“Todos os anos, produzem-se 2,5 mil milhões de toneladas de lixo na União Europeia (UE). A UE encontra-se, atualmente, a atualizar a legislação relativa à gestão de resíduos para promover a mudança de uma economia linear para uma economia circular. Se continuarmos a explorar os recursos naturais da mesma forma como fazemos agora, em 2050 necessitaremos dos recursos de três planetas Terra para satisfazer as nossas necessidades. Os recursos finitos e as questões climáticas requerem a passagem de uma sociedade do “extrair, fabricar, deitar fora” para uma economia neutra em termos de carbono, sustentável, isenta de elementos tóxicos e totalmente circular até 2050. A crise atual evidenciou fraquezas nas cadeias de recursos e de valor, atingindo as pequenas e médias empresas e a indústria de um modo geral. Uma economia circular reduzirá as emissões de CO2, estimulará o crescimento económico e criará oportunidades de emprego.”
Fonte: Parlamento Europeu

A INEVITABILIDADE DE UM COMPROMISSO MULTIGERACIONAL

E se o mundo fosse perfeito? Se o mundo fosse perfeito ou quase perfeito não produziríamos tanto desperdício e utilizaríamos os recursos naturais apenas na justa medida das nossas reais necessidades, ou seja, com critério e razoabilidade. Mas, na verdade, o mundo não é perfeito e também não temos comportamentos perfeitos. Perante esta situação, o que fazer? Teremos de recorrer a materiais de base natural (ecomateriais) ou que incorporem materiais reciclados. Todos devemos sentir-nos convocados para uma alteração importante de comportamentos, mas a nossa contribuição individual será sempre modesta e as pequenas mudanças, marginais e reativas, não serão suficientes. Como referiu, já há algum tempo, o presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, Hoesung Lee, “meias medidas já não são uma opção. As nossas ações de hoje definirão como as pessoas se adaptam e como a natureza responde aos riscos crescentes causados pelas alterações climáticas a nível planetário”.

O RECURSO À ECONOMIA CIRCULAR

Não sendo nós especialistas nesta matéria e estando com o espírito aberto ao intercâmbio de experiências – aprendendo com outros que estão mais avançados nos seus estudos e que são ao mesmo tempo defensores da mudança –, permitimo-nos recorrer a um interessante projeto de investigação, o HOUSEFUL, levado a cabo por um grupo de investigadores da Catalunha e que importa divulgar. Este projeto propõe uma mudança inovadora de paradigma para uma economia circular centrada na habitação através de uma metodologia, também ela inovadora, para avaliar o grau de circularidade da construção, de acordo com seis pilares de economia circular: energia, água, materiais, e impactos ambientais, sociais e económicos.

ENQUADRAMENTO

O sector da construção é largamente reconhecido como um dos maiores consumidores de matérias e geradores de desperdício por todo o mundo, estimando-se que a indústria da construção seja responsável por 40 % da utilização da energia global, 30 % das emissões de gases com efeito de estufa e 50 % do consumo de matérias-primas. Para fazer face a estes impactes e enfrentar a crise climática, a economia circular tornou-se um modelo disruptivo interessante.

HOUSEFUL é um projeto do Horizonte 2020 que visa desenvolver soluções tecnológicas e modelos de negócio para a criação de edifícios residenciais sustentáveis e de elevada eficiência energética. Para tal, conta com a participação de múltiplas empresas e organizações de diferentes países europeus, focadas nas áreas-chave da eficiência energética, na construção e operação de edifícios, na integração de energias renováveis, na gestão de energia e água, e na utilização de materiais sustentáveis e circulares. Em suma, o projeto HOUSEFUL visa transformar a forma como os edifícios residenciais são construídos e funcionam na Europa, promovendo a transição para uma economia de baixo carbono e melhorando simultaneamente a qualidade de vida dos cidadãos.

Dentro das soluções holísticas do projeto, encontra-se o desenvolvimento de uma Metodologia de Circularidade de Edifícios (BCM) para avaliar a eficiência das soluções de economia circular para o sector da habitação. A metodologia, alinhada com o quadro de indicadores fundamentais de sustentabilidade e com as normas horizontais sobre a sustentabilidade dos edifícios, avalia a circularidade de acordo com seis pilares da economia circular através da avaliação de indicadores-chave de desempenho (KPIs) numa perspetiva de ciclo de vida (desde a extração de materiais, até às ações de fim de vida). Estes são indicadores de análise de fluxo para os principais recursos naturais utilizados nas atividades de construção de edifícios (energia, água e materiais) e indicadores de impacto para os aspetos de sustentabilidade (impactos sociais, ambientais e económicos). Para melhor representar a circularidade de cada um destes pilares, a metodologia BCM baseia-se também noutras referências, por exemplo, na certificação BREEAM. Com esta abordagem, são considerados os aspetos mais relevantes da economia circular nas atividades de construção de edifícios, ou seja, os pilares relevantes da economia circular.

A abordagem metodológica proposta consiste nas seguintes três etapas principais de cálculo:
• Cálculo dos KPIs dos seis pilares da economia circular, os indicadores de circularidade;
• Ajuste dos indicadores de circularidade para ponderar o desempenho do edifício em cada pilar;
• Ajuste dos indicadores de circularidade ponderados para incorporar as características regionais e a relevância de cada pilar para se obter o Building Circularity Score (BCS) final, uma métrica que permite a comparação de projetos considerando as diferentes necessidades de cada país.

AVALIAÇÃO DOS PILARES DA ECONOMIA CIRCULAR

A metodologia BCM visa avaliar o desempenho da economia circular de um projeto de construção ou renovação de um edifício, abordando os seis pilares referidos.

1) Energia

Relativamente à energia, o objetivo é garantir melhorias na circularidade energética dos edifícios, que é representada pelo seguinte:
• Quantidade de energia renovável utilizada para fabricar os produtos do projeto (conhecida como energia incorporada);
• Quantidade de energia poupada e quantidade de energia renovável gerada e autoconsumida durante as fases de construção e operação, tanto no edifício como nas proximidades, em estreita consonância com a atual diretiva relativa ao desempenho energético dos edifícios (EPBD);
• Quantidade de energia necessária para a desconstrução e para o tratamento dos resíduos.
Esta análise engloba a forma como a energia é utilizada durante o tempo de vida do edifício e estima o seu grau de circularidade.

2) Água

Para o pilar “Água”, é considerada a água incorporada nos produtos do edifício, a água consumida durante a construção e a água recuperada e reutilizada durante o funcionamento. A quantidade de água necessária para a desconstrução e para o tratamento de resíduos também é tida em conta. A circularidade da água resulta então de:
• Medidas de poupança de água implementadas em cada fase do ciclo de vida;
• Sistemas de reciclagem de águas residuais cinzentas e pluviais.

3) Materiais

No pilar “Materiais”, a circularidade é medida de acordo com:
• A quantidade de conteúdo reciclável em produtos e peças de construção;
• A utilização de produtos e componentes reutilizados;
• A minimização dos resíduos de construção e demolição;
• A proporção de material reciclado ou reutilizado durante a fase de fim de vida e na substituição e manutenção de peças.
Esta avaliação dos materiais reciclados permite medir a circularidade dos materiais ao longo do ciclo de vida do edifício.

4) Social

O indicador social centra-se no bem-estar dos utilizadores do edifício e no respeito pelas práticas de produção, construção e tratamento de resíduos que melhoram a equidade social. Baseia-se numa lista de requisitos sociais que são estabelecidos por quadros e certificações como os níveis LEED, WELL, ou Cradle to Cradle Certified ®.

5) Ambiental

O indicador ambiental considera todo o ciclo de vida do edifício e compara as emissões de gases com efeito de estufa do edifício com e sem a utilização das soluções da economia circular. Isto fornece uma compreensão abrangente da redução do impacte ambiental do edifício como resultado da implementação das soluções da economia circular.

6) Económico

Finalmente, o indicador económico analisa o impacto económico das soluções implementadas. Compara o custo do ciclo de vida (CCV) do edifício com e sem as soluções da economia circular, tendo em conta fatores como os custos de manutenção e as poupanças de energia e água.

INDICADOR GLOBAL E FATORES DE AJUSTAMENTO

Para simplificar a análise e obter um indicador comum que permita uma comparação fácil entre vários projetos, a metodologia do projeto HOUSEFUL propõe calcular um indicador global de circularidade, o BCS, a partir dos indicadores acima apresentados.

Para ter em conta as especificidades dos diferentes edifícios e propor um indicador que considere o contexto, são aplicados fatores de ajustamento aos seis indicadores para se obter o indicador global.
O primeiro ajustamento baseia-se no parque imobiliário do país em que o edifício está localizado. Esta etapa é crucial para refletir corretamente qualquer desfasamento entre o grau de circularidade e as características gerais do parque imobiliário do país. Por exemplo, um edifício com um indicador de circularidade energética elevado, se tiver um consumo superior ao da média do parque imobiliário, terá o seu indicador BCS penalizado, apesar de ter um elevado grau de energia que pode ser considerado circular.

O segundo e último passo na obtenção do indicador global é a consideração da tensão em cada pilar da economia circular encontrada no contexto regional onde o edifício é construído ou renovado. Este passo é importante para refletir a diferente relevância da implementação de medidas de economia circular que abordem um pilar em relação a outro nos diferentes países, bem como para ponderar essa relevância no BCS, aumentando ou diminuindo a relevância do pilar. Por exemplo, para um país com grande disponibilidade de energia, mas que sofre de stress hídrico (como a Espanha), o indicador da água terá um peso maior do que o da energia no cálculo do indicador global.

 

Artigo publicado originalmente na edição de Setembro/Outubro de 2023 da Edifícios e Energia

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.