Artigo publicado originalmente na edição de Julho/Agosto de 2023 da Edifícios e Energia
Já aqui abordei muitas vezes a questão de quem vai pagar as medidas que vai ser necessário implementar para chegarmos a 2050 com o setor dos edifícios 100 % descarbonizado, como ditam as políticas nacional e europeia adotadas para esta temática. Teremos de ter edifícios novos descarbonizados (o que a atual regulamentação nacional ainda não exige) e fazer um intensivo e dispendioso esforço para a renovação energética da quase totalidade do parque construído, mesmo dos edifícios que estão a ser construídos no presente, pois, como já disse, ainda é possível construir, hoje, edifícios novos que estão muito longe do “carbono zero” – e assim continuará a ser no futuro próximo, pois não se conhecem iniciativas para mudar o atual contexto regulamentar nacional até depois da adoção na nova EPBD, que, inicialmente prevista para ser concluída e publicada em 2022, continua, no final do 1.º semestre de 2023, “emperrada” nas discussões políticas entre Conselho, Comissão e Parlamento Europeus em Bruxelas.
Com variantes, contudo, isto não é um problema apenas nacional. Coloca-se em todos os países, nomeadamente em todos os países europeus que adotaram, em comum, como União Europeia (UE), a mesma meta da descarbonização total até 2050. Lá, como cá, as dificuldades são gigantescas e em todos se coloca a mesma questão: descarbonizar tem custos e, portanto, quem paga? No limite, a resposta é simples: os cidadãos é que vão pagar tudo, pois o Estado somos nós, todos nós, o povo. E, portanto, seja o Estado a pagar, sejam os “privados” a pagar diretamente, acabamos sempre por ser todos nós, os contribuintes, a pagar, direta ou indiretamente, a descarbonização do setor dos edifícios. E, como as políticas públicas têm sempre consequências políticas nas democracias aquando das eleições, é preciso que “o povo” aceite pagar por este objetivo ou os Governos estarão sempre relutantes em impor as políticas necessárias para atingir esta meta com receio de perder votos.
E o que pensa o povo sobre isto? Bom, em Portugal não há propriamente nenhum estudo de opinião sobre o assunto, mas o povo vota com ações. O Estado ofereceu apoios, ainda relativamente pequenos para já, face à previsão das necessidades estimadas para este esforço (mais de 140 mil milhões de euros…), e quem está sensibilizado para o assunto e tem meios financeiros disponíveis vai aproveitando. A ADENE publicou os resultados dos programas de apoio e houve efetivamente muitas candidaturas que esgotaram os montantes disponibilizados, mas – há sempre um mas – a grande fatia dos investimentos foi para a instalação de coletores fotovoltaicos para autoconsumo (37 % das candidaturas – mais de 23 mil), 26 % [dos investimentos] foram para a instalação de ar-condicionado (perdão, instalação de bombas de calor) e 25 % para a instalação de novas janelas com vidro duplo. O isolamento de coberturas e de paredes representou… 1 % (700 e poucas candidaturas)! Arquitetura bioclimática? Representou menos de 0,1 % – foram 13 candidaturas.

Quem tinha meios financeiros disponíveis aproveitou a benesse para fazer algo que, provavelmente, até queria já fazer. Quem não tinha? Não se candidatou. O (in)sucesso do programa Vale Eficiência, que dava vales de 1 300 euros a quem quisesse melhorar a sua habitação exigindo, no entanto, que essa pessoa gastasse mais do que aquilo que recebia do Estado, quando esta não tinha disponibilidade financeira para o fazer, fala por si. Foram apenas distribuídos menos de 20 % dos vales que o programa esperava [distribuir] e tinha orçamentado. A quem está em pobreza energética, a quem não tem meios para pagar a energia para se manter confortável, não se pode pedir para investir, por pouco que seja, para fazer obras de melhoramento da sua habitação.
E nos outros países? A OCDE acabou de publicar um interessante estudo1 sobre o que pensa a população de alguns países sobre a descarbonização, ou sobre a melhoria da eficiência energética dos edifícios. Foi feito em sete países da UE (Bélgica, Chéquia, Espanha, França, Itália, Países Baixos e Suécia), mas também noutros países desenvolvidos europeus (Reino Unido, Noruega e Suíça) e fora da Europa (Austrália, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Israel, Japão, México e Estados Unidos). E quais foram as conclusões deste estudo? Que o cidadão está maioritariamente sensibilizado para o problema, que apoia o objetivo na sua generalidade, mas… que não quer pagar. Assim, em termos genéricos, podem-se apontar as seguintes conclusões principais retiradas deste estudo da OCDE:
- Apenas cerca de 25 % dos inquiridos não estão preocupados com a temática; 40 % dizem mesmo que os riscos para o clima estão a ser exagerados;
- Mais de 55 % de quem respondeu ao inquérito diz que a responsabilidade de resolver o problema cabe principalmente a políticas públicas ou a ações voluntárias individuais, nada que seja obrigatório;
- 65 % dos inquiridos dizem que quaisquer políticas públicas implementadas para reduzir as transições climáticas não devem ter custos para os utilizadores;
- A medida de substituição de soluções técnicas que foi mais adotada até ao presente é a adoção da iluminação LED (80 %). Apenas 20 % dos inquiridos estão interessados em instalar bombas de calor e painéis solares, apesar da sua instalação ser possível em 75 % das habitações. Cerca de 50 % estão interessados em isolar mais e usar janelas mais eficientes (nem sequer há uma correlação deste número com a severidade do clima dos diferentes países);
- Entre o mercado do arrendamento, mais de 50 % dos interessados em medidas de poupança de energia dizem que só mudam se for o proprietário a pagar o investimento;
- 30 % a 40 % dos proprietários interessados dizem que não têm capacidade financeira para investir em medidas de eficiência energética;
- 40 % a 50 % dos que tomaram medidas para reduzir consumos fizeram-no para reduzir custos operacionais, enquanto apenas 30 % fizeram o mesmo por questões ambientais, sem exigir que as medidas tivessem ou não retorno financeiro positivo.
Contudo, a medida de poupança mais aplicada (92 %!) foi… desligar a iluminação em espaços desocupados. Só poupança, custo zero. Uma grande alteração de comportamento no dia a dia de muita gente, porque desligar a luz quando se sai de uma sala deve dar muito trabalho, talvez (claro, podemos sempre pensar também que pode ser feito de forma automática através da instalação de sensores de movimento, mas, neste caso concreto, não foi este o âmbito do inquérito – a medida foi mesmo sobre o número de pessoas que, por ação própria, ao saírem de uma sala, desligam a luz).
Aconselho mesmo uma leitura mais detalhada deste relatório, pois demonstra bem o grande desafio que se colocará para fazer a descarbonização. Uma percentagem significativa (25 %) não considera sequer o tema relevante. Da maioria que está ciente e apoia esta temática, 50 % diz que não consegue ou não quer pagar. E o estudo não se limita aos edifícios. Cobre também outros setores, como a indústria e a mobilidade, pelo que a leitura detalhada deste relatório terá muito mais conclusões relevantes para quem o ler.
Provavelmente, se Portugal fosse incluído neste estudo, o cenário não seria muito diferente. E, então, o que concluir deste panorama?
A OCDE conclui que é necessário:
- informar mais e melhor;
- não argumentar apenas sobre o impacto ambiental; [pois] os utilizadores têm de sentir o impacto das medidas em que vão investir na sua qualidade de vida e nas suas finanças pessoais;
- disponibilizar as soluções mais sustentáveis a menores custos;
- criar sistemas de incentivos mais atrativos em vez de aumentar custos para os utilizadores pela via fiscal (aumentos que muitos não poderão pagar ou que provocarão impactos potencialmente muito negativos na qualidade de vida de várias pessoas).
Não se pode dizer que haja grande novidade nestas conclusões nem, realmente, que haja algo de concreto que se possa adotar imediatamente em Portugal e que seja muito diferente do que já tem sido feito. Este estudo vem apenas reforçar a enorme dificuldade que iremos ter para fazer a descarbonização, por falta de adesão ou por indiferença da maioria da população, e tudo aponta para um arranque muito lento destes esforços. Falta de interesse de muitos, e falta de meios financeiros (ou de vontade para usar fundos próprios) da maioria. E, também, porque, efetivamente, algumas das alternativas técnicas disponíveis são ainda muito dispendiosas (por exemplo, uma bomba de calor para aquecimento é mais de dez vezes mais cara do que uma caldeira a gás, já para não falar do aquecimento com radiadores elétricos a usarem eletricidade verde…). Escalar a aplicação dos sistemas mais dispendiosos poderá fazer baixar o seu custo, pela produção em maior escala, mas o preço dessas soluções tem ainda uma margem de diminuição muito significativa, como aconteceu com o preço dos painéis fotovoltaicos ao longo do tempo.
Num contexto nacional em que se assiste a um aumento significativo no custo da habitação, seja para compra, seja para arrendamento, é óbvio que a adoção de medidas de melhoria para a eficiência energética, a menos de medidas passivas como a orientação e uma conceção adequada do edifício, quer em construção nova, quer nas renovações, vai contribuir para piorar o panorama geral pelo agravamento dos preços. Se custa mais construir o novo, colocar mais e melhor isolamento, colocar bombas de calor em vez de caldeiras a gás, instalar painéis solares, térmicos ou fotovoltaicos, o preço de venda tenderá de aumentar. Se há custos com a renovação em edifícios para arrendar, a renda tem de aumentar, pois o proprietário vai querer um retorno para o investimento feito. Pedir financiamento à banca para implementar medidas de melhoria, num cenário de juros altos como o que se vive no presente, vai trazer custos importantes para quem não dispuser de fundos próprios para implementar medidas de melhoria da eficiência energética e, provavelmente, eliminar a maioria, ou mesmo a totalidade, das poupanças reais.
A solução para a crise da habitação não vai conseguir ficar desligada das políticas para a descarbonização, e vai ser necessário encontrar um equilíbrio entre ambas as políticas, que, na sua essência, puxam em direções distintas. Edifícios descarbonizados vão ser mais caros e [fazer essa descarbonização] vai reduzir mercados. E as políticas da habitação apontam para mais edifícios a menor custo. É provável que continue a tendência para moderar os requisitos mínimos a impor na regulamentação térmica/energética, tornando mais lento o progresso para a descarbonização total em 2050, de modo a minorar os impactos nos custos da habitação, remetendo para mais tarde, quando as condições económicas forem mais variáveis, um acelerar do caminho para a descarbonização total do setor dos edifícios. Para já, políticas públicas realistas apontarão provavelmente para que seja mais importante a quantidade (número de unidades de habitação) e um custo mais baixo por unidade do que atingir (ou exigir) uma qualidade energética da habitação mais próxima do carbono zero.
E, portanto, a resposta à questão em título é um rotundo NÃO! Pelo menos para uma maioria, pois é claro que há sempre uma minoria (uma elite?) sensibilizada para esta temática e com recursos económicos suficientes para marcar a diferença, de forma voluntária. Como se diz, são os early adopters. Ainda estamos longe da massificação desta tendência, sobretudo na renovação do parque construído existente. Ainda estamos mesmo no início do processo da descarbonização e, portanto, não deixemos que isso nos faça desmotivar! Mas precisamos que a early majority não demore mais de uma década a ser mobilizada. Quando passarmos essa barreira, o resto da população virá a seguir. Laggards [retardatários] teremos sempre. Por esses, podemos sempre esperar até 2050.
Na elaboração de futuros programas de apoio à eficiência energética dos edifícios, será importante que o Estado (o Fundo Ambiental, a DGEG e a ADENE, outros?) considere bem a faixa da população que pretende atingir. Até agora, tem-se focado no que é mais fácil (aquilo a que se chama low-hanging fruit) e, provavelmente, ainda pode explorar mais este tipo de situação, até para ter mais exemplos de casos de sucesso a mostrar aos mais céticos, para tentar convencer mais early adopters e tornar a realidade da early majority mais realista num futuro mais próximo. O programa Edifícios Mais Sustentáveis financiou, sobretudo, medidas pontuais e mal tocou na redução das necessidades (o isolamento da envolvente quase não teve candidaturas). Quando o Estado tentou mobilizar camadas populacionais mais carenciadas com os vales eficiência, a resposta foi muito fraca, pelo que este terá certamente que mudar a estratégia no futuro se quiser ter mais sucesso nestas camadas da população. Aguardo com expectativa a resposta para o recente programa de isolamento para condomínios, em que também acho que haverá casos suficientes de low-hanging fruit para esgotar o parco financiamento que foi disponibilizado e para torná-lo também num programa bem sucedido.
A velocidade da onda de renovação está a ser muito lenta, e acho que continuará a ser lenta no atual contexto, em número e, sobretudo, em objetivos concretos (ambiciosos?) de redução de consumos de energia e de melhoria do conforto térmico. Mas será importante, pelo menos, não abrandar e fazer os ajustes estratégicos aos apoios que permitam manter vivo o movimento para a descarbonização, pois a curva de adoção das novas tecnologias é bem conhecida e a renovação dos edifícios vai também forçosamente seguir essa curva – não será certamente uma exceção.
1 – Household behaviour and the environment: Key findings and policy implications (OCDE, 2023)
As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.