A evolução legislativa
Os desígnios que foram estabelecidos pela União Europeia, já há quase uma década, foram tão ambiciosos que não poderão cair no esquecimento. Em 2010, a União Europeia, através da Diretiva 2010/31/UE, EPBD (revisão), do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de maio, lançou o desafio a todos os Estados-Membros (EM), para que nos seus planos nacionais assegurassem o aumento do número de edifícios com necessidades quase nulas de energia, prevendo desde logo, prudentemente, o faseamento da sua implementação, a partir de 31 de dezembro de 2018, para os edifícios públicos, novos e ocupados por entidades públicas e, a partir de 31 de dezembro de 2020, para todos os outros edifícios novos.
O nível desta ambição sempre se reconheceu ser alto e, para o seu cumprimento, haveria necessariamente de percorrer todo um longo caminho.
A diretiva exigia edifícios com necessidades quase nulas de energia, mas como não dava nenhum indicador harmonizado de requisitos nem detalhes de cálculo de desempenho energético ficou a cargo de cada um dos EM essa definição.
Com base na formulação da diretiva, um edifício com necessidades nulas de energia, denominado, segundo o seu acrónimo, como ZEB (Zero Energy Building), é um edifício que utiliza 0 kWh/m2.ano de energia primária não renovável. Um edifício com necessidades quase nulas de energia está, então, definido como sendo um edifício que utiliza um valor superior a 0 kWh/m2.ano, mas não mais do que o valor limite-nacional determinado pela combinação das melhores medidas de eficiência energética e de tecnologias de energias renováveis, que poderá ser ou não baseado no custo ótimo. Esta definição permite ter em consideração as condições locais, mas deverá ser utilizada uma metodologia uniforme em todos os EM.
A mesma diretiva, no seu Anexo I, refere que o desempenho energético de um edifício deve ser expresso de forma transparente e deve incluir um desempenho energético indicador traduzido por um indicador numérico de uso de energia primária, baseado em fatores energéticos por transportador de energia, que pode basear-se em relatórios anuais nacionais ou regionais, médias ponderadas ou um valor específico para produção no local. Na prática, a definição de NZEB passaria por incluir um indicador numérico de utilização de energia primária expresso em kWh/m2.ano.
Para Portugal, que foi um dos pioneiros nas políticas de eficiência energética nos edifícios, lançando primeiramente em 1990 e posteriormente em 2006 legislação que impôs requisitos mínimos na conceção de novos edifícios, e que, em 2009, figurava no pelotão da frente, esperava-se mais.
O nível de ambição de alguns países europeus
Em 2015, o BPIE (Buildings Performance Institute Europe) publicou o relatório Nearly Zero Energy Buildings Definitions Across Europe, no qual menciona que a maioria dos EM já informou a CE acerca das metas intermédias para melhorar o desempenho energético dos edifícios novos, e, em alguns casos, foram mais exigentes nas medidas estabelecidas para uma transição gradual para níveis NZEB. Evidencia, como exemplo, a Dinamarca e a Eslováquia, que impuseram limite aos consumos de energia primária nos edifícios novos a partir de 2015.
Outro bom exemplo é o da Bélgica, nomeadamente o da Região da Capital Bruxelas, onde os requisitos NZEB para os novos edifícios foram oficialmente definidos em 2011 e aplicados a partir de 2015. Os principais requisitos aplicados por esta região são ao nível da qualidade térmica da envolvente dos edifícios (Umáx), limite máximo para as necessidades de aquecimento fixado em 15 kWh/m2.ano, limite máximo para as unidades de energia primária fixado em 45 kWh/m2.ano, sendo que a aplicação destes requisitos já resultou numa redução de 25 % de energia em comparação com edifícios não sujeitos a estes requisitos.
No relatório do BPIE, é referido que, na maior parte dos EM, as definições NZEB referem-se a um máximo de energia primária como um dos principais indicadores e, em alguns casos, como, por exemplo, o Reino Unido, Noruega e Espanha, usam as emissões de CO2 como principal indicador. Para os edifícios residenciais, a maioria das legislações obrigam a que o consumo de energia primária não ultrapasse os 50 kWh/m2.ano.
Saliente-se que apenas 11 EM e duas regiões da Bélgica (Capital Bruxelas e Flandres) elaboraram uma definição NZEB que compreende uma meta numérica para o uso de energia primária e consideram uma quota de energias renováveis de uma forma quantitativa e qualitativa.
Em oito destes países/regiões, é explicitamente indicada a percentagem de energia primária que deve ser coberta por fontes de energia renováveis, enquanto, noutros países/regiões, as fontes de energia renováveis são consideradas indiretamente. Por exemplo, no caso da Dinamarca, espera-se que a quota de energias renováveis seja superior a 50 % no ano de 2020.
Até 2015, 15 países elaboraram uma definição NZEB, e em três deles foram definidos requisitos NZEB que devem ser transpostos para as respetivas legislações nacionais; nos restantes países, incluindo Portugal, a definição NZEB ainda não estava à data finalizada.
Finalmente, a definição nacional de NZEB
Foram recentemente publicadas a Portaria nº 42/2019 de 30 de janeiro, que abrange os edifícios de serviços novos ou grandes intervenções e a Portaria nº 98/2019 de 4 de abril, que abrange os edifícios de habitação.
Estas peças jurídicas, além de tardias, pecam pela falta de ambição, não definindo estratégias, nem metas, nem roteiros para a implementação dos NZEB, apenas apontam para o enquadramento de resultados nas classes já pré-definidas e que fazem parte do sistema de certificação energética (SCE).
Para Portugal, que foi um dos pioneiros nas políticas de eficiência energética nos edifícios, lançando primeiramente em 1990 e posteriormente em 2006 legislação que impôs requisitos mínimos na conceção de novos edifícios, e que, em 2009, figurava no pelotão da frente, esperava-se mais.
Claro que as peças jurídicas agora publicadas são importantes para o enquadramento dos edifícios no sistema, mas tudo isto sabe a pouco. A sua leitura deixa-nos um trago amargo na boca. Parece haver, por parte do legislador, falta de ambição e esperamos que tudo isto não leve a um estado de desambição! Aguardemos mais desenvolvimentos.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Edifícios e Energia.