmico, redes de calor, gases de baixo carbono ou células de combustível de hidrogénio, dividirão entre si a resposta às restantes necessidades. A energia solar térmica continuará a ser a escolha para o aquecimento de águas (35 % em 2050, comparativamente aos 7 % actuais), em particular em locais onde as necessidades de aquecimento são reduzidas.
Até 2050 é também expectável que as necessidades de arrefecimento aumentem a nível global – neste momento, representam apenas 5 % do uso de energia nos edifícios. Num cenário NZE em 2050, 60 % dos edifícios vão dispor de equipamentos de ar condicionado (35 % em 2020), sendo que, graças a um melhor desempenho térmico das envolventes, as necessidades de arrefecimento ambiente serão, entretanto, reduzidas entre 30-50 %. A AIE estima que, em 2050, o consumo anual de electricidade para este fim chegue aos 2500 TWh – sem medidas de eficiência energética, as previsões apontam para o dobro.
Agir agora
“O nosso roadmap mostra que acções prioritárias são necessárias hoje para garantir que a oportunidade de ter um balanço nulo de emissões em 2050 não está perdida – um caminho estreito, mas, ainda assim, possível. A escala e ritmo dos esforços necessários para atingir esta meta crucial e formidável, que é a nossa melhor hipótese para lidar com as alterações climáticas e limitar o aquecimento global a 1,5 ºC, fazem com que este seja, talvez, o maior desafio que a humanidade já enfrentou”, disse Fatih Birol, director executivo da AIE.
Para cumprir os objectivos no que toca a nova construção e renovações, a acção deve ser imediata e começar pelos edifícios públicos – “exige[-se] que os governos ajam antes de 2025 para garantir que regulamentos para os edifícios zero-carbon-ready sejam implementados, no máximo, em 2030”. Cabe também as autoridades a missão de ultrapassar as barreiras financeiras à aquisição ou renovação deste tipo de edifícios, tornando-os acessíveis e atractivos para os proprietários e inquilinos. “Certificados energéticos, contratos de lease verdes, financiamento de green bonds e modelos pay-as-you-save podem contribuir para a solução”, escreve a AIE.
A AIE recomenda também que as decisões tomadas contemplem toda a cadeia de valor, “tendo em conta não só os edifícios, mas também as redes e infraestruturas de energia que os abastecem, assim como considerações mais abrangentes que incluam o papel do sector da construção e do planeamento urbano”.
“A natureza sistémica do NZE significa que as estratégias e políticas para os edifícios vão funcionar melhor se estiverem alinhadas com aquelas adoptadas para os sistemas eléctricos, o planeamento urbano e a mobilidade”, refere o documento. Desta forma, o futuro traçado pela agência internacional prevê uma ligação entre os edifícios, a produção descentralizada de energia, soluções de armazenamento, mobilidade eléctrica e respectiva infraestrutura de carregamento.
O relatório da AIE pode ser consultado na íntegra aqui.