Passo a passo, o sector dos edifícios caminha no sentido da economia circular. Ainda são muitos os desafios, dizem os especialistas, mas para auxiliar uma visão de ciclo de vida do edifício e dos seus componentes já começam a aparecer metodologias e ferramentas. Importa, agora, criar oportunidades e condições para acelerar a transição, num esforço que se exige colectivo.

Somos tremendamente lineares – 98 % lineares”, dizia Paulo Ferrão num outro número da revista. As palavras do professor catedrático do Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa, e engenheiro mecânico, continuam a descrever a economia portuguesa, cujo metabolismo teima em desperdiçar recursos. E o sector dos edifícios, enquanto um dos maiores consumidores de matérias-primas e geradores de resíduos, tem contribuído em peso para esta linearidade.

“É reconhecido que o ambiente construído exige uma enorme quantidade de recursos, representando cerca de 50 % dos materiais extraídos da natureza a nível mundial. O sector da construção é também responsável por mais de um terço da produção de resíduos na União Europeia, e estima-se que 5 a 12 % das emissões nacionais de gases com efeito de estufa sejam provenientes da extracção de materiais, do fabrico de produtos de construção e da construção e da renovação de edifícios.” A passagem pode ser lida no Relatório do Estado Atual da Circularidade no Setor da Construção em Portugal, um documento produzido pelo BUILT CoLAB no decorrer do protocolo assinado com o Fundo Ambiental no âmbito do Acordo Circular com a Indústria da Construção e publicado a 15 de Dezembro de 2022.

Este relatório sublinha também que “uma maior eficiência no uso dos materiais poderá reduzir estas emissões em até 80 %” e que a economia circular poderá, através do acesso a novas fontes de recursos, “aumentar a produtividade até 3 % ao ano”. Vendo na circularidade uma resposta às alterações climáticas e ao consumo insustentável de recursos num sector carregado de emissões, poluição, desperdício, resíduos e ineficiências, este relatório dá seguimento às directrizes europeias (como o Plano de Acção para Economia Circular [PAEC] europeu ou o Pacto Ecológico Europeu) que orientam para uma maior sustentabilidade e circularidade no sector da construção e ao PAEC nacional, contribuindo ainda para a elaboração do Plano de Ação para a Circularidade na Construção português, publicado neste ano.

Até ao momento, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação português não tece considerações sobre a circularidade, referindo apenas a necessidade de tratar resíduos de construção e demolição. Já o Novo Regime Geral da Gestão de Resíduos traz algumas obrigações quanto à gestão e valorização de resíduos, obrigando, por exemplo, à incorporação de materiais reciclados e à elaboração de uma triagem ou ao encaminhamento de resíduos para um operador de tratamento licenciado. No panorama internacional, algumas normas e regras já apoiam a circularidade: a ISO 14040/44 aborda a análise do ciclo de vida de um produto ou serviço, a EN 15804 fala da Declaração Ambiental de Produto para produtos da construção e a EN 17423 define os requisitos para a avaliação da circularidade destes, o enquadramento europeu Level(s) cria uma base comum de 16 indicadores (relacionados com eficiência e circularidade dos recursos, saúde e conforto dos espaços, adaptação e resiliência climáticas, optimização de custos de ciclo de vida, emissões de gases poluentes) para a avaliação da sustentabilidade dos edifícios em todo o ciclo de vida, e há desenvolvimentos a nível do regulamento europeu para o ecodesign dos produtos (uma metodologia para assegurar a sustentabilidade ambiental do processo de concepção de bens e serviços, por exemplo, prolongando a sua vida útil).

Não há dúvida de que caminhamos para termos edifícios mais circulares e para que essa seja cada vez mais uma imposição, mas, afinal, o que é que isto significa e a que devemos aspirar? Será possível ter um edifício 100 % circular? Que estratégias devemos adoptar? Quais são as paragens obrigatórias nesta viagem com destino à circularidade?

Viagem com destino à circularidade

“Nas diferentes fases de vida dos edifícios, a circularidade pode e deve estar presente através de diversas estratégias”, sublinha Luís Bragança, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Minho. E estas estratégias começam logo por, na fase de projecto, “optar por materiais renováveis, reciclados ou recicláveis, com baixa pegada ambiental e elevado potencial de reutilização ou valorização”, explica o engenheiro civil.

Mas não chega pensar na natureza ou na constituição dos materiais utilizados no edifício. A própria forma como esses materiais interagem vai também influenciar a circularidade da estrutura. “Também é importante considerar o design reversível, que permite que os componentes dos edifícios possam ser facilmente desmontados e reaproveitados em novas aplicações”, acrescenta Luís Bragança. Quanto a isto, a arquitecta Joana Fernandes reforça que “é muito importante a escolha dos materiais e a definição do sistema construtivo, principalmente a definição das ligações entre os vários elementos”, pois será com base nestas ligações que se irá perceber se os componentes são ou não desmontáveis e reaproveitáveis. “Podemos ter vários tipos de ligações. A janela, por exemplo, tem sempre um aro à volta que pode ser colado com espuma de poliuretano ou aparafusado [recorrendo a cavilhas]. Se for colado, depois não se consegue separar a espuma da janela”, exemplifica.

O design reversível é apenas uma das vertentes que importam considerar no contexto dos edifícios. De modo geral, o ecodesign, ao integrar critérios ambientais (circularidade dos materiais seleccionados e dos resíduos gerados, consumo de energia e água, poluição gerada, toxicidade, facilidade de recuperação) associados a todo o ciclo de vida de um produto ou serviço, surge como “um factor determinante para minimizar o impacte ambiental dos edifícios e maximizar a sua eficiência e circularidade”, destaca Luís Bragança.

Frequentemente apontadas pelos especialistas, modularidade, adaptabilidade e durabilidade são também três princípios-chave que devem reger o desenho dos edifícios. Quanto à modularidade, Joana Fernandes ilustra que “já existem noutros países, até em apartamentos pequenos, módulos em que uma parede se estende e se consegue arrastar para o lado transformando-se num quarto, por exemplo”, e que, além das paredes amovíveis, “há também módulos de cozinhas e de casas de banho que se podem instalar logo num edifício”. Estas soluções modulares, associadas à pré-fabricação, vão minimizar os resíduos produzidos ao mesmo tempo que vão favorecer a adaptabilidade dos edifícios – que, por sua vez, leva a um menor consumo de recursos e a uma menor quantidade de resíduos gerados por facilitar novos usos do edifício com o mínimo de intervenções.

A importância do papel a desempenhar pela adaptabilidade tornou-se mais evidente durante o período de confinamento obrigatório para prevenir a disseminação da Covid-19, uma vez que espaços como cozinhas, salas de estar ou quartos tiveram de passar a desempenhar múltiplas funções, servindo também como espaços de trabalho, estudo e actividade física. Com uma boa fatia do tempo a ser passada no interior das habitações e com a contínua reconfiguração dos agregados familiares e, por conseguinte, das suas necessidades e preferências, os edifícios e respectivos componentes devem ser cada vez mais versáteis e capazes de se ajustarem a mudanças – “sem comprometer a funcionalidade ou integridade”, salvaguarda Luís Bragança.

Além da utilização de módulos e de componentes interoperáveis, uma das formas de dotar os edifícios de maior adaptabilidade pode ser também “sobredimensionar as courettes para não se ter de partir o edifício todo se, no futuro, for preciso aumentar um apartamento por piso, por exemplo”, que é “uma das práticas de desenho utilizada noutros países”, diz Joana Fernandes. Segundo a arquitecta, aplicar a adaptabilidade ao serviço da economia circular depende também do estudo da planta do edifício desde o início (e também quando é necessário transformar um edifício existente) de modo a acolher a possibilidade de reconfigurações futuras com “intervenções minimalistas” que preservem ao máximo a parte estrutural, que, por norma, tem menor potencial circular.

Por último, o conceito da durabilidade vai também entrar em acção no âmbito da circularidade de um edifício. “É absolutamente crítica”, realça Paulo Ferrão. Reportando-se à “capacidade de um edifício ou de um componente de resistir ao desgaste, à deterioração ou à obsolescência ao longo do tempo, mantendo as suas funções e qualidades”, a durabilidade vai, já nas palavras de Luís Bragança, “prolongar a vida útil dos edifícios e reduzir a necessidade de intervenções de reparação ou substituição”, dependendo de factores como a qualidade dos materiais e da construção, as condições ambientais, as exigências de desempenho e as expectativas dos utilizadores.

Ainda que relacionados entre si, muitos destes conceitos, como durabilidade, adaptabilidade e ecodesign, podem não ser interdependentes nem possuir necessariamente a mesma importância. “Depende do contexto, do tipo de edifícios e dos objectivos”, considera Luís Bragança. O ideal, acrescenta, é conceber edifícios “com uma visão integrada destes conceitos, procurando alcançar um equilíbrio”.

Passando do projecto à construção, os processos tornam-se o elemento com maior preponderância. A eficiência, de modo a reduzir quer o desperdício de materiais, quer o desperdício de energia e de outros recursos, é um dos preceitos fundamentais a seguir nesta fase. A par desses “processos eficientes e limpos”, Luís Bragança aponta também para os processos que “favoreçam a modularidade, a padronização e a adaptabilidade dos edifícios às necessidades dos utilizadores”. A pré-fabricação de edifícios de natureza incremental, modular e adaptativa, recorrendo a materiais disponíveis localmente, surge, aqui, como uma tendência. Invocando as palavras de João Moutinho, director do BUILT CoLAB, no tema de capa da última edição, vai-se “deixar de construir e passar a fabricar e montar edifícios”.

Dando continuidade à viagem, chegamos então à fase de operação. Nesta, diz Luís Bragança, as estratégias para a circularidade consistem na implementação de “medidas de eficiência energética e hídrica, de gestão de resíduos e de manutenção preventiva”. O objectivo é que, por um lado, se prolongue a vida útil dos edifícios e componentes e, por outro, se optimizem os respectivos desempenhos a nível ambiental e económico.

Então e quando um edifício chega ao fim de vida? Bem, aí, aquilo que se pretende, segundo os especialistas, é criar o máximo de pontes para um novo início de vida dos componentes, de modo a fechar o círculo. Mais do que falar numa fase de demolição, deve-se, idealmente, falar e investir em desconstrução e desmontagem para que os edifícios possam actuar como “bancos de materiais”. Nesta abordagem mais circular, a estratégia reflecte-se na preferência pela “desconstrução selectiva que permita separar e recuperar os materiais e produtos com valor para novos ciclos de uso, evitando a sua deposição em aterro ou incineração”, descreve Luís Bragança. E tudo isto, defendem os especialistas, tem de ser previsto e planeado logo de início com uma visão holística. Mas como?

“É preciso quantificar”

Há múltiplas abordagens à economia circular nos edifícios, da selecção de materiais mais ecológicos e duráveis, até aos designs e processos mais favoráveis à circularidade, passando pela avaliação do ciclo de vida e pelo conceito dos edifícios como bancos de materiais. A questão coloca-se, pois, em encontrar formas de assegurar a operacionalização desta lógica circular. De que metodologias e ferramentas dispõe o sector dos edifícios?

À metodologia do design reversível, já referida, é possível acrescentar outras, como o design cradle to cradle (que considera critérios ambientais tendo em conta todo o ciclo de vida) e a abordagem BIM – Building Information Modeling. E entre as ferramentas disponíveis encontram-se documentos como a Declaração Ambiental de Produto, “que fornece informação sobre o impacte ambiental de um produto ou serviço ao longo do seu ciclo de vida”, ou o Passaporte de Materiais Circular, “que regista as características e o histórico dos materiais utilizados num edifício” tendo em vista a identificação, o rastreio e a valorização desses materiais, ou ainda a Ferramenta de Cálculo dos Impactes Ambientais e Económicos, uma aplicação que estima os impactos e os benefícios associados à circularidade dos edifícios, destaca Luís Bragança.

Todas estas orientações lançam luzes sobre uma ou mais partes do edifício, mas, como a aplicação da economia circular implica uma visão sistémica, Paulo Ferrão salienta que “o desenvolvimento tecnológico de software é absolutamente crítico”, no qual o BIM é um dos actores-chave. “Se o projecto dos edifícios não for feito em BIM, vamos estar outra vez na Idade da Pedra e não vamos conseguir implementar nada. É um passo zero fazer isto para os edifícios novos.”

A razão para isto, explica, por sua vez, Joana Fernandes, deve-se à necessidade de abrir portas à quantificação dos vários indicadores de circularidade. “É preciso quantificar ou não iremos conseguir avaliar se estamos a fazer bem ou mal, muito ou pouco”, e, além disso, dada a “grande quantidade de informação”, é preciso automatizar essa quantificação para facilitar a gestão e compreensão do projecto e do seu impacto, defende. Com o objectivo de dar resposta a esta lacuna, Joana Fernandes, que na sua prática profissional já tentava aproveitar “soalhos antigos de outros edifícios que iam para o lixo” ou “janelas para as portas dos armários de cozinhas”, decidiu enveredar por um doutoramento (no Instituto Superior Técnico) nesta área e desenvolver uma ferramenta informática para quantificar o impacto destas opções, com base em indicadores como a quantidade de resíduos gerados, a quantidade de recursos utilizados, o tempo de vida útil, ou o carbono incorporado.

“É um plug-in, um software que corre sobre o BIM, onde estão armazenadas informações como o tipo de materiais, o tipo de encaixes, etc., numa visão sistémica do design do edifício, com os seus componentes. (…) Estando desenhado em boas condições, consegue calcular-se logo o grau de reciclabilidade que o edifício pode atingir”, explica Paulo Ferrão. E isto pode ter um impacto na própria intervenção à escala urbana – por exemplo, na reabilitação de edifícios –, avança o professor, que integra a Missão Europeia Cidades com Impacto Neutro no Clima e Inteligentes até 2030.

Com essa visão macro, Joana Fernandes aplicou o plug-in a um arquétipo que representa 8 236 edifícios na área de Lisboa construídos entre 1919 e 1945, modelado em BIM. Automaticamente, teve acesso aos indicadores de circularidade de cada produto ou elemento do edifício (incluindo o indicador de circularidade do produto, que mede o potencial de reciclabilidade, reutilização ou desmontagem do elemento) e à respectiva informação sobre o carbono incorporado. A partir dos valores obtidos, é possível identificar “pontos críticos do projecto sobre os quais se pode actuar para definir as melhores estratégias de circularidade”, que podem ser estendidas a edifícios com características semelhantes.

Para as câmaras municipais, ter este conhecimento da circularidade de um edifício pode ser útil para definir políticas à escala urbana e pôr em marcha a transição para a circularidade. Essas políticas podem ser a definição de metas para diferentes grupos de tipologias de edifícios e/ou a promoção de incentivos como a atribuição de créditos de construção (como o Regulamento Municipal de Incentivos da Câmara de Lisboa contempla para a reabilitação que cumpra determinados requisitos de eficiência energética). “Prever incentivos para reabilitações que promovem a economia circular, como permitir construir mais um andar, era uma excelente maneira de actuar já”, tal como favorecer licenciamentos de projectos alinhados com a economia circular, argumentam Paulo Ferrão e Joana Fernandes, respectivamente.

Também Luís Bragança está a trabalhar, no contexto da Acção COST CircularB, num “quadro comum de uma ferramenta de avaliação da circularidade com Indicadores-Chave de Desempenho (KPIs), baseada nas melhores práticas actuais da construção circular, no estado da arte e no PAEC europeu”, que, com recurso ao BIM, seja facilmente aplicada a diferentes contextos. O projecto, que reúne 150 instituições de 48 países, vai ainda reunir outras ferramentas, orientações, estratégias e casos de estudo numa plataforma comum para os diferentes actores envolvidos na circularidade dos edifícios. A ideia é, assim, apoiar, entre outras metas, a gestão circular, as tomadas de decisão, a colaboração e a inovação no sector.

Desafios e oportunidades

O sector caminha para uma abordagem cada vez mais circular. Há já sinais disso nos pacotes legislativos, nos instrumentos e nos projectos desenvolvidos por toda a Europa, incluindo em Portugal. No entanto, a aplicação da economia circular no sector dos edifícios é desafiada por diferentes questões, desde desafios técnicos e económicos, até desafios sociais e políticos.

“Acho que o principal desafio neste momento – e são vários – é legal. É preciso haver um enquadramento legal consolidado que faça isto acontecer, particularmente, em edifícios novos”, realça Paulo Ferrão. “Hoje em dia, e desde há muitos anos, temos regras relativamente bem estabelecidas para promover a circularidade de automóveis. Por exemplo, na Europa, não pode ser vendido nenhum carro que não garanta que pelo menos 85 % da massa do carro seja reciclada e que 95 % seja valorizada. No caso dos edifícios, que são de longe a maior massa que o homem cria, não temos regra nenhuma. Acho que isto diz logo muita coisa sobre a natureza do problema. (…) Precisamos de ter objectivos quantitativos – o que se pretende para um edifício em termos de reutilização e valorização –, senão o progresso será sempre muito limitado”, argumenta.

A falta de legislação específica ou harmonizada para operacionalizar a economia circular no sector dos edifícios, acompanhada da “existência de barreiras legais ou administrativas que dificultam ou impedem a [sua] aplicação” e da “falta de coerência ou de articulação entre as diferentes políticas sectoriais” ou diferentes níveis de governação, também é uma das dificuldades apontadas por Luís Bragança. Estes e outros desafios políticos, de que também é exemplo a dificuldade de monitorizar e fiscalizar o cumprimento das normas, geram alguma desorientação no enquadramento da circularidade nos edifícios.

Além do desafio político, há também desafios técnicos. Falta de informação sobre a origem, a composição e o desempenho dos materiais e a própria escassez de materiais renováveis, reciclados ou recicláveis com qualidade e garantia (ou a falta de plataformas com informação geográfica sobre este stock) são dois dos obstáculos que se colocam a este nível, mas, pensando em componentes, sistemas e processos, levantam-se ainda questões de incompatibilidade e de complexidade em termos de (des)montagem e recuperação de materiais (esta última requerendo infraestruturas de gestão de resíduos bem estabelecidas), bem como de falta de normalização e necessidade de inovação, enumera Luís Bragança. Entre os vários desafios técnicos, Paulo Ferrão destaca ainda a necessidade de surgirem mais ferramentas como a de Joana Fernandes, “ferramentas que possam quantificar as características de reciclabilidade e reutilização nos projectos de edifícios para que, no fundo, se possam concretizar os objectivos”.

Na esfera económica, aquilo que pesa são aspectos como o elevado custo inicial dos materiais ou das soluções circulares ou “a incerteza sobre o retorno do investimento ou sobre o valor residual dos edifícios”, tal como a falta de financiamento ou de apoio público, exemplifica Luís Bragança. O professor da Universidade do Minho acrescenta que a dificuldade de quantificar benefícios ambientais ou sociais resultantes da economia circular nos edifícios também é um obstáculo, sendo necessários ainda “novos modelos de negócio ou de contratos”.

Do ponto de vista económico, de acordo com o relatório do estado da arte em Portugal, será preciso avaliar o custo-benefício da incorporação da circularidade, procurando um equilíbrio entre o impacto económico e ambiental e as condições concretas de financiamento e rentabilidade dos investimentos. No entanto, isto deve ser feito repensando os princípios de funcionamento do mercado, uma vez que no custo dos materiais também devem pesar o critério da circularidade e as suas externalidades, e apostando em incentivos à economia circular (financiamentos, subsídios públicos ou privados, certificações e selos de qualidade, aplicação da abordagem Level(s) nos contratos públicos), em novas competências e na disseminação de exemplos viáveis.

Há ainda os desafios sociais, que, em suma, “dizem respeito às atitudes e às expectativas dos diferentes agentes envolvidos no sector dos edifícios”, afirma Luís Bragança. Num cruzamento de motivações, necessidades, preferências e responsabilidades, são os constrangimentos a nível de confiança, comunicação e colaboração, a resistência à adopção de novas práticas e a falta de consciência, de sensibilização ou de formação que acabam por condicionar esta mudança para a circularidade. “Há uma grande disparidade e heterogeneidade entre os diferentes actores envolvidos no sector dos edifícios, tanto em termos de consciência como de acção”, alerta o especialista, apoiando-se num estudo realizado pela Comissão Europeia que aponta para isto mesmo – há “diferentes níveis de conhecimento, de interesse e de desenvolvimento na economia circular”.

Despertar consciências

Como se podem despertar consciências e acções? Bem, a resposta passa, nas palavras de Luís Bragança, por agir sobre a informação de modo a que se assegure a sua disponibilidade e qualidade, por criar condições que tornem a economia circular mais atractiva do ponto de vista económico (não permitindo, por exemplo, que a recolha e o tratamento dos resíduos comportem mais custos do que a deposição em aterro), por legislar, por formar e capacitar os vários actores e por se incentivar a colaboração, bem como a inovação e a normalização. E “é preciso [que seja] uma consciencialização colectiva”, para que uns puxem pelos outros, adiciona Joana Fernandes.

A boa notícia é que os principais desafios são também, em si mesmos, pistas para o caminho da circularidade no sector dos edifícios. “Representam oportunidades para o desenvolvimento de soluções inovadoras, eficientes e sustentáveis”, afirma Luís Bragança. Para os especialistas, é um caminho que vale a pena percorrer. “O impacto da abordagem da economia circular no sector dos edifícios é potencialmente muito positivo, tanto do ponto de vista ambiental como do económico e do social”, dadas a redução da poluição e do consumo de recursos (materiais, energia, água, solo), a minimização de resíduos em aterro ou incinerados, a criação de novos mercados que extraem mais valor com menos recursos, a adaptação dos edifícios às necessidades dos ocupantes (numa população mundial que está em crescimento), entre outras vantagens.

Na visão de Paulo Ferrão, entre as várias áreas de actuação que constituem desafios e oportunidades, a parte da legislação será a mais decisiva: “num evento, perguntei a Janez Potočnik, que foi comissário europeu e que agora está no Painel Internacional de Recursos, das Nações Unidas, se a mudança teria de ser comandada pelas pessoas – era a minha opinião [na altura] –, e ele disse ‘isso não acontece assim, infelizmente; ou é top down ou não acontece’. Tomei como boas aquelas palavras. A boa vontade não chega. Vivemos num mundo dominado pela questão económica, que precisa de escala. Por exemplo, na questão dos repositórios de equipamentos usados, se houver só um ou dois, nada funciona. [Contudo,] Se houvesse um regulamento que obrigasse a fazer isto, começava a haver massa crítica.” Será que estamos a anos de isto acontecer? “Acho que [isto] não devia estar a uns anos. Se houver vontade e ambição de avançar, nem que seja na lógica de primeiro, num período de transição, premiar e depois obrigar, já temos um caminho a fazer, mas é importante começar já.”

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 149 da Edifícios e Energia (Setembro/Outubro 2023).