Autores: Consórcio Ponto de Transição, AREANATejo e AdEPorto.

Fotografia de destaque: ©Francisco Teixeira/CMM

Estima-se que cerca de 20 % da população portuguesa (DGEG, 2022) esteja em risco de pobreza energética. A falta de conforto térmico nas habitações posiciona Portugal como o quinto país da União Europeia com maior percentagem de população afetada. A criação de infraestruturas de proximidade às comunidades – como os balcões únicos ou as one-stop-shops – vai surgindo como uma das medidas para debelar este problema complexo com fortes impactos sociais. Conheça em detalhe alguns dos espaços físicos e virtuais existentes em Portugal para a promoção da renovação energética de edifícios.

A pobreza energética define-se como a incapacidade de as pessoas garantirem os serviços energéticos essenciais nos seus alojamentos a custos comportáveis, e é um problema social que afeta milhões de pessoas na União Europeia (UE). Este é um fenómeno que internaliza em si uma série de causas complexas e variadas, como os baixos salários, os elevados preços de energia e a baixa eficiência energética do edificado e dos equipamentos.

Se se considerarem as diferentes dimensões da pobreza energética – como a dificuldade no pagamento de contas, a incapacidade de aquecer a casa no inverno e arrefecer no verão, as habitações ineficientes e com problemas de bolor, humidades e infiltrações –, estima- -se que se encontrem atualmente sob esta condição entre 35 e 100 milhões de europeus.

Em Portugal, dados de 2021 revelam que 16,4 % da população reporta incapacidade de manter a habitação adequadamente quente, sendo Portugal o quinto país da UE com uma maior percentagem da população afetada (EUROSTAT, 2022). Um quinto da população (2020) revela que vive em habitações com presença de infiltrações, humidade e bolores, [colocando o país] apenas atrás do Chipre (EUROSTAT, 2021), e cerca de 20 % das habitações têm direito a uma tarifa social para ajudar no pagamento das contas de energia (DGEG, 2022). Adicionalmente, Portugal apresentou em 2021 um índice de Gini de 33,0 %, o que nos torna um dos países europeus com maior desigualdade de rendimentos, a sexta pior posição da UE27, [uma diferença de] 2,8 % face a [média da] UE27 (PORDATA, 2022).

Coeficiente de Gini

O coeficiente de Gini mede, numa escala entre zero e 100, a desigualdade na distribuição do rendimento da população. O coeficiente de Gini teria o valor mínimo de zero caso toda a população ficasse com o mesmo rendimento e o valor máximo de 100 caso todo o rendimento fosse para a mesma pessoa.
 

Correlacionando estes vários indicadores, Portugal posiciona-se como um dos três países com maior vulnerabilidade à pobreza energética, principalmente devido à incapacidade de manter temperaturas de conforto térmico nas habitações, estimando-se que entre dois e três milhões de portugueses sejam especialmente vulneráveis a este problema. Os elevados números têm suscitado maior atenção por parte dos média e dos decisores políticos.

Devido às grandes diferenças sociais e geográficas associadas à distribuição da pobreza energética na UE e dentro de cada país, as políticas e iniciativas destinadas à sua mitigação deverão ter uma génese regional ou local, sendo, contudo, apoiadas e enquadradas a nível nacional.

Não obstante avanços nacionais em termos de planos (como o PNEC 2030), estratégias (por exemplo, a proposta de Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética, cuja consulta pública foi recentemente finalizada [entretanto foi aprovada]) e financiamentos à escala nacional resultantes do Plano de Recuperação e Resiliência, a atuação da administração central na prossecução dos objetivos de redução [da pobreza energética] e das estratégias e iniciativas envidadas à escala regional e local [com esse fim] pode ter um impacto acrescido.

Assim, se, por um lado, a relação de maior confiança e proximidade com as populações e a experiência e informação à disposição dos governos e das organizações locais são elementos que capacitam estes agentes para uma melhor identificação de situações de vulnerabilidade e um relevante poder de atuação, por outro, o suporte de uma estratégia nacional de mitigação da pobreza energética que preveja a implementação de medidas reais e com impactos práticos significativos na vida das pessoas, coordenada de forma suprarregional, é fundamental para a consolidação de uma abordagem coerente.

O papel das one-stop-shops e o foco no edificado

O setor dos edifícios é responsável por cerca de 40 % do consumo final de energia na Europa – e por cerca de 30 % em Portugal. Neste contexto, a reabilitação de edifícios pode trazer benefícios económicos e financeiros ao mesmo tempo que melhora a saúde e o bem-estar dos residentes e das comunidades, contribuindo, assim, para as metas e para os objetivos de eficiência energética.

Como parte do novo pacote Fit for 55, da Comissão Europeia, foi publicado um conjunto de propostas políticas para reduzir as emissões em 55 % até 2030, incluindo a revisão da Diretiva de Eficiência Energética da UE. A nova versão exige mais ações que apoiem o desenvolvimento do mercado e estimulem o papel dos intermediários de mercado, como os balcões únicos – one-stop-shops (OSS).

De acordo com um estudo publicado pelo Joint Research Centre, da Comissão Europeia, as OSS podem ser a solução integrada que ajuda os cidadãos a ultrapassarem as dificuldades inerentes a um processo de reabilitação fragmentado e complexo (com necessidade de intervenção de várias entidades), que, muitas vezes, requer capacidade financeira e conhecimento técnico significativos à escala residencial. As OSS podem, neste contexto, desempenhar um papel importante como centros de aconselhamento e informação, agregando vários serviços num único local, ajudando cidadãos, projetistas e empreiteiros a planearem obras de reabilitação em todos os seus aspetos.

A partir das múltiplas experiências existentes na Europa (dados de 2020 indicam que existiriam cerca de 60 OSS operacionais por toda a Europa), existem evidências claras de que o conceito de OSS pode contribuir de forma significativa não só para a descarbonização do edificado existente, mas, em particular, para o apoio às comunidades mais vulneráveis, auxiliando-as com aconselhamento técnico-financeiro.

Os modelos de negócio das OSS podem ser variados no que concerne aos modelos de governance, esquemas financeiros e/ou operacionais.

A nível europeu, a OSS pode ser a solução integrada que ajuda efetivamente proprietários e inquilinos a ultrapassarem dificuldades e a iniciarem um processo de renovação de edifícios no setor residencial, oferecendo soluções holísticas.

Casos de estudo nacionais

Ponto de Transição

Neste âmbito e na sua estratégia de promoção da sustentabilidade, a Fundação Calouste Gulbenkian promove o projeto Ponto de Transição, que assenta num modelo inovador de ações de proximidade ao nível do município ou da freguesia. Fá-lo em parceria com a ENA – Agência de Energia e Ambiente da Arrábida, o CENSE – Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (da FCT-NOVA, da Universidade Nova de Lisboa) e a RNAE – Associação das Agências de Energia e Ambiente. O projeto conta também com parcerias com os governos locais por onde tem passado (concelhos de Setúbal, Palmela, Sesimbra).

Espaço do projeto Ponto de Transição, um contentor marítimo reutilizado e transformado numa OSS móvel. ©Consórcio Ponto de Transição

O projeto Ponto de Transição visa apoiar as famílias na melhoria do desempenho energético das suas habitações e na redução das suas despesas com energia, funcionando num contentor marítimo reutilizado e transformado num espaço de atendimento presencial, que pode ser deslocado entre municípios, consoante as necessidades do projeto. Inspirado no modelo one-stop-shop, num único local, disponibilizam-se vários serviços a título inteiramente gratuito, incluindo os seguintes:
• Aconselhamento sobre faturas de eletricidade e gás (por exemplo, sobre potências contratadas, tarifários, comercializadores);
• Avaliação energética das habitações para identificação de oportunidades de melhoria recorrendo a “agentes de transição”, selecionados entre a comunidade local e formados especificamente para prestarem apoio e aconselhamento em áreas que contemplam conceitos básicos de energia, contabilidade energética, tipos de equipamentos consumidores de energia e boas práticas;
• Informação sobre financiamento público para a renovação energética das habitações e apoio ao preenchimento de candidaturas (por exemplo, informação sobre o programa Vale Eficiência).

O Ponto de Transição esteve já localizado junto ao edifício da junta de freguesia do Sado, no concelho de Setúbal, tendo anteriormente estado presente em várias localidades dos concelhos de Palmela e Sesimbra. O projeto-piloto Ponto de Transição teve um tempo de duração de 18 meses, prazo esse que terminou no final do mês de junho de 2023. Neste momento, encontra-se a ser elaborado o relatório de impacto. Brevemente, serão apresentados os resultados sistematizados, tangíveis e intangíveis, do projeto. Em simultâneo, será disseminado um Policy Brief por forma a aumentar a consciencialização para a problemática social associada à pobreza energética com o objetivo de incluí-la na agenda das políticas públicas. Mais informações sobre o Ponto de Transição podem ser consultadas aqui.

OSS regional do projeto EUROPA

O EUROPA é um projeto cofinanciado no âmbito do programa Horizonte 2020, coordenado pela região de Piemonte (Itália) e que conta com mais oito parceiros europeus, um deles a AREANATejo, que procurou implementar as ações previstas nos municípios pertencentes à sub-região do Alto Alentejo. Entre essas ações, destaca-se a criação de um balcão único regional, uma OSS oficialmente estabelecida no final de 2021 com o objetivo de auxiliar a implementação de medidas de melhoria em termos de eficiência energética e conforto térmico nos edifícios residenciais no Alto Alentejo.

Visita a intervenções em edifícios de habitação social, no concelho de Alter do Chão, promovida no âmbito do projeto EUROPA.

A renovação energética das habitações é uma jornada que nem todos os proprietários querem fazer, seja por razões financeiras, seja por falta de conhecimento técnico, ou ainda por falta de informação. Face a essa situação, o projeto EUROPA (de forma geral) e a OSS regional criada pela AREANATejo (de forma particular) mostraram que a renovação pode ser feita por todos e para todos: proprietários de habitações, condomínios, operadores de mercado, autoridades locais.

Localizada em Portalegre, nas instalações da AREANATejo, a OSS funciona numa vertente virtual e física (presencial) [e é um espaço] onde os proprietários podem apresentar diretamente as necessidades que os seus edifícios possuem, a fim de ser dado o apoio técnico especializado nas seguintes áreas relacionadas com a temática da eficiência energética e da melhoria do conforto térmico:
• Identificação, recolha e análise de dados e elementos relacionados com os consumos e custos energéticos (análise das faturas de energia elétrica, de gás ou de outras fontes de energia existentes) nos edifícios identificados pelos proprietários, incluindo a realização de visitas técnicas necessárias à prossecução dos objetivos do trabalho;
• Identificação das medidas de melhoria a considerar como prioritárias com vista a uma melhoria da eficiência energética do edifício e, não menos importante, do seu conforto térmico, sendo [estas] suportadas pela elaboração de um diagnóstico energético;
• Preparação da intervenção através da elaboração de tarefas de assessoria relacionadas com a instrução/implementação das medidas identificadas (especificações técnicas, procedimentos e acordos contratuais-padrão, que garantam poupanças de energia através da renovação profunda de edifícios residenciais) numa estreita articulação com os stakeholders que estejam, previamente, capacitados para a implementação das medidas necessárias;
• Identificação dos mecanismos de financiamento disponíveis para a implementação das medidas;
• Acompanhamento de todo o processo, numa vertente transversal a todas as tarefas.

Instalações da OSS regional da AREANATejo.

Para além disso, e tendo em consideração a relação de proximidade com os 15 municípios do distrito de Portalegre (associados da AREANATejo), é de referir também o trabalho potenciado pela OSS Regional ao nível da renovação energética de edifícios sob a responsabilidade direta dos municípios e afetos à habitação social. Para a AREANATejo, é muito gratificante poder implementar, na sua área de intervenção, um projeto de apoio à eliminação de barreiras à eficiência energética e que contribui para a mitigação da pobreza energética numa região que apresenta um elevado nível de vulnerabilidade à pobreza energética, esperando que inspire outras entidades e incite a replicação.

No seu âmbito, a AREANATejo celebrou Protocolos de Cooperação com sete municípios pertencentes à sua área de atuação para [garantir] assistência técnica com vista ao início de intervenções profundas de reabilitação energética em 209 edifícios de habitação social. [Isto] Tudo somado corresponde a investimentos desencadeados na ordem dos 6,3 milhões de euros, a uma redução do consumo em cerca de 2 GWh e a um valor de poupança na ordem dos 300 mil euros.

A constituição da OSS regional foi muito importante ao nível da identificação de todos os stakeholders envolvidos no processo de renovação e na avaliação da sua interação, da sua influência e do seu interesse, tirando vantagens da rede existente, fomentando o networking e contribuindo para maiores poupanças de energia na sub-região do Alto Alentejo. Mais informações acerca do projeto EUROPA disponíveis em aqui.

Porto Energy Hub

Coordenado pela Agência de Energia do Porto em colaboração com a RdA Climate Solutions, a S317 Consulting e a Telles Advogados, o Porto Energy Hub (PEH) é uma OSS física e on-line implementada no âmbito do projeto Porto Energy ElevatoR. O objetivo do serviço é aconselhar e apoiar os cidadãos e outras entidades (como gestores de habitação social, municípios, empresas, etc.) da Área Metropolitana do Porto a norte do rio Douro na implementação de medidas de eficiência energética e de produção renovável nas habitações.

©Francisco Teixeira/CMM

O PEH foi criado para abordar uma das barreiras mais relevantes à reabilitação sustentável, eficaz e inclusiva de edifícios: a fragmentação da cadeia de valor, que contribui para a perceção negativa que os cidadãos têm acerca da renovação dos edifícios, que é considerada como complexa e dispendiosa. Neste contexto, o PEH estabelece-se como uma ferramenta de ação local ao permitir que, num único ponto de contacto, vários serviços e dimensões envolvidos na reabilitação de edifícios, que vão desde a informação, até à assistência técnica, ao aconselhamento e ao apoio financeiro, bem como à monitorização da poupança energética após a conclusão da obra, estejam concentrados num único serviço.

A funcionar on-line e fisicamente no município do Porto desde setembro de 2022, com mais dois balcões únicos a funcionarem nos municípios de Matosinhos e Valongo (Matosinhos Energy Hub; Valongo Energy Hub) e dois novos balcões prontos a inaugurar nos municípios de Trofa e Maia, o projeto apoiou, à data, mais de 150 cidadãos. Privilegiando uma lógica de proximidade, os balcões do Porto Energy Hub estão situados nos locais de atendimento municipais.

A par deste apoio a cidadãos, o projeto Porto Energy Hub tem também vindo a providenciar apoio técnico a municípios no âmbito da reabilitação energética de edifícios da habitação social. À data, este apoio resultou em investimentos de 10,8 milhões de euros, estando mais 7,4 milhões de euros em pipeline.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº149 da Edifícios e Energia (Setembro/Outubro 2023)

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.