A crise energética veio evidenciar o papel do fotovoltaico na criação de sistemas mais resilientes e, também, descentralizados. E, nessa tendência de descentralização, que também se sentiu em Portugal, a indústria e os edifícios afirmam-se como pilares para a sustentabilidade das cidades.

É já o “rei” da electrificação. É assim que a Agência Internacional de Energia (AIE) e outras associações têm vindo a descrever o fotovoltaico, cuja capacidade instalada passou, a partir de 2022, a ser medida em terawatts (TW) e cuja instalação, segundo as previsões, continuará em aceleração. Este boom a nível mundial surge também num momento em que a quota de sistemas energéticos descentralizados no mundo tem vindo a crescer. “[Esta quota] é agora mais de metade do volume total”, dizia Daniel Mugnier, envolvido no programa de sistemas fotovoltaicos da AIE, durante a 40.ª Conferência e Exposição Europeias da Energia Solar Fotovoltaica. O evento, que, neste ano, se realizou em Lisboa em Setembro, trouxe à capital vários exemplos de inovação e aplicações associadas a esta tecnologia, bem como a certeza de que a transição energética passa e continuará a passar, em boa parte, pela implementação acelerada do fotovoltaico – um processo que coloca os edifícios no centro de todas as estratégias.

“Os sistemas [fotovoltaicos] descentralizados desempenham um papel cada vez mais importante na implementação global de energia solar fotovoltaica”, constata a AIE. Parte da explicação passa pela crescente dificuldade de encontrar locais adequados para instalações de larga escala, mas outra parte está directamente ligada aos efeitos que a recente crise energética teve nos preços de energia, levando muitos consumidores a verem no fotovoltaico uma “alternativa cada vez mais atractiva”.

Já segundo o Global Market Outlook for Solar Power 2023-2027, da associação industrial SolarPower Europe, a capacidade fotovoltaica adicional instalada em telhados pelo mundo inteiro, no ano de 2022, foi de 118 GW, traduzindo-se no fornecimento de energia solar a um equivalente de “mais 36 milhões de famílias globalmente” e fazendo disparar o crescimento da adopção destas soluções em 49 % em comparação com o ano anterior.

Mas há outras razões para o fotovoltaico ser visto como uma alternativa viável. Para João Serra, responsável pelo departamento de Energia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e chairman da conferência europeia da energia solar fotovoltaica deste ano, a modularidade do fotovoltaico permite que a tecnologia se adapte a várias escalas. Outra razão prende-se com o investimento cada vez mais acessível. “Os preços dos módulos desceram mais de 90 % ao longo da década de 2010 a 2020. A energia eléctrica solar é já mais barata do que a gerada por novas centrais a carvão ou a gás natural em muitos países, e o seu preço vai continuar a baixar”, aponta o professor especialista em tecnologia fotovoltaica. Em cima disto, há ainda uma componente de evolução técnica. “Segundo as estimativas, a capacidade global de fabrico de módulos fotovoltaicos também atingirá 1 TW em 2024, o que é um feito admirável”. Ponderando as várias tendências e provas dadas deste sector tecnológico, bem como as previsões disponíveis, João Serra salienta que “o fotovoltaico será a forma dominante de produção de energia eléctrica em 2050, um facto reconhecido em vários cenários, mesmo os mais cautelosos”.

Em Portugal, o cenário não será diferente. Entre 2022 e 2030, a potência instalada acumulada do fotovoltaico deverá crescer mais de sete vezes, até alcançar 20,4 GW, passando a ser, então, a “principal tecnologia do nosso sistema electroprodutor, compreendendo cerca de 43 % da capacidade total instalada”, afirma, por sua vez, João Cardoso. Baseando-se nas projecções da versão preliminar da revisão do Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), o técnico superior na Unidade de Energias Renováveis e Eficiência Energética do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), realça ainda que, “em 2030, um pouco mais de um quarto desta potência (5,5 GW) deverá corresponder a sistemas descentralizados, como as Unidades de Produção para Autoconsumo (UPAC), as Unidades de Pequena Produção (UPP) e os sistemas já existentes de Micro e Miniprodução”.

Mercado nacional sobre, mas investimento desacelera em 2023

À luz da crise energética, o aumento e a volatilidade dos preços da energia obrigaram os mercados e a indústria a reagir. Em Portugal, “as empresas, de alguma forma, reagiram rapidamente à necessidade de poderem ter energia (em particular, a eléctrica) proveniente de fontes mais baratas e previsíveis ou estáveis em termos de preço, tendo, de uma forma geral, apostado no investimento em UPAC”, resume Jorge Borges de Araújo, presidente da APESE – Associação Portuguesa das Empresas de Serviços de Energia.

Um sinal claro dessa reacção do mercado nacional surgiu ainda em 2021, altura em que a crise energética se começou a fazer sentir, no rescaldo da pandemia de Covid-19. Nesse ano, em relação a 2020, houve uma subida de 40 % na potência instalada em fotovoltaico a nível das UPAC. “Foi o maior crescimento até então”. No ano seguinte, com o abalo do ataque russo à Ucrânia, o cenário energético internacional foi sujeito a aumento ainda mais abrupto, e também inflacionário, do preço da energia. Novamente, o mercado português respondeu com o reforço da aposta no fotovoltaico na esfera das UPAC e a potência instalada “explodiu”, quase triplicando em 2022.

Assentes nas estatísticas da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), estes dados mostram, nas palavras de Jorge Borges de Araújo, que “o mercado reagiu muito bem”. Um desfecho que contou também com o contributo “fundamental” das empresas de serviços de energia na realização, instalação, operação e manutenção de projectos adequados a cada situação. “A reacção foi rápida e a capacidade de resposta também foi conseguida, ainda que houvesse bastantes problemas”, refere o responsável, elencando, como exemplos, obstáculos nos processos logísticos, variações de preços em alta dos equipamentos, questões de licenciamento, etc.

“Até Agosto de 2023, foram instalados mais 336 MW de solar fotovoltaico descentralizado, o que representa um acréscimo de 23 % face à capacidade existente no final de 2022.”

Sofia Simões

A partir dos dados da DGEG, é possível traçar um retrato mais recente da produção descentralizada de energia eléctrica a partir do solar fotovoltaico. Assumindo que a soma da capacidade instalada fotovoltaica em UPAC, UPP e Micro e Miniprodução se traduz, “de forma simplificada”, em produção solar fotovoltaica descentralizada, é possível concluir que, em 2022, a partir de 1,052 GW, “foram gerados 1,2 TWh [neste âmbito]”. Quem o diz é Sofia Simões, coordenadora da Unidade de Economia de Recursos do LNEG, acrescentando que “já neste ano, e até Agosto de 2023, foram instalados mais 336 MW de solar fotovoltaico descentralizado, o que representa um acréscimo de 23 % face à capacidade existente no final de 2022”.

Apesar da “dinâmica grande do sector e a apetência para esta tecnologia”, como descreve a coordenadora, Jorge de Borges Araújo realça que, em 2023, a situação “desacelerou em termos de investimento, (…) em particular, no mercado industrial e de serviços”. Porquê? Sobretudo porque o preço da energia eléctrica, neste ano, tem estado a níveis bastante mais baixos, explica o especialista, que está convencido de que aquilo a que chama uma “ilusão de preços será certamente de curto prazo”.

Será que se pode voltar a acelerar? Para o presidente da APESE, basta olhar para os resultados do ano de 2022 – movidos pela “emergência dos privados” – para perceber que sim. E, embora a indústria seja um grande motor desta mudança, também os edifícios, onde já se “estão a fazer muitos investimentos”, são chamados a dar o seu contributo.

Alavancar o potencial do fotovoltaico em Portugal

“Portugal é um dos países europeus com maior exposição solar, pelo que tem uma vantagem competitiva enorme, (…) quando comparamos com outros países europeus mais desenvolvidos, inclusive”, argumenta Jorge Borges de Araújo.

Mas será que a exposição solar é suficientemente adequada em todo o país para justificar a implementação generalizada de sistemas fotovoltaicos? Para os especialistas, a resposta é positiva. Se é verdade que no Minho e no Algarve existem “diferentes exposições solares e valores de irradiância anuais”, que influenciam a produção de energia eléctrica, também é verdade que “em ambos os locais – e no país todo em geral – existem valores de recurso solar mais do que suficientes para justificar a instalação de painéis”, elabora Sofia Simões. Em última instância, e tendo por base um estudo do LNEG sobre o potencial técnico estimado de diferentes tecnologias de energia renovável em Portugal Continental, aquilo que determina o potencial técnico do solar fotovoltaico descentralizado não é a exposição solar, mas a área disponível para a instalação dos sistemas.

De acordo com o mesmo estudo, publicado em Julho de 2023, estima-se que Portugal Continental contemple um potencial técnico “de cerca de 18 GW para solar fotovoltaico em edifícios (residenciais, comerciais, de saúde, de ensino, de turismo, culturais e militares)”, de que 38 % está associado à região Norte e 31 % à região Centro, indica Sofia Simões, que colaborou na investigação do LNEG. Com parcelas menores, aparecem as regiões Lisboa e Vale do Tejo (16 %), Alentejo (9 %) e Algarve (6 %). Estas diferenças devem-se, sobretudo, “à distribuição da área edificada no país”, explica a especialista. “Estimamos que a maioria do potencial (9 GW) estará em prédios residenciais e de uso misto, seguindo-se as vivendas (7 GW), os edifícios de saúde, ensino, turismo, culturais e militares (aproximadamente 2 GW) e, por fim, os edifícios comerciais (1 GW).”

Para Sofia Simões, o cenário é claro. “Existe um enorme espaço para o crescimento do solar fotovoltaico em edifícios”, declara, apontando para a diferença entre a capacidade actualmente instalada, de 1,052 GW, e o valor estimado de potencial técnico, cerca de 18 GW, que, concretizado, poderia traduzir-se na produção de “cerca de 29 TWh/ano”. E é uma “estimativa relativamente conservadora”, nota.

Potencial económico e dificuldades de concretização

João Cardoso, que também participou na investigação do LNEG, reforça que “o potencial técnico apenas considera a capacidade que poderá ser instalada, e o aproveitamento de energia associado, tendo em consideração o recurso de energia primária disponível, as limitações tecnológicas associadas à sua conversão e as limitações geográficas, ambientais e de uso do solo específicas da tecnologia”. Na prática, isto significa que o potencial tecnológico deve ser encarado como “um limite máximo teórico determinado para o estado presente da tecnologia”. Para este especialista não basta, pois, ter sol, tecnologias eficientes e áreas viáveis para instalação. Além do potencial técnico, é ainda preciso pensar no potencial económico, “que reflecte a parcela do potencial técnico que é economicamente viável”, e no potencial de mercado, “que reflecte a parcela do potencial económico que os agentes de mercado conseguem efectivamente implementar”. Contas para as quais ainda não existem estimativas que nos possam ajudar.

“Em primeiro lugar, deverá haver uma política a longo prazo, estável, que premeie quem invista e quem esteja efectivamente a investir na transição energética e na descarbonização, por exemplo, pela via de redução da carga fiscal.”

Jorge Borges de Araújo

Sabe-se, no entanto, que existem desafios e muitas dificuldades na concretização do potencial do fotovoltaico nos edifícios. Para os consumidores residenciais, as principais condicionantes consistem em questões como a capacidade de investimento das famílias, o esforço e o tempo associados à procura por um “bom fornecedor num mercado muito dinâmico”, o desconhecimento dos processos burocráticos necessários e a dificuldade de garantir o acordo de uma associação de moradores, do condómino ou do senhorio”, destaca Sofia Simões. Em edifícios da administração pública, “sobretudo central”, as barreiras existem a nível da disponibilidade orçamental. Os edifícios de grande dimensão, embora possam ser afectados em menor medida no sentido em que os gestores possuem, tendencialmente, uma maior capacidade interventiva e uma “percepção mais evidente das poupanças de custos com electricidade”, também se deparam com alguns obstáculos. “Mesmo aqui surgem dificuldades relacionadas com a celeridade dos processos burocráticos associados”, aponta a investigadora do LNEG.

Desbloquear o potencial da tecnologia fotovoltaica – e, por consequência, projectos de, pelo menos, autoconsumo – depende, assim, da atenuação ou resolução destes desafios. “Em primeiro lugar, deverá haver uma política a longo prazo, estável, que premeie quem invista e quem esteja efectivamente activo na transição energética e na descarbonização, por exemplo, pela via de redução da carga fiscal”, defende Jorge Borges de Araújo. O presidente da APESE clarifica que a ideia é favorecer políticas de incentivo ou premiação, em vez de políticas de obrigação e penalização. “Estas últimas têm resultados muito menos rápidos”, argumenta.

Agilizar processos

Aliada a um investimento carregado de “urgência e emergência, não só pela questão das alterações climáticas, mas também por uma questão de segurança de abastecimento energético e de estabilidade de preços”, há uma segunda estratégia apontada por Jorge Borges de Araújo e passa por “garantir processos menos burocráticos, rápidos, que não desincentivem quem quer investir”. Do lado da DGEG, afirma, será preciso reforçar os recursos para que a gestão possa ser feita em tempo útil, seja ela realizada directamente pela DGEG ou suportada por parceiros. “Não faz sentido continuarmos a ter processos longos, às vezes sem fim à vista, relacionados com licenciamentos, em particular, para sistemas acima de 1 MW”, critica o responsável. A par desta necessidade, indica outra relacionada com os processos associados às comunidades de energia, que “terão de ter os sistemas digitais e a interligação com a E-REDES de forma automatizada, rápida e ágil”. “Com a tecnologia existente actualmente no mercado, não se percebe como é que isto pode ser ainda um problema que limita a performance e cria burocracias desnecessárias”, acrescenta.

À política de incentivos e à agilização de processos, junta-se uma terceira medida: “definir bem se – e quando – vai ser disponibilizado financiamento com subvenções a fundo perdido. Não podemos estar anos à espera da saída de avisos ao financiamento e outros tantos à espera de verbas após o anúncio público”, remata o presidente da APESE, reiterando que muitos destes projectos são rentáveis, “havendo financiamento privado disponível para o efeito”.

Integrar o fotovoltaico nos edifícios: respostas da tecnologia

Até há uns anos, instalar um ou mais equipamentos de energia fotovoltaica num edifício era uma tarefa associada, sobretudo, às coberturas e, eventualmente, a parcelas de terreno localizadas nas proximidades. Em tempos mais recentes, essa imagem tem vindo a ganhar novos contornos, com a presença de aplicações fotovoltaicas em fachadas, varandas, clarabóias, pérgulas e até pisos e peças mobiliárias. A fachada de um moderno edifício de escritórios no município de Oldenzaal, nos Países Baixos, o conjunto de janelas fotovoltaicas transparentes num campus universitário de Michigan, nos Estados Unidos, uma varanda de um apartamento na cidade suíça de Berna, eventualmente já com um sistema modular de armazenamento de energia eléctrica, uma clarabóia no hotel Neya do Porto, uma pérgula em Barcelona, um piso de uma entrada para uma garagem em Budapeste ou até uma mesa exterior que integra fotovoltaico na Alemanha são exemplos dessa transformação.

“Uma integração [do fotovoltaico] de qualidade começa no projecto do próprio edifício, do ponto de vista arquitectónico. É necessário, por isso, que os arquitectos conheçam a energia fotovoltaica e a queiram integrar no projecto, mas também é necessário que existam produtos que possam ser integrados harmoniosamente.”

João Serra

No entanto, neste contexto, é importante distinguir dois tipos de aplicação fotovoltaica na estrutura dos edifícios – BAPV [Building Applied Photovoltaic System] e BIPV [Building-Integrated Photovoltaics] –, alerta João Serra. “BAPV refere-se a sistemas que são adicionados aos edifícios e BIPV refere-se à utilização/integração de módulos fotovoltaicos em substituição de elementos de construção”, explica o especialista. E, decorrente desta distinção, João Serra salienta que “temos visto muitas aplicações de BAPV”, mas que “a verdadeira integração arquitectónica do fotovoltaico ainda está a começar”.

Com os primeiros passos a serem dados, João Serra realça que assegurar uma sinergia adequada implica pensar “por partes”. Pensar em soluções de instalação de sistemas fotovoltaicos em edifícios antigos ou históricos não será o mesmo que pensar neste processo para edifícios modernos. No caso dos primeiros, que “não podem receber tais sistemas nas fachadas, obviamente”, há a possibilidade de encontrar “soluções nas coberturas, sob a forma, por exemplo, de telhados solares com cores adequadas”. Quanto aos edifícios mais modernos, tanto as coberturas como as fachadas são alternativas potencialmente viáveis (salvaguardando que não haja sombras de outros edifícios a limitarem esta aplicação, por exemplo). E, “à medida que os custos dos módulos vão baixando”, os sistemas BIPV podem também tornar-se “mais interessantes”, até pela dupla função que conseguem desempenhar. Ilustrando, João Serra diz que uma fachada de vidro feita com recurso a módulos fotovoltaicos terá como funções “proteger e produzir energia”.

Todas estas aplicações podem ajudar a combater uma das limitações da aplicação do fotovoltaico no parque edificado, a mesma identificada no estudo do LNEG, que diz respeito à área disponível nas coberturas artificializadas. “A possibilidade [de equacionar a aplicação da tecnologia também em fachadas] não foi considerada no estudo do LNEG, que focou apenas as coberturas”, esclarece Sofia Simões, reforçando, no entanto, que essa aplicação “fará sentido (…), especialmente para edifícios novos”.

É, aliás, com estas tecnologias e com a urgência das transições energética e climática no cerne da agenda europeia, que a Estratégia da UE para a energia solar, integrada no plano REPowerEU, aborda os BIPV como “formas inovadoras de implantação” de energia solar fotovoltaica nos edifícios, “muito além das coberturas e das zonas de estacionamento”, lê-se no documento. “[Os BIPV] constituem um produto de construção, permitindo ao mesmo tempo produzir energia eléctrica solar a partir de maiores superfícies. [Não obstante,] Apesar das recentes reduções de custos, o potencial deste sector, com as economias de escala que lhe estão associadas, continua por explorar, na pendência da sua integração no sector da construção”.

Não é, pois, utópico pensar numa maior integração fotovoltaica na estrutura dos edifícios, e, como tal, será útil reflectir sobre como é que esta integração poderá ser feita de forma adequada. Além de fornecer orientações às autoridades locais sobre como lidar com o licenciamento dos BIPV, como sugere a estratégia europeia, desbloquear esta aplicação na UE também passa, na visão de João Serra, por “uma integração de qualidade que começa no projecto do próprio edifício, do ponto de vista arquitectónico. É necessário, por isso, que os arquitectos conheçam a energia fotovoltaica e a queiram integrar no projecto, mas também é necessário que existam produtos que possam ser integrados harmoniosamente – é esta última parte que mais precisa de se desenvolver”. “Não podemos pegar em módulos fotovoltaicos standard, com uma forma rectangular, e querer, com isso, fazer integração arquitectónica relevante”. A indústria do fotovoltaico, “agora a começar a dar resposta a este mercado crescente”, terá de aportar valor com módulos de “várias formas e cores, susceptíveis de serem encurvados ou de serem semi-transparentes”.

Uma estratégia solar para as cidades

Os edifícios têm-se assumido como protagonistas na transformação sustentável das cidades, cidades que se querem descarbonizadas, mais auto-suficientes e resilientes. E o fotovoltaico aplicado aos edifícios, ou nas proximidades, é uma peça-chave do puzzle desta ambição, contribuindo, no contexto europeu, para alavancar as metas da Estratégia da UE para a energia solar, como também as das directivas europeias sobre o desempenho energético dos edifícios (EPBD) e sobre as energias renováveis (que visa alcançar, nos edifícios, 49 % de energia renovável no consumo de energia até 2030). “É precisamente esta vertente descentralizada que é muito interessante do ponto de vista das cidades e da sua descarbonização”, realça João Cardoso. É nesta dimensão que se pode “consubstanciar o aproveitamento de áreas já existentes, artificializadas, para a geração local de energia eléctrica, quer a título individual – um proprietário de uma casa, de um estabelecimento comercial, de um edifício de serviços, etc. –, quer ao nível das comunidades de energia”. E estas últimas, pela sua natureza, podem apresentar-se como uma “figura de grande interesse”, já que poderão “contribuir para ultrapassar barreiras à implementação de sistemas fotovoltaicos sentidas pelas famílias e pelos indivíduos”.

No fundo, estamos a falar de democratizar a produção de energia eléctrica; porém, o argumento em favor do fotovoltaico vai além do autoconsumo, das comunidades de energia ou do prosumerism, já que entra também em jogo a questão ambiental. Ao emitir “menos 96 % de CO2 do que a queima de carvão e menos 95 % do que o gás natural”, adiciona João Serra, o fotovoltaico é uma tecnologia importante num contexto em que as cidades, responsáveis por “cerca de 60 a 70 % das emissões de CO2”, registam um crescimento populacional.

E o solar térmico? O potencial dos sistemas híbridos

Enquanto o compasso político orienta no sentido da adopção do fotovoltaico e o estudo do LNEG aponta para um potencial por explorar, é de notar, ainda assim, que outras tecnologias também integram a visão europeia do futuro da energia nas cidades. A própria estratégia solar, como o nome indica, abrange tanto painéis fotovoltaicos como colectores solares térmicos, cuja relação é, por vezes, discutida. “Não obstante converterem a radiação solar em dois vectores energéticos distintos – electricidade e calor –, existe uma competição entre as tecnologias de conversão da radiação solar por via solar fotovoltaica e por via térmica. Utilizam o mesmo recurso primário e, como tal, irão competir pelo mesmo espaço físico, por exemplo, as coberturas dos nossos edifícios”, sublinha João Cardoso.

No entanto, para este investigador do LNEG, o painel fotovoltaico e o colector solar devem “ser entendidos como tecnologias complementares e não concorrentes”, porque as políticas europeias apontam para “a necessidade de um mix de tecnologias verdes” e o próprio solar térmico também está a crescer.

“As tecnologias solares térmicas deverão ser utilizadas sempre que possível técnica e financeiramente para a produção de calor, reservando os sistemas solares fotovoltaicos para a geração de electricidade para utilização noutros fins.”

João Cardoso

Nesse sentido, parte da resposta poderá passar por investir em soluções híbridas. “É o caso dos colectores fotovoltaicos-térmicos (PVT), que convertem a radiação solar simultaneamente em energia eléctrica e calor útil”, exemplifica João Cardoso. Pedro Dias, Policy Advisor da Solar Thermal Europe, em entrevista (pg. 28), diz que esta solução poderá “chegar a ter uma eficiência de 90 %”.

Mesmo sem recurso a soluções híbridas, João Cardoso reitera que a relação deve ser de complementaridade. Na sua visão, a produção de calor (para águas quentes sanitárias, AQS) deve ser assegurada por tecnologias solares térmicas “sempre que possível técnica e financeiramente (…), reservando os sistemas solares fotovoltaicos à geração de energia eléctrica para utilização noutros fins”. A razão para isto, argumenta o especialista, tem a ver com o seguinte: “os sistemas solares térmicos fornecem entre duas a três vezes mais energia por unidade de área de abertura do que os sistemas solares fotovoltaicos, sendo uma das tecnologias mais competitivas em termos do custo do calor fornecido. (…) Este factor é muito relevante, sobretudo em edifícios multifamiliares, (…) [onde] a utilização de um sistema solar térmico permitirá suprir uma maior fracção das necessidades de calor do edifício.”

“Note-se que a utilização de bombas de calor associadas a sistemas fotovoltaicos permite aumentar a geração de calor por unidade de electricidade gerada por via fotovoltaica, compensando parcialmente o menor rendimento dos módulos fotovoltaicos face aos colectores solares térmicos, no entanto, tem a desvantagem de aumentar o custo do sistema e da energia gerada”, destaca João Cardoso.

Além disso, o especialista em energia solar térmica, solar de concentração e fotovoltaico aponta também para o facto de o solar térmico ter várias aplicações para além do fornecimento de calor em sistemas de baixa (sobretudo AQS) ou baixa e média temperatura (para a indústria), como exemplificam as centrais de solar de concentração. “Esta [última] é uma aplicação onde também existe um grande potencial sinérgico com as tecnologias solares fotovoltaicas, bem como com outras fontes renováveis de energia variáveis”, contribuindo para aumentar a incorporação renovável na rede eléctrica, adiciona.

Criar sinergias, apostar em armazenamento e outras soluções são os caminhos a fazer. “Relativamente à tecnologia, esta mantém uma evolução normal, isto é, a tendência de aumento da potência dos painéis mantém-se de forma gradual. Por outro lado, começa a fazer cada vez mais sentido pensar em investimentos que possam incluir baterias, carregadores eléctricos, comunidades de energia, sistemas digitais mais evoluídos, bem como o facto de se poder incluir a venda de excedente à rede, optimizando o investimento”, refere Jorge de Borges Araújo.

A pegada ambiental

Em paralelo, e pensando num contexto em que eficiência energética, pegada carbónica e economia circular se cruzam, é de referir que o sector também tem avançado no sentido de procurar ser mais sustentável. Embora não produza emissões de CO2 durante a operação, o fotovoltaico tem uma pegada carbónica associada aos módulos, que se deve “essencialmente aos processos de fabrico das células de silício e aos materiais que são usados nos contactos eléctricos e na moldura do módulo”, indica João Serra. Segundo o professor, apesar de esta pegada ser já compensada com “três anos de operação”, o sector tem apostado no estudo de vários materiais alternativos ao silício e de processos simplificados e mais eficientes. Outra estratégia tem sido “o desenvolvimento da tecnologia numa perspectiva de economia circular, onde a reciclagem dos módulos tem um papel importantíssimo, à medida que o número de módulos fotovoltaicos instalados vai crescendo”, conclui.

 

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 150 da Edifícios e Energia (Novembro/Dezembro 2023).