Autores: Verena Göswein [1, 3], José Dinis Silvestre [1], Fausto Freire [2] e Guillaume Habert [3], de [1] CERIS, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, [2] DAI/LAETA, Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade de Coimbra, e [3] IBI, ETH Zurich, Suíça.
O Acordo de Paris tem como objetivo combater as alterações climáticas, limitando o aumento da temperatura global neste século a menos de 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. O objetivo ambicioso é uma redução de 80 % das emissões de CO2 até 2050, em comparação com o ano de 1990. Ao ratificar o acordo em outubro de 2016, Portugal e muitos outros países comprometeram-se a cumprir os objetivos intermédios de reduzir as emissões nacionais de CO2 em pelo menos 40 % até 2030 [1]. Espera-se que este objetivo desafiante seja alcançado através de regulamentos baseados em incentivos e ações voluntárias.
O ambiente construído consome 62 % da energia final e é uma das principais fontes de emissão de gases com efeito de estufa (GEE) (55 %) [2]. Em Portugal, quase 70 % dos edifícios foram construídos antes de 1990, altura em que foi publicado o primeiro regulamento português relativo ao conforto térmico nos edifícios. De acordo com o programa de trabalho europeu de 2014/15, a renovação de edifícios representa mais de 17 % do potencial de poupança de energia primária da União Europeia (UE) para 2050 [3], pelo que tem uma elevada capacidade de influenciar os impactes ambientais e os objetivos globais de mitigação das alterações climáticas.
Colmatar o fosso entre as emissões incorporadas e as emissões operacionais
Na literatura existente, as emissões diretas durante a fase de utilização dos edifícios e as emissões indiretas nas fases de produção, construção e gestão de resíduos estão normalmente desligadas. Para atingir os objetivos de sustentabilidade climática, temos de encontrar uma forma de compreender a dinâmica do ambiente construído, fazendo a ponte entre estes dois níveis. São necessárias soluções de baixo impacte, em ambos os níveis, por exemplo, através da renovação térmica da fachada. A este respeito, os materiais de isolamento tradicionais podem nem sempre ser a melhor solução em termos de impactes, mas existem materiais alternativos, por exemplo, produtos de base biológica [4], que oferecem a oportunidade de contabilizar o sequestro de carbono, o que constitui um benefício ambiental que pode compensar os impactes causados durante a produção e a construção [5].
O objetivo deste estudo é explorar os potenciais de redução de GEE e outras emissões associadas à renovação térmica de edifícios. Pretende, assim, melhorar a compreensão da dinâmica dessa renovação em relação à consecução dos objetivos climáticos. Para o efeito, será adaptado um método denominado Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) baseada na frota, que, de forma simplificada, será aplicado ao sector da construção.
Difusão Tecnológica
A introdução da ACV baseada na frota (ACV-bf [6]) lida com efeitos distribuídos ao longo do tempo e integra a ACV e um modelo de frota que descreve as existências e os fluxos associados a uma classe de produtos ao longo do tempo. Em vez de utilizar um único elemento (edifício) para a unidade declarada, analisa um conjunto de unidades em serviço (conjunto urbano), de forma a modelar as mudanças temporais e os efeitos da difusão tecnológica como a dinâmica da substituição de produtos que atingiram o seu fim de vida por novos. E, porque considera a forma como o consumo de recursos e os impactes ambientais se alteram ao longo do tempo, é um método útil para analisar as transições tecnológicas, mesmo que correspondam à dinâmica da introdução ou do aumento da quota de um tipo específico de material de isolamento térmico em edifícios.
Modelação do parque habitacional
Um sistema complexo como um parque habitacional necessita de um modelo adequado para ser analisado. Existem duas abordagens gerais para essa modelação: modelos de baixo para cima ou de cima para baixo [7]. Este estudo utiliza a primeira abordagem (bottom-up) e centra-se num conjunto definido de edifícios e materiais para explorar as oportunidades de uma ACV-bf aplicada à difusão de estratégias de reabilitação térmica.
Dados e métodos
A estrutura do modelo utilizado faz lembrar uma ACV típica, mas utiliza uma unidade declarada à escala superior, que é a área total da fachada opaca de todos os edifícios em estudo. As fases do produto A1 “Fornecimento de matérias-primas”, A2 “Transporte”, A3 “Fabrico”, e as fases do processo de construção A4 “Transporte” e A5 “Processo de instalação da construção”, bem como a fase de utilização B6 “Utilização de energia operacional”, são tidas em conta para estimar os impactes ambientais. A análise centra-se na categoria de impacte Potencial de Aquecimento Global (PAG) [8].
O método desenvolvido é testado para um tipo de tipologia de construção no bairro de Alvalade, em Lisboa, construído entre as décadas de 1940 e 1960. Aqui, destaca-se um tipo específico de construção em estrutura mista de alvenaria e de betão armado. No total, 230 edifícios foram identificados como semelhantes a este tipo e considerados no presente estudo. A unidade declarada é a área total da fachada opaca de todos os edifícios: 124 577 m2.
A análise incorpora a abordagem baseada na frota, analisando as taxas dinâmicas de renovação (ver Figura 1), e descreve os próximos 30 anos, em conformidade com a diretiva da UE relativa à energia [9]. A manutenção do statu quo (Business as usual – BAU) é comparada com dois cenários: um pressupõe a introdução de um incentivo económico público para promover a renovação das paredes exteriores, para o qual é aplicada uma função de densidade de probabilidade Weibull; o outro cenário é o de uma legislação que torna obrigatória a renovação das paredes exteriores nos próximos 30 anos, para o qual se assume uma distribuição normal, que é frequentemente utilizada na modelação do parque habitacional.
Além disso, são analisados diferentes cenários tecnológicos: o parque habitacional tal como se encontra, sem qualquer ação de reabilitação, é comparado com dois cenários diferentes com um sistema compósito de isolamento térmico pelo exterior (ETICS) aplicado sobre uma parede de pano simples: um com o isolante mais utilizado, o poliestireno expandido moldado (EPS), e o outro com o aglomerado de cortiça expandida (ICB), um isolante de base biológica. Os cenários tecnológicos são combinados com os cenários de taxa de renovação dinâmica descritos anteriormente. Além disso, é efetuada uma análise de sensibilidade sobre a utilização de aquecimento e arrefecimento. O valor por defeito para o consumo de energia durante a subfase B6 é assumido como sendo apenas 10 % das necessidades de aquecimento e arrefecimento.
Resultados
Reabilitação térmica simultânea
Numa primeira fase, os impactes do berço ao portão para a unidade declarada foram calculados para o caso hipotético de todo o parque habitacional ser renovado neste momento. A alternativa de não renovar tem zero impactes para as fases A1 a A5. Os impactes para as duas alternativas tecnológicas, um ETICS com EPS e um ETICS com ICB, ambos os casos com 0,08 m de espessura de isolante, são comparados na Figura 2. O PAG é negativo para a solução com ICB, uma vez que a captura de carbono biogénica é considerada com base numa Declaração Ambiental de Produto (DAP) nacional [10].
Além disso, as necessidades de aquecimento e arrefecimento foram estimadas para o valor por defeito de 10 % para o caso de referência e para os dois cenários de reabilitação. Os valores U das paredes são de 2,41 W/m2.K para a ausência de reabilitação, 0,42 W/m2.K para a solução de ICB e 0,38 W/m2.K para a solução com EPS. Os resultados para o PAG podem ser vistos na Figura 3, tendo o caso de referência “sem reabilitação” o pior desempenho. As diferenças entre os dois cenários ETICS são pequenas, com 2.202 kg CO2 eq. para a solução com ICB vs. 2.176 kg CO2 eq. para a solução com EPS.
Durante as fases A1-A5 e B6 do ciclo de vida, durante 30 anos, o ETICS com ICB causa menos 53 % de PAG em comparação com a ausência de reabilitação. O ETICS com EPS tem um potencial de redução menor do que o ETICS com ICB, com menos 19 % de PAG em comparação com a ausência de reabilitação térmica.
Taxas de reabilitação dinâmicas
A taxa de reabilitação, enquanto motor do modelo, tem um impacte direto nas emissões libertadas ao longo do tempo. O PAG traduzido para as três diferentes taxas de renovação em estudo, conforme descrito anteriormente, é apresentado na Figura 4. Os valores apresentados nessa figura foram obtidos mantendo a tecnologia de renovação fixa, que é o ETICS com ICB, e comparando os diferentes cenários de políticas. O gráfico mostra a renovação com ICB comparada com a ausência de ação. Apenas são consideradas as fases A1-A5 do ciclo de vida. Se comparado com um cenário de renovação com ETICS com EPS, o potencial de poupança de CO2 do ICB seria ainda maior. De facto, só com materiais de construção de base biológica, como o ICB, é possível armazenar carbono no edifício. Este aspeto deve ser tido em conta na análise dos cenários políticos, e já é considerado nos incentivos públicos à reabilitação térmica de edifícios ao se promoverem os materiais de base natural [11]. As poupanças de CO2 relacionadas com a fase B6 do ciclo de vida seguem a forma da Figura 4.
O cenário BAU tem uma linha de tendência linear que não oferece um potencial significativo em termos de emissões negativas de CO2, em contraste com os dois cenários políticos hipotéticos, onde a renovação é obrigatória ou promovida com um incentivo económico. O primeiro passo crítico em relação aos objetivos intermédios do Acordo de Paris é o ano de 2030. Nesse ano, as emissões negativas cumulativas estimadas de CO2 serão de apenas -40 toneladas de CO2 eq. para o cenário BAU, em comparação com -383 toneladas de CO2 eq. para o cenário de renovação obrigatória e -546 toneladas de CO2 eq. para o incentivo económico público à renovação.
Discussão
O objetivo do presente estudo é melhorar a compreensão das possibilidades de reduzir as emissões causadas pelo ambiente construído, dado o facto de os acordos climáticos globais vinculativos estabelecerem objetivos que têm de ser cumpridos por todos os membros participantes. Com base na literatura, propõe-se a utilização de uma ACV-bf com uma modelação ascendente do parque habitacional que ajuda a avaliar o potencial combinado de cenários tecnológicos e políticos. O aspeto tecnológico representa diferentes sistemas de reabilitação térmica de paredes exteriores e o aspeto político representa diferentes taxas de renovação.
Opções tecnológicas de reabilitação
O presente estudo analisou diferentes cenários de reabilitação térmica de um ponto de vista ambiental. Verificou-se que, no que respeita aos impactes do berço ao portão que surgem durante as fases A1-A5, e à utilização de energia operacional em B6, a cortiça, enquanto material de isolamento de base biológica, oferece a vantagem de capturar carbono durante o seu crescimento, o que pode ser contabilizado como um PAG negativo durante a fase de construção. Tal não ocorre com o sistema ETICS com EPS, embora ambas as soluções causem um PAG significativamente menor do que o cenário de referência “sem reabilitação”.
Taxas de renovação dinâmicas
Para avaliar as transições tecnológicas ao longo do tempo, foi utilizada uma abordagem ACV-bf, que ainda não tinha sido aplicada ao sector da construção. As taxas de renovação foram modeladas de forma dinâmica porque os edifícios têm uma longa vida útil e devem ser entendidos como prestadores de serviços com diferentes cenários futuros. Por conseguinte, é importante ter em conta os perfis temporais das emissões, de modo a que o resultado da ACV para cada emissão seja uma função do tempo e não um número único.
Os resultados do presente estudo mostraram que, em primeiro lugar, o perfil de emissões está diretamente relacionado com a taxa de renovação dinâmica assumida, como foi demonstrado com a projeção linear BAU comparada com os cenários políticos (vs. a taxa de renovação normalmente distribuída da renovação legalmente obrigatória e vs. um incentivo económico público à renovação baseado numa distribuição de Weibull). Em segundo lugar, a diferença entre uma taxa linear e uma taxa dinâmica é grande no que respeita às emissões cumulativas e às emissões em cada momento no tempo, o que foi mostrado na Figura 4 relativamente ao ano crítico de 2030. Nesse ano, tendo em conta os pressupostos dos cenários económicos públicos, um incentivo económico público à renovação revela-se mais eficaz do que uma lei que torne a renovação obrigatória. Embora ao fim de 30 anos estes dois cenários atinjam basicamente o mesmo valor negativo acumulado de PAG, o incentivo revela-se mais eficaz no ano de 2030, o que é uma conclusão interessante sobre a forma de traduzir os objetivos climáticos em ações.
O modelo ajuda a compreender o perfil temporal das emissões. No entanto, é necessário compreender qual a quantidade de emissões de GEE que constituem o objetivo real de Portugal até 2030 e, mais adiante, conhecê-los por sector e fronteira geográfica, por exemplo, apenas para o parque habitacional.
Conclusão
O presente estudo utilizou um tipo específico de edifício numa área geográfica bem definida para testar os efeitos de ações de reabilitação térmica de paredes exteriores de edifícios residenciais considerando as fases A1 a A5 e B6 do ciclo de vida. Os resultados evidenciam o potencial de poupança ambiental na utilização dos materiais de base biológica para apoiar o cumprimento dos objetivos nacionais e globais em matéria de emissões de GEE. A adaptação de uma abordagem ACV-bf e a sua aplicação ao sector da construção não foi feita anteriormente e prova ser um método fácil de utilizar para avaliar diferentes opções tecnológicas e cenários políticos à escala do bairro.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos professores Rita Bento, Alexandre Gonçalves e Ana Paula Flor pelo apoio com os dados SIG. Agradecem também ao Centro de Investigação CERIS, do Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, pelo apoio a esta investigação, e também à FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), que apoiou o trabalho de doutoramento da primeira autora com a bolsa PD/BD/127854/2016.
Referências
[1] PNAC 2015 Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020/2030. Decreto n.º 87/2015. (Agência Portuguesa do Ambiente)
[2] Anderson J E, Wulfhorst G and Lang W 2015 Energy analysis of the built environment – A review and outlook Renew. Sustain. Energy Rev. 44 149–58
[3] European Commission 2015 Horizon 2020 Work Programme 2014–2015 in the area of Secure, Clean and Efficient Energy
[4] Sierra-Pérez J, Boschmonart-Rives J and Gabarrell X 2016 Environmental assessment of façade-building systems and thermal insulation materials for different climatic conditions J. Clean. Prod. 113 102–13
[5] Pittau F, Krause F, Lumia G and Habert G 2018 Fast-growing bio-based materials as an opportunity for storing carbon in exterior walls Build. Environ. 129 117–29
[6] Field F, Kirchain R and Clark J 2000 Life-Cycle Assessment and Temporal Distributions of Emissions: Developing a Fleet-Based Analysis J. Ind. Ecol. 4 71–91
[7] Göswein V, Krones J, Celentano G, Fernández J E and Habert G 2018 Embodied GHGs in a Fast Growing City: Looking at the Evolution of a Dwelling Stock using Structural Element Breakdown and Policy Scenarios J. Ind. Ecol. 22 1339–51
[8] CEN 2012 Sustainability of construction works. Environmental product declarations – core rules for the product category of construction products, EN 15804 (Brussels, Belgium: European Committee for Standardization)
[9] European Parliament 2010 Directive 2010/31/EU of the European Parliament and of the Council of 19 May, 2010 on the energy performance of buildings Off. J. Eur. Union 13–35
[10] Amorim Isolamentos, S.A. 2016. Aglomerado de cortiça expandida (ICB) – Declaração ambiental de produto. https://daphabitat.pt/
[11] 04/C13-i01 – Programa de Apoio a Condomínios Residenciais do Fundo Ambiental. https://www.fundoambiental.pt/apoios-prr/c13-eficiencia-energetica-em-edificios/04c13-i012023.aspx.
Este artigo foi originalmente publicado na edição nº148 da Edifícios e Energia (Julho/Agosto 2023)
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.