Artigo publicado originalmente na edição de Março/Abril de 2023 da Edifícios e Energia, aqui com as devidas adaptações.

 

As recentes parangonas que têm animado os crentes e a comunicação social relativamente ao antigo Hospital Militar de Belém, bem como ao altar-palco para receber sua Santidade, o chefe da Igreja Católica Romana, durante a Jornada Mundial da Juventude, refletem práticas e “tiques” muito vistos e conhecidos na sociedade portuguesa: a contratação a baixo preço, a política do “já agora” e a megalomania dos políticos de Portugal para mostrar ao mundo grandeza, dizendo, desse modo, que somos os melhores. Em vez de promover políticos à procura de um lugar no paraíso da Europa dos ricos, cujos exemplos têm abundado na sociedade portuguesa, deveríamos mobilizar-nos, todos, para o engrandecimento e a promoção do país e de toda a imensa riqueza nacional que possuímos, de Norte a Sul de Portugal. 

O mesmo se passa com o Sistema de Certificação Energética (SCE). Ao longo destes cerca de seis anos de colaboração regular com esta prestigiada revista, temos vindo a detetar e denunciar muitos dos excessos e fundamentalismos com grande impacto no erário público e na vida dos técnicos responsáveis pela implementação das políticas públicas que existem nesta área. 

Em dezembro passado, foi aprovado pelo Governo e promulgado pelo Presidente da República, em janeiro deste ano, um designado “Simplex Ambiental”. Neste documento, para além da reforma e simplificação dos licenciamentos ambientais, existe a intenção de eliminar, na construção de edifícios de habitação, a obrigatoriedade de instalação de redes de gás combustível. Infelizmente, foi necessário o martírio do povo ucraniano para, no espaço temporal de pouco mais de um ano, o gás natural deixar de ser “energia verde” e passar a ser energia tóxica. Atualmente, na construção de edifícios novos, para além da obrigatoriedade, ainda não revogada, de instalar tubagem para rede de gás canalizado já poucos técnicos recorrem a esta tecnologia, quer para aquecimento de águas, quer para conforto térmico.

Os painéis solares térmicos de grande eficácia no combate pela descarbonização e proteção climática, de grande eficiência energética, são já uma solução muito utilizada nos edifícios novos, apesar de a legislação permitir a sua substituição pelas bombas de calor. Estas últimas, de grande eficácia na diminuição de gases nocivos do ambiente, na descarbonização e de grande eficiência energética, são também uma solução muito utilizada.

Para cumprir a legislação do SCE na habitação, será necessário cumprir uma meta superior a 50 % de energia renovável. Verifica-se, muitas vezes, que, devido a políticas de conservação do património cultural e à falta de colaboração dos responsáveis pelos projetos de arquitetura, que têm tido dificuldade em assumir estes elementos na vista em fachadas e coberturas do edificado, essa energia renovável pode também regulamentarmente ser satisfeita por bombas de calor. Tal parece-nos um falso método para promover a energia solar direta para águas quentes sanitárias (AQS) por consumo de energia elétrica no ciclo termodinâmico das bombas de calor (mesmo que pequeno), contribuindo, deste modo, para aumento desse mesmo consumo. Com a sua intuição e sensibilidade poética, o nosso velho e saudoso Camões enunciava, no célebre soneto Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, a mais notável característica do mundo habitado e de todo o universo: “tudo muda”.

Por estas e outras razões e também para minimizar os elevados aumentos das tarifas de gás, as bombas de calor conquistaram definitivamente o mercado dos edifícios, pelo que não é de estranhar o grande aumento no consumo destas máquinas, nas quais se espera um crescimento exponencial nos próximos anos. Apesar deste grande crescimento, pensamos que há ainda um grande caminho a percorrer na investigação e no desenvolvimento tecnológico desta tecnologia, quer na busca de maior eficiência energética disponível, quer na utilização de novos gases refrigerantes mais amigos de ambiente para transferência térmica. 

Atualmente, todas as marcas na gama doméstica estão a migrar para R32 com GWP [Potencial de aquecimento global, uma medida que mostra quanto uma determinada massa de um gás de efeito de estufa é capaz de reter calor na atmosfera, em comparação com a mesma massa de gás equivalente de CO2] de cerca de 675, um deixando para trás o R410A, que tinha cerca de dois mil. Entretanto, existem já marcas com outros tipos de refrigerantes (sendo o mínimo que se conhece o R290 com GWP = 3), mas ainda pouco utilizados pelas várias marcas presentes no mercado português. 

Comecemos por exemplificar com bombas de calor exclusivas para AQS, cuja taxa de vendas se tem traduzido até hoje num consumo residual face às restantes, dando como exemplo as bombas do tipo monobloco com depósito e equipamento térmico incorporado para inserir em armário. É interessante vermos quais são as mais eficientes, entre as que se adequam a espaços como armário.

Verificam-se grandes diferenças na eficiência energética, que aumenta com o volume de armazenagem, o que, à partida, elimina certos modelos com eficiências energéticas mais baixas. Esta situação faz com que dificilmente possamos ter volumes inferiores a 200 litros se quisermos cumprir, à letra, a mínima regulamentar de desempenho da habitação nova. 

A legislação refere a norma EN 16147 para determinação da eficiência de uma bomba de calor, a considerar na avaliação do desempenho energético de um edifício de habitação com referências de temperatura de ar diferenciadas. Vários fabricantes indexam a informação com normas diferentes e sobra sempre para o Perito Qualificado (PQ) a dificuldade de interpretar e utilizar, de forma consciente e independente, os valores dos fabricantes, para aplicar na metodologia de cálculo do projeto.  

Exemplificamos com bombas de calor tipo split, funcionalidade híbrida de climatização e AQS: 

No exemplo tipo A, verifica-se que, quando a bomba de calor é utilizada para climatização (Normativo de referência 14 graus no ar exterior de evaporação e 35 graus na temperatura de impulsão da água), a eficiência sobe para 3,75, enquanto na aplicação para AQS desce para 3,26.  

Verifica-se que, à medida que a temperatura de impulsão da água aumenta (situação necessária para sistemas híbridos com produção de AQS e climatização), a eficiência energética baixa. Esta situação implica que, para cumprir o regulamento com bombas de calor para AQS em substituição dos sistemas solares térmicos, temos de separar as bombas de calor para AQS e bombas de calor para conforto térmico, de modo a cumprir a legislação para construção nova. Para os PQ, acresce ainda outra dificuldade, pelo facto de as eficiências regulamentares designadas pela legislação estarem deficientemente relacionadas com o mercado, usando normativas e temperaturas de referência pouco comuns utilizadas pela generalidade dos diversos fabricantes, como se pode ver nos exemplos supra.   

As conclusões expressas são da responsabilidade do autor.