A pandemia Covid-19 evidenciou, com enorme clareza, a importância da qualidade do ambiente interior dos espaços de trabalho e também dos espaços residenciais. É interessante consultarmos as notícias sobre o mercado imobiliário, nas quais ressalta a procura de espaços com qualidade ambiental.

 

A qualidade do ar interior (IAQ)(a) e a qualidade ambiental interior (IEQ)(b) são muitas vezes consideradas a mesma coisa e são frequentemente confundidas. Embora IAQ e IEQ sejam dois conceitos diferentes, apresentam questões e items correlacionados.

A IAQ é uma componente muito importante dentro da IEQ, efetivamente relevante, pelos efeitos que tem sobre os ocupantes e até em determinadas situações sobre o próprio edifício. Como hoje se reconhece, os seus componentes – pó, fumo de cigarros, monóxido de carbono, dióxido de carbono, ozono, radão, compostos orgânicos voláteis (COV) e outros compostos químicos que poderão estar presentes nos materiais de construção, mobiliário e produtos de limpeza – são de importância relevante.

A IEQ integra não só o conjunto dos parâmetros existentes no interior de um edifício, nomeadamente, acesso à luz natural (luz do dia), iluminação artificial, acústica, conforto térmico (temperatura e humidade), mas também a IAQ.

A melhor maneira de entendermos estes conceitos é, em primeira análise, refletirmos de uma forma simplista sobre as diferenças básicas entre IAQ e IEQ — IAQ refere-se ao ar que respiramos, enquanto IEQ se refere ao que respiramos, vemos, ouvimos e sentimos no interior de um edifício. Uma das principais semelhanças existentes entre os conceitos é que nenhum deles pode deixar de ser considerado e avaliado, pois, se não forem monitorizados e tomados em consideração os seus requisitos, ambos podem ter efeitos graves ou mesmo muito graves na saúde dos ocupantes dos edifícios, quer sejam estes do setor residencial, quer sejam do setor do comércio e serviços. Quando as pessoas menos avisadas falam sobre IAQ, é muito comum também pensarem que se estão a referir a IEQ.

Quando se trata de qualidade, estão sempre subjacentes as questões económicas e essas podem ser mandatórias e constituir uma barreira para a desejada implementação de um adequado nível de qualidade ambiental.

O relatório “O Direito ao Ar Interior Saudável” (2000), da Organização Mundial de Saúde (OMS), estabelece o seguinte: a qualidade do ar interior é um fator determinante para a saúde e bem-estar da população. A exposição a agentes perigosos propagados pelo ar, presentes em muitos espaços interiores, provoca efeitos adversos como doenças respiratórias, alergias e irritações do trato respiratório. Por esta razão, é nossa responsabilidade garantir aos ocupantes um ambiente interior saudável.

Os sistemas AVAC e restantes sistemas mecânicos desempenham um papel crucial na criação de um ambiente de trabalho saudável e confortável. O desconforto origina um aumento da hormona do stress e conduz ao aparecimento de várias doenças. Num ambiente confortável, as pessoas são mais saudáveis e o cérebro humano funciona de forma mais eficaz. Para viverem uma vida saudável, os seres humanos precisam de ar limpo para respirar e também, cumulativamente, de água potável, alimentos saudáveis, condições térmicas que permitam que o corpo possa estar em equilíbrio térmico com o ambiente que o rodeia, níveis de iluminação que permitam ver claramente e ambiente acústico confortável.

De acordo com a investigação que integra o relatório, as pessoas são mais produtivas se se sentirem termicamente confortáveis, se o ar interior estiver limpo e se tiverem privacidade acústica.

As pessoas querem viver vidas mais longas e mais saudáveis, num ambiente sustentável e a custos comportáveis. As pessoas passam 90 % do seu tempo em ambientes interiores, como tal, a qualidade do ambiente interior é o fator chave para a sua saúde e bem-estar. Algumas vezes, esquecemo-nos de que o propósito de um edifício não é apenas o de proporcionar abrigo, energeticamente eficiente, aos seus ocupantes, mas também o de lhes proporcionar um ambiente adequado.

Sustentabilidade, saúde, conforto e eficiência energética são importantes não só para os locatários, mas também para os locadores e os demais intervenientes que possam vir a permanecer nos espaços mesmo que temporariamente.

A Diretiva (UE) 2018/844 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO

A Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 30 de maio de 2018, que altera a Diretiva 2010/31/UE relativa ao desempenho energético dos edifícios e a Diretiva 2012/27/UE sobre a eficiência energética, refere nos seus considerandos:

(13) As diretrizes da Organização Mundial de Saúde de 2009 estipulam que, no que respeita à qualidade do ar interior, edifícios com melhor desempenho proporcionam níveis de conforto e bem-estar mais elevados aos seus ocupantes e melhoram a saúde destes. As pontes térmicas, o isolamento inadequado e as vias de transferência aérea não programadas podem ter como resultado temperaturas superficiais abaixo do ponto de orvalho do ar, bem como humidade. Por conseguinte, é fundamental garantir um isolamento completo e homogéneo do edifício, incluindo varandas, superfícies vidradas, telhados, paredes, portas e chãos, e importa ter uma atenção especial para evitar que a temperatura de qualquer superfície interior do edifício seja inferior à temperatura do ponto de orvalho;

(14) Os Estados-Membros deverão apoiar as melhorias do desempenho energético dos edifícios já existentes que contribuam para assegurar um ambiente interior saudável, nomeadamente através da remoção do amianto e de outras substâncias nocivas, da prevenção da remoção ilegal de substâncias nocivas e da facilitação do cumprimento dos atos legislativos em vigor, como as Diretivas 2009/148/CE e (UE) 2016/2284 do Parlamento Europeu e do Conselho.

A Diretiva nada mais refere sobre a qualidade do ar interior limitando-se, no seu texto, a relevar os aspetos para efeitos do EEE. Deixa, assim, ao critério dos Estados-Membros o desenvolvimento e a clarificação das demais exigências que considerarem relevantes para o cumprimento dos objetivos em apreço. Quando se trata de qualidade, estão sempre subjacentes as questões económicas e essas podem ser mandatórias e constituir uma barreira para a desejada implementação de um adequado nível de qualidade ambiental.

Do ponto de vista de IAQ ou IEQ, só com os considerandos acima enumerados, provavelmente, não atingiremos os tão desejados objetivos!

A transposição da Diretiva para a legislação nacional

Como comentário final, salientamos que o grupo de trabalho da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG)/ADENE – Agência para a Energia não fez qualquer pedido à Ordem dos Engenheiros ou, por seu intermédio, à Especialização em Engenharia de Climatização para o envio de contributos. Tomámos conhecimento da sua existência apenas através da imprensa especializada, por isso limitamo-nos a ficar por aqui. Só nos resta lamentar. Aguardemos, então, o que aí virá!

 

(a), (b) – Para maior facilidade de análise, no presente artigo, recorremos aos acrónimos utilizados na etimologia inglesa.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Edifícios e Energia.