Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2023 da Edifícios e Energia

As Comunidades de Energia Renovável (CER), cuja definição e cujo enquadramento legal estão previstos no Decreto-Lei n.º 15/2022 de 14 de janeiro, podem ser constituídas por pessoas singulares, mas também coletivas, nomeadamente pequenas e médias empresas ou autarquias locais, e tornam possível produzir, consumir, armazenar, comprar e vender energia renovável entre membros ou terceiros. 

As CER são, assim, um eixo fundamental à descarbonização e à transição energética, na medida em que promovem e incentivam a produção descentralizada de energia por via de fonte renovável, bem como o papel interventivo que se pretende para o cidadão comum para se atingirem aqueles objetivos, enquanto agente interessado, porquanto diretamente beneficiado pela redução do seu esforço financeiro na obtenção de um mesmo serviço ou até de um melhor serviço energético. 

Paralelamente, as CER são, também, pilares para a erradicação ou, pelo menos, para a minimização da pobreza energética exatamente na mesma medida, ao tornarem a energia num bem ou num serviço financeiramente mais acessível ao consumidor final. Mas não podemos, nem devemos, esquecer de que tanto a erradicação da pobreza energética como a transição energética vão muito além das CER e requerem uma perspetiva integrada dos diversos fatores que concorrem para aqueles objetivos, nomeadamente a otimização do desempenho energético do edifício e dos sistemas técnicos. 

Um dos fatores identificados em que assenta a pobreza energética é a baixa literacia energética do cidadão comum, caraterizada pelo desconhecimento generalizado no que diz respeito ao setor energético e pela falta de conhecimento técnico quer sobre as soluções energeticamente mais eficientes para os edifícios e para os sistemas técnicos, quer sobre os mecanismos de apoio à implementação de boas práticas energéticas. 

A implementação de CER, especialmente no setor residencial, pressupõe alertar o consumidor comum para a necessidade de uma efetiva transição energética, para a qual não está muitas vezes sensibilizado. Esta transição passa por aspetos tão óbvios como alterar o paradigma dos horários de utilização dos equipamentos domésticos, por exemplo, passando as máquinas de lavar roupa e louça a funcionarem em período diurno, ou por aspetos mais técnicos como sejam a substituição dos sistemas energéticos de aquecimento e de produção de água quente sanitária (AQS), quando por queima de combustível, e a eventual necessidade de armazenamento de energia, térmica e/ou elétrica, de modo a transferir-se a energia produzida para o período em que é, efetivamente, necessária. 

Não sendo possível sem disrupção, por razões técnicas ou por razões puramente do negócio dos comercializadores de energia, a rede elétrica nacional pode funcionar como um grande buffer energético das CER do setor residencial. Isto poderá acontecer se a compra pela rede da produção excedentária de energia, quando a indústria e os serviços apresentam o máximo da procura em energia elétrica, for feita a um preço por kWh equivalente ao preço que o consumidor doméstico paga por kWh pelos consumos energéticos em contraciclo com aquela produção de energia elétrica, isto é, maioritariamente em período noturno, quando a indústria e os serviços apresentam uma baixa na procura em energia elétrica. Como tal, o armazenamento de energia, térmica e/ou elétrica, tem, efetivamente, de ser uma das variáveis a avaliar de modo a maximizar o benefício que o consumidor retira das CER; caso contrário, os consumidores poderão estar a produzir energia para fornecer à rede gratuitamente ou a muito baixo preço, com o impacto real em termos financeiros a ser diminuto para o consumidor.

O fator social da sustentabilidade, presente nas políticas de transição energética, tem de ser urgentemente refletido na sociedade para que se possa potenciar o seu papel estruturante e facilitador na redução da desigualdade de acesso a um melhor serviço energético e às melhores práticas.

Do ponto de vista legislativo, as CER podem, também, abranger pequenas e médias empresas e até autarquias, permitindo o desejado equilíbrio entre a procura e a oferta de proximidade e minimizando o problema acima. No entanto, na prática, muito poucas CER podem ser assim constituídas, dado o conceito de vizinhança entre membros (dois km, no caso de ligação em baixa tensão, ou quatro km, no caso de ligação em média tensão). Na prática, irá subsistir a necessidade de armazenamento de energia. 

Àquele armazenamento, acresce a análise, a par da melhoria do desempenho térmico do edifício, da centralização dos sistemas de climatização e de produção de AQS. Isto se não queremos manter e proliferar os sistemas individuais e pretendemos aumentar a eficiência energética, diminuindo a potência instalada e maximizando sinergias. As bombas de calor são, atualmente, os sistemas de excelência, mas tal não passa só e apenas por sistemas de expansão direta.

O grau de complexidade (maior ou menor) da análise exigida para otimizar o propósito das CER requer, pois, que o consumidor esteja, pelo menos, alertado, para que possa procurar ajuda na tomada de decisão. Há, assim, que assegurar a necessária transmissão de conhecimento no sentido de se incrementar a literacia energética, bem como de se tornar o processo entendível ao cidadão comum, para que este possa ser crítico quanto às crescentes ofertas de serviços energéticos de CER por diferentes entidades comercializadoras de energia. Produtos com investimento e manutenção zero (sem custos), ainda que, à partida, atrativos para particulares e condomínios, podem não ser, de facto, a melhor opção no que respeita à maximização dos benefícios para o consumidor doméstico. 

Não se pretende que cada cidadão seja um expert em energia, mas há um mínimo de informação que é necessário facilitar ao utilizador comum, de forma simples, clara e eficaz, pois só assim este estará alertado e interessado em fazer parte da solução. O desconhecimento ou a não facilitação do acesso ao conhecimento não favorecem ninguém; pelo contrário, só promovem o desinteresse. 

As empresas, grandes, médias ou pequenas, ou as autarquias têm, à partida, capacidade e até obrigação de implementarem boas práticas energéticas e, caso não tenham competência para avaliar a melhor opção, devem dispor de parte dos seus recursos para adquirirem serviços de assessoria energética que lhes permitam eleger a melhor solução em seu benefício. Mas os particulares, em especial os mais vulneráveis, os tais que se encontram em pobreza energética, têm de ser apoiados e, diria, formados para que lhes seja, efetivamente, garantido igual acesso às melhores soluções. 

O fator social da sustentabilidade, presente nas políticas de transição energética, tem de ser urgentemente refletido na sociedade para que se possa potenciar o seu papel estruturante e facilitador na redução da desigualdade de acesso a um melhor serviço energético e às melhores práticas. Este caminho traduz-se quer na promoção efetiva da literacia energética do cidadão comum, quer na facilitação de serviços de consultoria energética, tendencialmente gratuitos através de subsidiação para os mais vulneráveis, no sentido de uma adequada assessoria à tomada de opção, sem esquecer, naturalmente, os mecanismos de apoio ao investimento que sempre serão necessários na otimização energética dos edifícios e sistemas técnicos. 

Do ponto de vista concetual, as CER são, efetivamente, o caminho a seguir! Tudo a louvar! Mas à sua promoção têm de estar subjacentes a otimização energética, a transição energética da produção de energia térmica e a maximização do benefício do lado do consumidor, pois só assim será possível atingir o propósito pleno das CER, gerando benefícios ambientais, económicos e sociais.

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.