Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2023 da Edifícios e Energia

Querer reduzir a quantidade de carbono que está a ser lançada para a atmosfera, pela atividade humana, não é uma novidade, mas tornou-se a obsessão atual sendo, agora, designada por descarbonização.

A última década (2010-2020) foi a mais quente alguma vez registada – em 2019, a temperatura média global ultrapassou em 1,1 ºC os valores atingidos antes da Era Industrial. Esta aceleração e os graves impactos negativos no ambiente associados ao previsível aumento de temperatura de 2 ºC, comparativamente aos valores pré-industriais, fizeram com que a comunidade internacional (COP 26, 2021) reconhecesse a necessidade de manter o aumento da temperatura abaixo desse valor e, para tal, prosseguir esforços para limitar o aumento em 1,5 °C até ao final do século.

Nos últimos tempos, temos ouvido algumas vozes (Quercus e Zero) a pedirem que se acabe com esquentadores e caldeiras a combustíveis fósseis até 2025 como medida para reduzir as nossas emissões. Alguns mais radicais pedem mesmo o fim do gás nos edifícios.

Sabemos o impacto significativo que o sector dos edifícios tem na utilização global da energia e, por isso, parece ser lógico que se reduza substancialmente a utilização dos combustíveis fósseis com o aumento da utilização de energia elétrica, especialmente a proveniente de fontes limpas renováveis. No entanto, a eletrificação rápida poderia ser um desastre não só porque a rede elétrica não está preparada (vejam-se os colapsos que acontecem com pontas de consumo, quer no inverno, quer no verão), mas também porque o foco não deve estar na substituição. Deve estar, sim, na redução da utilização de energia através da eficiência energética, o que implica reduzir as cargas elétricas em vez de as aumentar.

Os edifícios novos devem ser concebidos de forma holística tendo como meta a neutralidade carbónica. Só assim será possível reduzir a utilização de combustíveis fósseis, adequar a rede elétrica à nova realidade e preparar os espaços para receberem os sistemas de produção de água quente sanitária, espaços significativamente maiores do que aqueles necessários para os esquentadores. Estes sistemas não devem recorrer ao efeito de Joule, já que isso não contribui para a descarbonização, pois, atualmente, gera na fonte 0,27 kg CO₂ por cada kWh utilizado. Os sistemas indicados são aqueles que recorrem aos coletores solares ou às bombas de calor que podem reduzir a geração de CO₂ pelo menos para metade. Em termos de ventilação, aquecimento e arrefecimento dos edifícios, primeiro e antes de tudo, o que é essencial é a redução das cargas térmicas pela otimização da envolvente e de uma ventilação controlada pela qualidade do ar interior. A energia contida nos materiais que compõem os edifícios e a energia que é utilizada para a sua construção devem, também, ser contabilizadas e minimizadas. Neste caso, podem ser aplicadas restrições para impedir a utilização dos combustíveis fósseis, mas temos que perceber que irá demorar bastante tempo para que estas medidas tenham algum impacto, visto que apenas construímos cerca de 20 mil alojamentos por ano num parque edificado de seis milhões de alojamentos. Mesmo que se englobem as reabilitações, o efeito continua a ser insignificante.

A esmagadora maioria dos edifícios existentes não está preparada para receber os equipamentos elétricos alternativos. Um termoacumulador não cabe no espaço de um esquentador. As instalações elétricas não estão dimensionadas para suportarem aumentos de cargas. E, onde for possível fazer as alterações, será que as famílias têm condições para suportar o investimento? É fácil depreender que a implementação da eficiência energética nos edifícios existentes, se pretendermos fazê-lo, não pode ser feita com base em restrições, mas, sim, através de apoios técnicos e financeiros.

Posto isto, parece claro que temos que desenvolver uma mudança de paradigma apostando nas redes urbanas de distribuição de água aquecida e água arrefecida DHC (District Heating and Cooling). Não nos estamos a referir aos sistemas tradicionais DHC que chegam a ter perdas de calor na ordem dos 30 %, comprometendo a sua rentabilidade económica. Referimo-nos a redes que operam a baixas temperaturas permitindo, assim, a recuperação do excesso de calor a baixa temperatura e a incorporação de energias renováveis de baixa entalpia nas redes. Estas redes são capazes de comportar um conjunto de edifícios em que as cargas de aquecimento e arrefecimento podem equilibrar o sistema, quer em períodos de tempo curtos, quer em períodos de tempo longos, permitindo uma exploração da sinergia entre edifícios com diferentes usos.

Entre as inúmeras vantagens, salientam-se a possibilidade de fornecimento simultâneo de aquecimento e arrefecimento ao longo do ano, a modularidade e a flexibilidade. Devido à pequena diferença de temperatura entre a tubagem e o solo, as perdas térmicas são insignificantes e a tubagem, para além de não necessitar de isolamento, pode ser constituída por materiais poliméricos, tais como o polietileno, o propileno, ou o PVC. O próprio solo pode ser utilizado para armazenamento térmico. Mas nem tudo são vantagens já que as baixas diferenças de temperatura entre ida e retorno acarretam maiores caudais e, consequentemente, maiores custos de bombagem por unidade de energia transportada. Estes sistemas de quarta e quinta geração são designados por 4GDHC e 5GDHC. 

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.