Autores: Rand Askar*, José Pedro Carvalho e Luís Bragança, Universidade do Minho, ISISE, ARISE, Departamento de Engenharia Civil, Guimarães, Portugal.
*Apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia através do programa EcoCoRe (PD/BD/150400/2019)

A economia circular oferece uma promissora via para o desenvolvimento sustentável, mas ainda não existe uma metodologia comum europeia que aborde de forma adequada a circularidade no setor da construção. Reconhecendo essa lacuna, a Ação COST CircularB procura ir além do estado da arte para ajudar a implementar esta abordagem de forma integrada e participada.
Com as crescentes preocupações em relação ao esgotamento dos recursos naturais e aos impactos ambientais negativos dos edifícios e das atividades associadas, os governos e a sociedade, em todo o mundo, têm procurado ativamente práticas de construção mais eficientes e sustentáveis. Em resposta a essa necessidade, o conceito de economia circular (EC) surgiu como uma abordagem inovadora com vasto potencial de aplicação na indústria da construção e no ambiente construído (Anttonen et al., 2018). Ao otimizar o uso dos edifícios e preservar a vida útil dos sistemas e componentes, a EC oferece uma promissora via para o desenvolvimento sustentável.

Em linha com o novo Plano de Ação Europeu para a Economia Circular (Circular Economy Action Plan, CEAP), introduzido em 2020, vários esforços têm sido feitos para incorporar o pensamento circular em relação aos recursos nas práticas de construção e nas metodologias de análise e avaliação da sustentabilidade, como a abordagem Level(s). Apesar do progresso recente, ainda existe uma falta de ferramentas e de atividades padronizadas que concretizem plenamente o potencial da circularidade na construção (Cambier et al., 2020; Askar et al., 2022).

Rumo a uma ferramenta global de avaliação automatizada de circularidade

Existe uma necessidade fundamental de uma metodologia comum europeia que implemente a circularidade, classifique os edifícios adequadamente e avalie o nível de concretização do CEAP (Askar et al., 2022). Reconhecendo essa lacuna, a Ação COST CircularB tem como objetivo desenvolver uma metodologia europeia de avaliação de circularidade com Indicadores-Chave de Desempenho (Key Performance Indicators, KPIs) baseados nas melhores práticas atuais da EC no setor da construção, em tecnologias de ponta e nos princípios delineados no CEAP.

A metodologia da ferramenta de apoio ao projeto e avaliação da Ação COST CircularB permite a adaptação e aplicação local por diferentes países europeus. Ao desenvolver uma base de dados de referência que considera as condições únicas de cada país, práticas de construção, cultura e tradições de projeto, a ferramenta pode ter uma utilização direta. Isso possibilita que os projetistas desenvolvam edifícios mais sustentáveis, enquanto auxilia os governos nacionais e locais na avaliação e promoção dos seus objetivos de economia circular.

Além da ferramenta de avaliação, o projeto CircularB identificará estratégias e diretrizes de construção, montagem, adaptabilidade, desconstrução e modelos de negócio. Essas recomendações servirão para aperfeiçoar a circularidade tanto em edifícios novos quanto existentes, ao promoverem a partilha de conhecimento entre os intervenientes, incluindo profissionais da construção e fabricantes industriais. Ao disseminar as melhores práticas, o CircularB tem como objetivo criar um ambiente colaborativo que promova a adoção generalizada de princípios de EC.

Para facilitar decisões de projeto mais informadas e a avaliação automatizada de circularidade, o CircularB integrará a ferramenta de avaliação no fluxo de trabalho do Open Building Information Modeling (BIM). Essa integração melhorará a eficiência da gestão da cadeia de valor, fornecerá dados acessíveis aos intervenientes e permitirá ciclos de feedback circulares usando modelos centrais de BIM. Ao aproveitar a tecnologia BIM, o CircularB tem como objetivo agilizar a integração de princípios de economia circular nos processos de projeto e construção, promovendo um ambiente construído mais sustentável.

Desafio e progresso além do estado da arte: objetivos do CircularB

Nos últimos anos, na busca por práticas sustentáveis, o conceito de circularidade tem despertado uma grande atenção. Tornou-se evidente a necessidade de uma abordagem abrangente e inclusiva para a conceção da circularidade (Geissdoerfer et al., 2017; Nikolaou et al., 2021). Em resposta, o CircularB tem como objetivo estabelecer uma rede interdisciplinar que promova uma perspetiva mais ampla, debates e discussões em torno da circularidade para alcançar o desenvolvimento sustentável sem comprometer os aspetos económicos, ambientais e sociais.

Ao preencher as lacunas nas ferramentas de avaliação de circularidade existentes e promover uma abordagem dinâmica, participativa e orientada para a prática, o CircularB procura impulsionar o progresso além do estado da arte. As práticas atuais de circularidade focam-se predominantemente em aspetos específicos e isolados, como o desenvolvimento de materiais circulares e a gestão de resíduos de construção e demolição (RCD), sem considerar uma abordagem mais holística (Adams et al., 2017; Anttonen et al., 2018; Askar et al., 2022). Princípios essenciais da EC, como desacelerar ou prolongar os ciclos de vida, muitas vezes, são negligenciados (Askar et al., 2022).

A visão limitada de uma problemática complexa leva a conflitos e a possíveis compensações ao tentar integrar múltiplos aspetos nas aplicações atuais. A Ação COST CircularB reconhece a importância de construir uma ponte entre teoria e prática para superar esses desafios. Um dos principais objetivos do CircularB é desenvolver KPIs que avaliem a circularidade em edifícios considerando os requisitos dos dados e a sua compatibilidade dentro da perspetiva holística de projeto e avaliação da sustentabilidade da construção. O CircularB aborda essas perspetivas adaptando um conjunto complementar de circularidade para quadros comuns, como o Level(s), desenvolvido pela Comissão Europeia. Ao integrar a circularidade em ferramentas de avaliação estabelecidas, o CircularB visa promover a análise do ciclo de vida e a perspetiva do fim de vida, permitindo o desenvolvimento de compensações sensíveis ao caso.

O envolvimento de partes interessadas representativas, com especialidades interligadas, garantirá o fecho do ciclo da procura e da oferta, considerando todas as etapas do ciclo de vida do edifício. O envolvimento de atores académicos e industriais permitirá a deteção de modelos de negócio circulares específicos e benefícios associados nas atividades de construção, apoiando, assim, a criação de valor económico. Para possibilitar a transferência eficiente de informação entre os parceiros, o CircularB explorará a gestão clara do fluxo de trabalho e ferramentas orientadas para a circularidade. Essas ferramentas permitirão não só a monitorização da troca eficiente de informação, mas também que as partes interessadas desenvolvam novas ideias e façam escolhas de projeto mais informadas. O envolvimento das partes interessadas é crucial para promover fluxos eficientes de informação, diálogos participativos para desenvolver modelos de negócios viáveis, com foco na proposta de valor, no envolvimento do cliente e na gestão da cadeia de abastecimento (Cambier et al., 2020).

A seguir, destacam-se alguns dos principais objetivos de investigação da ação CircularB:

• Coordenação e análise das políticas atuais no projeto e na utilização de edifícios e na indústria imobiliária para identificar oportunidades e barreiras no que diz respeito à implementação dos princípios de EC;
• Recolha de dados sobre técnicas construtivas inovadoras, tecnologias novas e materiais circulares para projetos novos e existentes, incluindo métodos de reabilitação, reutilização adaptativa e recuperação de recursos;
• Estabelecimento de orientações para a implementação de medidas circulares em edifícios e tradução dos princípios de EC em estratégias concretas;
• Desenvolvimento de uma metodologia de análise da circularidade com critérios e KPIs para avaliar materiais, componentes e edifícios, integrando-a com fluxos de trabalho BIM, alinhando-a com ferramentas de avaliação existentes, como o Level(s), e personalizando-a para se adequar a contextos regionais, incluindo tradições, cultura, materiais e métodos locais;
• Exploração de ideias inovadoras de modelos de negócios para incorporar a EC no fluxo de trabalho da construção de edifícios e estudo de aplicações de mercado para o quadro de KPIs;
• Elaboração de estratégias adaptativas de recursos para prever caminhos adequados para o parque atual de edifícios, facilitando metas para a recuperação de materiais e recursos.

Complementarmente, os principais objetivos de criação de competências da ação são os seguintes:

• Promoção do desenvolvimento de aptidões e partilha de conhecimento entre as partes interessadas, desenvolvendo novos conjuntos de competências e abordagens para a EC na cadeia de valor de diferentes regiões;
• Estímulo da formulação de políticas e de comunidades de prática para a adoção da EC, sensibilizando-as para as consequências negativas da continuação da aplicação dos modelos de economia linear e envolvendo-as no desenvolvimento de estratégias de EC aplicáveis;
• Aumento da colaboração e de alianças entre diferentes setores – como a fabricação de materiais, as cadeias de abastecimento, o projeto, a construção, a desconstrução, a demolição, a indústria de resíduos, a investigação e os governos – para desenvolver ferramentas, estratégias e metodologias para a implementação participativa da EC no ambiente construído;
• Apoio a jovens investigadores, oferecendo-lhes oportunidades de contribuírem para projetos de EC e desafiarem o modelo linear atual;
• Estabelecimento de uma plataforma de partilha de conhecimento que reúna todas as partes interessadas da cadeia de valor e promova a divulgação do conhecimento, criando uma plataforma on-line de melhores práticas, diretrizes e histórias de sucesso, organizando workshops, cursos de formação e eventos para desenvolver o conhecimento e promover atividades participativas, e publicando artigos científicos e técnicos conjuntos – tudo isto enquanto facilita a transferência de conhecimento entre a investigação científica e a indústria por meio de discussões colaborativas.

Uma lista completa dos objetivos específicos pode ser encontrada no Memorando de Entendimento da Ação COST CircularB (CircularB, 2022), disponível em https://www.cost.eu/actions/CA21103/.

Implementação da Ação COST CircularB

A Ação COST CircularB visa proporcionar uma abordagem holística aos edifícios circulares, incluindo todos os aspetos tecnológicos, sociais, legais, económicos e ambientais. Para abranger todos esses aspetos, o trabalho desta ação está dividido em quatro grupos de trabalho (GT) (Figura 1).

Figura 1 – Ligações entre os grupos de trabalho da ação CircularB e as respetivas interações (CircularB, 2022).

Desenvolvimento científico (GT1, GT2, GT3)

GT1 – Estratégias e melhores práticas de circularidade. O GT1 concentra-se no desenvolvimento de abordagens inovadoras e eficazes para implementar e avaliar estratégias e materiais circulares no projeto e na construção, e na identificação das melhores práticas existentes, das vantagens, das barreiras técnicas e das preocupações. O GT1 foca-se em criar soluções de design e engenharia integradas e personalizadas para edifícios que são dinâmicas por natureza. Isso envolve abordar desafios de circularidade relacionados com eficiência de recursos e prevenção de resíduos, incorporando conceitos-chave como design para a adaptabilidade (Design for Adaptability, DfA), design para a desmontagem (Design for Disassembly, DfD), design para mudança (Design for Change, DfC) e reversibilidade. Esses princípios são aplicáveis tanto a edifícios novos quanto a existentes, com uma forte ênfase na mitigação de impactos ambientais ao longo do processo (CircularB, 2022).

GT2 – Cadeia de valor circular e envolvimento das partes interessadas. O GT2 é dedicado à análise de toda a cadeia de valor associada a materiais, componentes e edifícios circulares. O objetivo principal deste GT é estabelecer uma plataforma colaborativa que reúna diversas partes interessadas, como academia, indústria, fornecedores, órgãos governamentais, autoridades locais, profissionais da construção e público em geral. Essa abordagem interdisciplinar visa fomentar o diálogo entre as partes interessadas envolvidas e o seu envolvimento participativo, o que garante a gestão eficiente de uma cadeia de valor circular e a criação de potenciais reutilizações. O grupo concentra-se em identificar oportunidades de colaboração, atividades de tomada de decisão e desenvolvimento de novos modelos de negócio que levem em conta os diversos requisitos e interesses das partes interessadas envolvidas (CircularB, 2022).

GT3 – Quadro de KPIs circulares. O GT3 concentra-se na identificação e no desenvolvimento de critérios e indicadores robustos e replicáveis para medir o índice de circularidade de edifícios. Este GT visa estabelecer KPIs relevantes que possam ser aplicados de forma uniforme em diferentes países. Esses KPIs serão baseados nas melhores práticas e nos planos de ação delineados em iniciativas nacionais e internacionais de EC, bem como em relatórios governamentais. Para garantir uma cobertura abrangente, os KPIs serão categorizados em dimensões governamentais/institucionais, ambientais, sociais, económicas e técnicas. Essa categorização permite uma avaliação holística da circularidade dos edifícios e facilita a proposta de uma metodologia de classificação internacional. A intenção é avaliar o valor acrescentado [subjacente] à sustentabilidade dos edifícios, incorporando princípios circulares. Essa metodologia internacional complementará esquemas de sustentabilidade reconhecidos, como o Level(s), o SBTool e outros. O objetivo final é fornecer aos decisores ferramentas confiáveis para apoiar processos de tomada de decisão informados com base na avaliação correta da circularidade (CircularB, 2022).

Monitorização, comunicação e disseminação (GT4)

GT4 – Disseminação e comunicação de resultados. O GT4 é responsável por maximizar o impacto do CircularB por meio de uma variedade de atividades de monitorização, comunicação e disseminação. Essas atividades incluem a gestão da página da ação CircularB, o envolvimento com o público por meio de canais de média social e a distribuição regular de boletins informativos. Este GT também procura ativamente oportunidades para expandir a rede da ação estabelecendo ligações com outras redes transdisciplinares e partes interessadas relevantes. O objetivo principal do GT4 é garantir que o conhecimento e os resultados gerados pelo CircularB cheguem a um amplo público. Através de várias plataformas e de vários canais de comunicação, o GT4 visa disseminar a informação de forma eficaz, envolver o público e criar consciência sobre a circularidade no ambiente construído (CircularB, 2022).

Os resultados desenvolvidos durante o primeiro ano da ação CircularB, além da identificação da estratégia de comunicação e disseminação, consistem numa análise crítica do estado da arte focado em quatro vertentes: (i) estratégias de circularidade existentes para edifícios, (ii) políticas e apoio legal, (iii) papéis e relações das partes interessadas, e (iv) critérios de circularidade, KPIs e quadros de avaliação internacionais disponíveis.

Referências

Adams, K.T., Osmani, M., Thorpe, T., Thornback, J., 2017. Circular Economy in Construction: Current Awareness, Challenges and Enablers. Proceedings of the Institution of Civil Engineers – Waste and Resource Management 170 (1), 15–24, https://doi.org/10.1680/jwarm.16.00011

Anttonen, M., Lammi, M., Mykkänen, J., Repo, P., 2018. Circular Economy in the Triple Helix of Innovation Systems. Sustainability 10 (8), 2646. https://doi.org/10.3390/su10082646

Askar, R., Bragança, L., Gervásio, H., 2022. Design for Adaptability (DfA) – Frameworks and Assessment Models for Enhanced Circularity in Buildings. Applied System Innovation 5 (1), 24. https://doi.org/10.3390/asi5010024

Cambier, C., Galle, W., De Temmerman, N., 2020. Research and Development Directions for Design Support Tools for Circular Building. Buildings 10 (8), 142, https://doi.org/10.3390/buildings10080142

CircularB, 2022. Memorandum of Understanding for the Implementation of the COST Action “Implementation of Circular Economy in the Built Environment” (CircularB) CA21103. https://circularb.eu/repository/action-documents/

Geissdoerfer, M., Savaget, P., Bocken, N.M.P., Hultink, E.J., 2017. The Circular Economy – A new sustainability paradigm? Journal of Cleaner Production 143, 757–768. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.12.048

Nikolaou, I.E., Jones, N., Stefanakis, A., 2021. Circular Economy and Sustainability: The Past, the Present and the Future Directions. Circular Economy and Sustainability 1, 1–20. https://doi.org/10.1007/s43615-021-00030-3

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº149 da Edifícios e Energia (Setembro/Outubro 2023)

As conclusões expressas são da responsabilidade dos autores.