Artigo publicado originalmente na edição de Maio/Junho de 2023 da Edifícios e Energia, aqui com as devidas adaptações.
Recentemente [em Abril], o semanário Expresso alertava para uma realidade dos nossos processos de aprovação de operações urbanísticas na área de construção de edifícios. Noticiava o seguinte: “(…) há cerca de 2 200 diplomas legais relacionados com o licenciamento e existem 308 regulamentos municipais não uniformizados e com exigências díspares.”
Acrescentamos a este cenário o poder discricionário dos técnicos das entidades públicas, que, muitas vezes, ultrapassam e adulteram o cumprimento da legislação com implicações redutoras na economia da construção.
Triste realidade para um país que luta para ser sustentável economicamente e socialmente, com habitação digna para todos, e para sair da pobreza extrema à qual parecemos ter sido condenados desde a implantação da primeira República.
Aproveitamos a oportunidade da notícia para questionar sobre [alguns aspetos da] a legislação que se faz por cá e levantar publicamente temas que nos são frequentemente caros quer como Peritos Qualificados do Sistema de Certificação Energética (SCE) quer como técnicos responsáveis por projetos. Em particular, referimos uma certa legislação que coloca em causa o direito ao “Bom nome”, consagrado no Artigo 26.º da Constituição portuguesa, bem como a violação do código dos procedimentos administrativos no que diz respeito aos seguintes Artigos: Princípio da proporcionalidade; Princípios da justiça e da razoabilidade; Princípio da imparcialidade; Princípio da boa-fé; e Princípio da colaboração com os particulares.
Infelizmente, é frequente sermos sujeitos a atropelos da administração pública, gastando frequentemente dinheiro do erário público e fazendo perder tempo e ânimo aos técnicos em ações de fiscalização da atividade, na maior parte das vezes, inócuos através de recursos a tribunais.
As Ordens profissionais deveriam estar mais atentas a estas questões em defesa do bom nome dos seus Membros. É disto um exemplo o previsto no artigo 36.º do Decreto-lei n.º 101-D/2020, de 7 de dezembro, no qual se admite a possibilidade de a Direção-Geral de Energia e Geologia determinar publicidade de decisões condenatórias, a expensas do infrator. Esta questão é tanto mais relevante considerando a enorme complexidade do SCE e a dinâmica de alterações que são regulamentarmente oficializadas através dum documento criado para o efeito chamado Perguntas e Respostas, cuja publicação ou atualização administrativa efetiva um caráter legislativo obrigatório [dessas alterações].
A exigência para ser Perito Qualificado do SCE em Portugal é muito elevada e escrutinada frequentemente pelos vários organismos governamentais competentes nesta área. Para ser-se Perito Qualificado em Portugal é necessário possuir um título profissional de Engenheiro ou Arquiteto (ter uma inscrição ativa nas respetivas Ordens), possuir um mínimo de cinco anos de experiência profissional comprovada na área da térmica e fazer uma formação específica bastante onerosa com aprovação em exame final, para além de ser necessário fazer formações de reciclagem de conhecimentos de forma bastante frequente (atualmente, a legislação prevê atualizações num período máximo de dois anos). O Perito Qualificado está também sujeito a rigorosas ações de controlo de qualidade por parte da Entidade Gestora ADENE.
Um Perito Qualificado é, portanto, um técnico altamente especializado em questões que se prendem com a economia e com tecnologias da construção, recursos e eficiência energética, patologias construtivas, utilização de energias renováveis, etc., a quem se pede exigência e responsabilidade. Ser Perito Qualificado do SCE sai caro para os bolsos dos técnicos e, infelizmente, é uma profissão que tem pouco reconhecimento profissional, já que, não raras vezes, ouvimos dos nossos clientes que o certificado energético é apenas um papel, descurando-se um trabalho técnico muito complexo.
Desde há cerca de três anos que a administração atual da ADENE e a Associação Nacional dos Peritos Qualificados do SCE tentam estabelecer um protocolo de colaboração de modo a ser possível uma colaboração mais intensa, assertiva e adequada para que os Peritos possam ter um melhor desempenho na afirmação da área profissional do SCE.
Durante a atual administração, a relação tem sido desenvolvida de forma positiva e vemos com agrado que algumas das nossas reivindicações têm sido ouvidas e o nosso trabalho árduo e difícil tem sido reconhecido e respeitado. No entanto, esse protocolo esbarrou na questão do direito à formação.
Frequentemente, somos chamados a esclarecer os técnicos do sector, engenheiros e arquitetos, sobre a diferença entre isolamento térmico e reboco térmico, a explicar como se resolvem os requisitos fundamentais para uma boa construção, energeticamente eficiente e com conforto térmico, bem como a convencer os arquitetos e promotores da importância dos sistemas solares térmicos e fotovoltaicos. Somos, ainda, chamados a resolver questões de conflitos protocolares e de natureza administrativa para ultrapassar a necessidade da certificação energética e da verificação dos requisitos térmicos e energéticos após a construção. A formação da Academia ADENE tem várias áreas relacionadas [com estes temas], cuja atualização é fundamental para os Peritos do SCE.
Desde sempre que temos reclamado que os custos para os Peritos praticados pela Academia ADENE são elevados e incompatíveis perante a precariedade dos preços que o mercado se disponibiliza a pagar pela atividade do Perito.
A ADENE, no desenvolvimento de atividades de serviço público, é financiada através das taxas com emissão dos certificados energéticos pelos Peritos e através de contratos-programa celebrados com organismos públicos com atribuições nas áreas do ambiente e da energia e outras entidades concessionárias de serviços públicos. Seria muito bom que, através desses programas, financiasse a formação dos Peritos de forma gratuita, pois são eles que têm de resolver no terreno os problemas, constituindo o braço armado do SCE.
Entretanto, parecem estar reunidas as condições para a eliminação do consumo de gás nos edifícios. Falta apenas que a legislação ajude e valorize mais positivamente as bombas de calor híbridas para climatização e AQS.
Por último, deixamos uma recomendação: a legislação deveria obrigar ao acompanhamento dos trabalhos em obra pelo Perito Qualificado e à obrigatoriedade de parecer escrito no livro de obra durante as várias fases da construção até à emissão do certificado energético para licença de utilização, à semelhança do que já acontece no sector das comunicações.
As conclusões expressas são da responsabilidade do autor.