Segundo o relatório 2022 Global Status Report for Buildings and Construction, da GlobalABC, a construção, a renovação e a demolição produzem, globalmente, cerca de 100 mil milhões de toneladas de resíduos, com cerca de 35 % destes a serem encaminhados para aterros quando podiam ser recuperados e valorizados. Incidindo sobre a problemática dos Resíduos de Construção e Demolição (RCD), a Associação Smart Waste Portugal, que, com um Grupo de Trabalho nesta área, promove projectos desde 2018 e apoia o desenvolvimento de Planos de Acção para a Gestão Sustentável dos RCD, diz que “cada vez mais existem formas de inovar na gestão de RCD”.
No sector dos edifícios, de que formas se pode inovar na gestão de resíduos? Há exemplos dessa gestão inovadora?
Cada vez mais existem formas de inovar na gestão de RCD. No entanto, é de elevada importância realçar que a prevenção e o trabalho colaborativo com projectistas e arquitectos são fundamentais para reduzir a quantidade de resíduos produzidos em obra, promovendo uma abordagem sustentável desde a fase de concepção e projecto, evitando desperdícios e maximizando a eficiência dos materiais utilizados.
A inovação pode ocorrer na forma como os RCD são triados, reciclados e reutilizados, isto é, podem ser desenvolvidos novos processos e novas tecnologias para separar os diferentes materiais de forma mais eficiente, permitindo uma maior recuperação dos mesmos. Além disso, técnicas de remanufactura e recuperação de materiais podem ser exploradas para dar a estes recursos uma nova vida noutras construções.
De igual modo, também a adopção de métodos construtivos modulares e pré-fabricados pode reduzir significativamente a quantidade de resíduos gerados. Estes métodos envolvem a fabricação de componentes numa fábrica controlada, onde os materiais podem ser melhor geridos e reaproveitados. Por outro lado, a construção modular permite igualmente a desmontagem e reutilização dos componentes em diferentes projectos, reduzindo o desperdício.
Apostar na utilização de ferramentas como as auditorias pré-demolição pode também levar à inovação na desconstrução de edifícios, uma vez que esta permite a separação eficiente de materiais durante o processo, o que possibilita uma maior recuperação dos mesmos e reduz a quantidade de resíduos produzidos.
Por outro lado, é também necessário apostar na promoção de acções de educação/sensibilização dirigidas aos diversos agentes ao longo da cadeia associada aos RCD, apoiando a sua interacção, de forma a promover uma organização da cadeia de valor mais sustentável, em linha com os princípios da economia circular. Este foi o mote do projecto Construção Circular – Prevenção dos Resíduos de Construção e Demolição, promovido pela Associação Smart Waste Portugal. As campanhas de consciencialização realçam a importância da prevenção e redução na produção de resíduos, da reciclagem e da reutilização na indústria da construção. Além disso, a capacitação dos profissionais envolvidos na gestão de resíduos pode garantir a adopção de boas práticas e a utilização adequada das tecnologias disponíveis.
Este é ainda um campo em evolução, sendo que novas tecnologias e abordagens estão a ser desenvolvidas para tornar a indústria da construção mais sustentável e eficiente no uso de recursos.
No entanto, se pensarmos também na vida útil dos edifícios, a gestão de resíduos nos mesmos também se destaca como um desafio que requer esforços contínuos, mas possíveis de serem realizados por meio da implementação de práticas eficientes, como a redução, a reutilização e a reciclagem, contribuindo para um futuro mais sustentável. Através da implementação de sistemas de recolha seletiva dentro dos edifícios, com contentores específicos para diferentes fluxos de resíduos, pode facilitar-se a triagem adequada para posterior reciclagem. Além disso, a utilização de tecnologias como compactadores de resíduos poderá também ajudar a reduzir o espaço ocupado pelos resíduos recicláveis. Por outro lado, podem também utilizar-se tecnologias de sensorização de enchimento de contentores, ou sistemas de rastreamento e monitorização de resíduos, as quais podem permitir a optimização da gestão de resíduos nos edifícios, uma vez que podem facilitar a recolha eficiente, alertar sobre contentores cheios e fornecer dados para a melhoria contínua dos processos de gestão. Os edifícios poderão também adoptar sistemas de compostagem para tratamento dos biorresíduos, isto é, dos resíduos orgânicos, como são os restos de comida e resíduos de jardim. Através da compostagem, esses resíduos são transformados em composto orgânico, que pode ser utilizado como fertilizante para jardins e plantações.
A Smart Waste Portugal apoia actualmente o desenvolvimento de planos de acção nesta dimensão na Área Metropolitana do Porto, na região Norte e na região do Algarve. Também participou num projeto (Des)construir para a Economia Circular, que reúne vários agentes, nomeadamente agentes de governação multinível do Alentejo, com o objectivo de promover uma estratégia regional para o aproveitamento dos componentes e resíduos da construção. Para que melhores práticas e estratégias podemos apontar?
A Associação Smart Waste Portugal foi uma das entidades parceiras do projecto (Des)Construir para a Economia Circular, promovido pela CIMBAL – Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo e que decorreu entre Novembro de 2020 e Dezembro de 2022. Esta iniciativa resultou de um trabalho iniciado pela CCDR Alentejo com a participação da CIMBAL, dos municípios do Baixo Alentejo e de um conjunto alargado de parceiros e teve como principal objectivo promover uma estratégia regional para a reutilização de produtos e componentes de construção, bem como a reciclagem de RCD, reduzindo, assim, o impacto ambiental da construção e promovendo a sua circularidade.
Neste projeto, foram desenvolvidos alguns indicadores que poderão servir de alavanca para estratégias futuras, por forma a alcançarmos um sector mais resiliente e circular. De entre eles, são exemplo o guia de auditorias de pré-demolição, o modelo de passaporte de materiais para edifícios e os modelos matemáticos para a localização de centros de recolha e triagem de RCD, de forma a aumentar a sua reutilização e/ou reciclagem.
- O guia de auditorias de pré-demolição foca-se na orientação para uma demolição selectiva e eficiente, proporcionando um exame cuidadoso e sistemático do edifício a reabilitar/demolir, de modo a identificar e fornecer uma estimativa dos materiais a recolher, tendo em vista a sua reutilização, a sua reciclagem e o seu encaminhamento adequado.
- O modelo de passaportes de materiais é um documento digital que consiste na compilação e apresentação de materiais que integram um edifício e descreve características dos produtos que lhes conferem valor para recuperação, reciclagem e reutilização.
- O modelo matemático de optimização determina a localização das instalações de reciclagem e triagem, a partir de um determinado conjunto de locais possíveis, incluindo a determinação dos custos relacionados com o investimento nas instalações e o transporte dos resíduos de diferentes municípios para as instalações.
Dos restantes resultados do projecto, salienta-se também a realização de um conjunto de iniciativas para promover a gestão dos RCD à escala local e ainda a Estratégia Regional para Reutilização de Produtos e Componentes de Construção. No entanto, existem outras estratégias que podem ser pensadas como boas práticas a serem implementadas, a nível de promoção de eficiência energética, sustentabilidade e conforto dos ocupantes do edifício. Não obstante, cada projecto requer uma abordagem específica para atender às necessidades locais e maximizar a eficiência e sustentabilidade do edifício.
Podemos destacar estratégias para, por exemplo, reduzir o consumo de energia no edifício, que poderá ser alcançado através do uso de sistemas de iluminação LED, equipamentos energicamente eficientes, isolamento adequado, optimização da ventilação, bem como sistemas de aquecimento, ventilação e ar-condicionado eficientes. A integração de fontes de energia renovável no edifício, como painéis solares, reduz ainda mais a dependência de combustíveis fósseis e diminui a pegada de carbono do edifício. É também de elevado impacte implementar um sistema eficiente de gestão de resíduos que inclua, preferencialmente, a recolha selectiva para posterior reciclagem dos materiais.
As certificações dos edifícios, como LEED ou BREEAM, desempenham também um papel crucial na promoção da sustentabilidade, garantindo que as construções são projectadas e administradas de forma eficiente, minimizando o impacto ambiental e maximizando o uso de recursos renováveis. De igual forma, realizar uma manutenção preventiva e regular nos sistemas dos edifícios é também fundamental para garantir que estes são geridos de forma sustentável e que qualquer problema detectado poderá ser rapidamente corrigido.
Contudo, para existir a promoção a longo prazo destas estratégias, é necessário que os ocupantes do edifício sejam pessoas conscientes sobre a importância de aplicação destas medidas, sendo veemente necessário apostar na capacitação dos mesmos.