Artigo publicado originalmente na edição de Janeiro/Fevereiro de 2023 da Edifícios e Energia

No projeto de novos edifícios, ou nas suas remodelações, os materiais usados são escolhidos normalmente em função do seu desempenho, da sua durabilidade, do seu custo e, sempre que aplicável, do seu aspeto e das suas considerações estéticas. A arquitetura escolhe, o cliente gosta ou não gosta; nem sempre se procura o mais barato, mas o preço ajuda muito na escolha. O mesmo para o mobiliário e demais decorações interiores, onde nem sequer o critério “preço” é o fator sempre decisivo. Poucos pensam se a madeira que usam é sustentável ou veio de árvores que estão sob esquemas de proteção. Quem pensa na pegada ecológica (ou sabe sequer o que é pegada ecológica) ao escolher os materiais que entram na habitação ou no seu escritório? Muito poucos.

Em breve, este paradigma vai ter de mudar. A meta de descarbonizar o setor dos edifícios não pode limitar-se à eletrificação e ao uso de energia renovável na sua operação. A energia embebida nos materiais de construção usados nos edifícios vai passar a ter de ser contabilizada. Tudo o que se produz tem uma pegada de carbono – começando na mina onde se recolhem as matérias-primas, continuando no transporte das mesmas até ao local de transformação e produção do cobre ou do aço (ou do lítio), depois, no fabrico do produto final que vai para o local da construção e no seu transporte até lá, e, no final da sua vida, na própria desconstrução do edifício, que, numa ótica de economia circular intimamente ligada à sustentabilidade e à descarbonização, obrigará desejavelmente à reciclagem de todos (ou quase todos) os materiais usados. As toneladas de lixo que seguem para aterro têm de diminuir drasticamente. Mas isso obrigará também a que os materiais usados mudem e tenham reutilização possível, mediante reciclagem, no fim da sua vida útil.

Pensando nos materiais mais usados nos edifícios em Portugal, sobressaem o betão, o tijolo e o vidro, bem como a madeira e outros derivados. Com exceção da madeira, que pode ter pequena pegada (mas não nula), os outros, bem como o alumínio, que cada vez mais tende a desaparecer dos envidraçados, têm uma enorme pegada de carbono. Só o cimento corrente produz quase 1 Kg de CO2 por cada Kg de cimento produzido. Com as toneladas de cimento usadas num edifício, não é muito difícil ver que a construção tem um impacto decisivo no balanço das emissões durante a sua vida útil. A quantidade de carbono que esse edifício tem de compensar só por ser construído, seja por renováveis, seja por medidas de sequestração, é um desafio de dimensão assustadora. Claro que as cimenteiras e os produtores de outros materiais de construção estão a desenvolver alternativas mais “verdes” para o cimento, reduzindo a sua pegada de carbono, mas ainda estamos bastante longe de podermos usar unicamente materiais verdes nos edifícios. A única forma de não ter uma pegada significativa de carbono num edifício novo é não o construir. Portanto, descarbonizar o setor dos edifícios, considerando todo o seu ciclo de vida, e não contabilizar apenas a energia usada durante a sua fase de utilização, com a eletrificação e o recurso a energias renováveis, torna-se uma meta ainda mais difícil e, provavelmente, mais longínqua de atingir, no sentido “literal” estrito da palavra “descarbonização”.

Mas a descarbonização tem mesmo de ser vista numa ótica de balanço nulo global, isto é, para ser atingida a 100 %. Após a construção do edifício, terá de ser feita a sequestração do carbono equivalente ao libertado para a atmosfera durante todo o ciclo de vida de cada material de construção utilizado, por exemplo, via florestas bem geridas, recorrendo a outras soluções de sequestração mais tecnológicas, muitas delas ainda em via de desenvolvimento e inovação, ou através da captação de energias renováveis em excesso das necessidades do edifício – os ditos edifícios de energia positiva. Mas será muito difícil, ou mesmo impossível, que esta última componente possa, só por si, compensar a 100 % a energia embebida nos materiais e no processo de construção, a menos que haja uma mudança radical na sua pegada ecológica. São precisos novos materiais mais verdes e novos processos de transporte e de construção. Em suma, muito investimento em investigação, desenvolvimento e inovação no setor.

A próxima versão da Diretiva Europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD), para a qual parece já haver acordo político na União Europeia (UE) e que se espera que entre em vigor em 2023, vai obrigar os Estados-Membros da UE e, portanto, também Portugal, a fazerem uma contabilização da energia embebida e a adotarem mecanismos para sua quantificação e mitigação.

Se a nova EPBD for transposta de forma credível e obedecendo aos objetivos anunciados, terá mesmo de haver uma mudança de paradigma nos critérios de seleção e incorporação de materiais nos novos edifícios e nas operações de renovação. Obviamente, o mercado irá, então, adaptar-se e “oferecerá” materiais mais “verdes” (com menor pegada de carbono) e formas de compensação do carbono incorporado, desejavelmente cada vez mais pequeno e certamente muito mais pequeno do que na atualidade.

Desconhecem-se os detalhes das políticas que irão ser adotadas por cada Estado-Membro. Serão certamente muito distintas de país para país: algumas mais ambiciosas, exigentes, e para serem implementadas rapidamente e bem; outras para fazer de conta que o problema está a ser considerado e escrito na Lei, mas não sendo implementadas, na realidade, quaisquer medidas significativas.

Um indicador da dificuldade em chegar a acordo na UE, que normalmente leva ao enfraquecimento das obrigações para se chegar a um compromisso que a todos satisfaça e permita fugas legais, é ver que a aprovação da EPBD é a última do pacote de diretivas a ser aprovado no âmbito do Fit for 55, já depois das Diretivas das Renováveis e da Eficiência Energética, e com mais de um ano de atraso relativamente ao calendário programado pela Comissão Europeia. Isto não é prognóstico de nada de bom a nível da exigência da nova EPBD ou da vontade de implementação eficaz e efetiva em alguns países.

Esperemos que Portugal esteja no primeiro grupo de países – aquele que vai realmente tomar medidas que visem reduzir a pegada carbónica dos materiais usados na construção –, mas só o saberemos daqui a, pelo menos, mais dois anos, quando for feita a transposição para a legislação nacional. Se a nova EPBD for transposta de forma credível e obedecendo aos objetivos anunciados, terá mesmo de haver uma mudança de paradigma nos critérios de seleção e incorporação de materiais nos novos edifícios e nas operações de renovação. Obviamente, o mercado irá, então, adaptar-se e “oferecerá” materiais mais “verdes” (com menor pegada de carbono) e formas de compensação do carbono incorporado, desejavelmente cada vez mais pequeno e certamente muito mais pequeno do que na atualidade. Caso contrário, pode manter-se o statu quo de continuarmos a construir da mesma forma, com materiais muito semelhantes aos que usamos hoje.

Em Portugal, onde a inércia térmica é fundamental para o controlo ambiental no verão, e onde estamos muito habituados ao betão e ao tijolo na construção, a tarefa é mais difícil do que nos países do Norte, onde a construção de madeira é mais habitual. Passar a construir edifícios leves, sem inércia, não será certamente a melhor solução para Portugal, pois isso irá rapidamente provocar mais sobreaquecimentos no interior dos edifícios e as correspondentes maiores necessidades de ar condicionado. E isolar pelo interior elimina a inércia térmica, pelo que as soluções preferenciais para a reabilitação passam por manter a massa que confere a inércia térmica em contacto com o ambiente interior, usando, sempre que possível, tecnologias de isolamento pelo exterior. Portanto, precisamos mesmo de continuar a usar materiais pesados, mas produzidos com uma pegada carbónica cada vez mais baixa. E, neste aspeto, a nossa futura regulamentação deve ser realista e devidamente adequada à nossa realidade e ao nosso contexto técnico e climático.

Há estudos e projetos piloto no Reino Unido onde coexistem os convencionais materiais pesados (como o tijolo, tão tradicional nos edifícios mais antigos) e, na construção mais moderna, a madeira, o que mostra que é possível reduzir significativamente a pegada carbónica dos novos edifícios, recorrendo a novos materiais e a uma seleção muito cuidadosa de todos os materiais e processos construtivos. E é possível atingir a neutralidade carbónica, mas… com um período de retorno, isto é, o tempo necessário para atingir a neutralidade carbónica após a construção (a produção de renováveis que compense o carbono embebido na construção), que excede os 30 anos 1. Com uma construção convencional hoje e uma renovação “verde” ao fim de dez anos, a neutralidade não será atingida na vida útil do edifício. Ou seja, num e noutro caso, a meta de 2050 para a descarbonização parece ainda ser muito difícil. Notem, no entanto, que não digo que seja impossível, pois, por princípio, nunca digo que não há nada mais a inventar! Há um claro espaço importante e fundamental para muito desenvolvimento e inovação, que sei estarem em curso por todo o mundo. Temos de acreditar que será possível atingir este objetivo que a política europeia pretende ver concretizado até 2050. Nem que seja com um pequeno atraso (por exemplo, a China só se comprometeu fazê-lo para 2060)!

A construção ainda típica em Portugal tem uma enorme carga de carbono embebido.

Um outro aspeto relevante a considerar são os custos de construção. Os novos produtos com pegada carbónica reduzida são ainda bastante mais dispendiosos do que os materiais de construção tradicionais e convencionais. O mesmo estudo acima referido, com base no mercado do Reino Unido, estima um aumento do custo inicial do edifício em cerca de 50 % para o tal edifício sustentável que consegue a neutralidade carbónica cerca de 30 anos depois de concluída a construção.

Mas se os atuais edifícios já são caros e cada vez mais inacessíveis ao comum cidadão, pelo menos cá por Portugal, uma evolução no sentido pretendido só poderá agudizar a situação. Fica, no entanto, a esperança otimista, mas baseada em evidências e tendências do passado, que os novos produtos de baixa pegada de carbono, hoje muito caros, passem a ter custos idênticos aos atuais à medida que se tornem mais comuns e passem a ser produzidos em maior volume, obtendo economias de escala. Deixarão de ser um nicho de mercado e passarão a ser os materiais habituais. O volume do mercado permitirá baixar os seus custos por forma a que o custo inicial dos edifícios sustentáveis acabe por não ser demasiado afetado e, portanto, fique ao alcance da população em situação equivalente à atualidade. Por melhor que seja um produto– neste caso, um material de construção –, se o seu custo for incomportável, acaba por não ser comercialmente viável, logo, não será uma solução para a descarbonização do setor dos edifícios. As empresas que estão a investir no desenvolvimento de novos produtos com menos pegada carbónica pretendem certamente que estes sejam viáveis, já que desenvolver algo muito bom mas que não tem mercado não será evidentemente o que procuram. O objetivo tem de ser criar novos materiais a preços acessíveis e, portanto, adequados a conquistar mercado.

Para concluir, fica a ideia de que se aproxima uma pequena, ou grande, revolução, nos materiais de construção. Pode ser grande, se houver uma mudança drástica nos materiais novos que venham a ser desenvolvidos e que substituam a forma de construir. O impacto pode ser menor, se forem desenvolvidas alternativas semelhantes, mas com muito menor pegada de carbono (por exemplo, um cimento “verde” que permita continuar a usar o betão e ao mesmo tempo a desejada descarbonização). Mas não resta a mínima dúvida de que, num futuro não muito distante, vamos ter de ter mais atenção aos materiais de construção e, por consequência, às tecnologias de construção, tendo em conta a meta da descarbonização do setor até 2050! Isto, claro, se a meta da descarbonização for mesmo para cumprir e não apenas uma promessa para Bruxelas ver…

 

1 – Jankovic, Ljubomir, Purvesh Bharadwaj e Silvio Carta, 2021. “How Can UK Housing Projects Be Brought in Line With Net-Zero Carbon Emission Targets?” Frontiers in Built Environment 7 (November): 754733. https://doi.org/10.3389/fbuil.2021.754733

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.