A pandemia levará a alterações permanentes no sector AVAC&R que se tornarão aparentes apenas mais tarde
Após muitas semanas de confinamento, perda trágica de vidas humanas e encerramento de grande parte da economia mundial, a incerteza é ainda o substantivo que descreve o presente momento histórico. As empresas reabrirão e os empregos voltarão? Vamos viajar de novo? A injecção de dinheiro dos bancos centrais e governos será suficiente para impedir uma recessão profunda e duradoura, ou não? Poderá ser o futuro, após a pandemia, mais tranquilo do que actualmente aparenta?
Para sobreviver à crise financeira de 2008, o sector da construção adoptou o modelo de menor custo em todos os elos da cadeia. Assim, construiu-se um sistema não resiliente, de baixo investimento e vulnerável a interrupções. A prestação de serviços intensiva com baixa remuneração nas áreas da climatização e ventilação dos edifícios pôde ser capaz de absorver pequenos problemas, mas agora poderemos assistir a um mercado encurralado por uma perturbação não planeada. Deveríamos ter refletido e aprendido a lição com a crise financeira de 2008. Mas a resposta do sector da construção pós-2008 foi a implementação de um sistema que se foi apurando ao longo dos anos, fácil e com resultados que parecem eficientes. “Primeiro, estranha-se, mas, depois, entranha-se”.
Há algo novo sob o sol
Quando o prenúncio de uma nova crise mais global e com consequências ainda mais trágicas do que a crise financeira de 2008 foi anunciada pelas agências e organização internacionais, o primeiro impulso foi procurar analogias históricas – 1914, 1929, 1941? Desde então, o que se tem verificado é a novidade histórica pela qual estamos a passar. Há algo de novo sob o sol.
O que pensávamos já pertencer ao passado, isto é, a crise da construção que provocou grandes dificuldades às empresas no período contido entre 2009 a 2014, poderá voltar radicalmente. Desde o choque da crise financeira de 2008, houve uma profunda alteração nas empresas, de modo, a que estas pudessem competir num mercado excessivamente escasso. Grande parte das empresas gerou recursos para ultrapassar esses tempos difíceis, mas algo restou desse período penoso, o receio perante uma incerteza futura. Agora, sabemos que essa incerteza verdadeiramente existe.
Se a resposta do sector pós-crise 2008 foi arregaçar as mangas e arriscar, apostando no mercado interno e na internacionalização das empresas, criando assim, novos postos de trabalho cujas remunerações baixas permitiram a sua sobrevivência, a verdade é que o sector reanimou. E, a comprovar este feito, foram os resultados dos últimos dois anos, que prenunciavam um futuro próximo mais promissor, onde, de uma forma paulatinamente, se estava a preceder à incorporação de novas tecnologias na fase de projecto, à utilização de equipamentos mais eficiente e utilização de energias renováveis e, também, à consciencialização de uma manutenção preventiva nos edifícios. Neste período de Covid-19, a resposta imediata do sector à crise da pandémica foi a adaptação integral ou parcial das empresas à digitalização.

Espera-se que, depois da pandemia da Covid-19 e ultrapassada a consequente crise financeira, se possam ter criado novas oportunidades de emprego, aumentando os recursos para implementar novas tecnologias e melhorar os benefícios neste sector [instalação] tradicionalmente de baixos salários, nomeadamente nos últimos anos.
Utilização forçada do digital no sector da construção poderá acelerar o desenvolvimento de um ambiente sustentável
A pandemia e a recuperação subsequente muito provavelmente irão acelerar a digitalização e a automação do sector dos edifícios, com a contratação de técnicos com qualificação superior e aquisição de novos equipamentos e ferramentas de trabalho.
Provocadas pela Covid-19, mudanças nas mentalidades dos investidores sobre o ambiente construído e alterações climáticas poderão surgir e, posteriormente, gerar uma economia mais sustentável nas áreas da climatização e ventilação. A adopção de medidas para responder às solicitações de sustentabilidade requeridas para os edifícios, com certeza, mudarão as metodologias de trabalho e provocarão a utilização maciça de novas mas já conhecidas tecnologias, como o BIM. Assim, será de esperar que a composição das empresas de projecto, fiscalização e manutenção se altere substancialmente, com a aposta em profissionais com qualificação superior e especializada, aumentando, deste modo, por exemplo, a riqueza gerada pela parcela de serviços na actividade da construção ou recuperação dos edifícios.
No lado da instalação, o teletrabalho, embora com grandes potencialidades, por inerência da actividade poderá ter uma implementação somente parcial. Embora se espere também que este ramo do AVAC&R, que, por vezes, apresenta problemas a nível de qualificação dos seus intervenientes, nomeadamente quando responde a obras com preços demasiados baixos, consiga atingir níveis de qualidade superiores após a pandemia.
Assim, espera-se que, depois da pandemia da Covid-19 e ultrapassada a consequente crise financeira, se possam ter criado novas oportunidades de emprego, aumentando os recursos para implementar novas tecnologias e melhorar os benefícios neste sector tradicionalmente de baixos salários, nomeadamente nos últimos anos.
Em oposição a este cenário mais optimista, apresenta-se o cenário realista que alguns profissionais julgam ser o mais provável: a grande possibilidade de que a desaceleração da economia acelere o crescimento de empregos precários e fora do padrão, levando a novos sistemas de negociação de projectos e obras. A realização de sessões e cursos de ética e deontologia profissional provavelmente terão de ser efectuados, com a ajuda do digital amplamente utilizado durante o confinamento, evitando que as condições pré-existentes da economia piorem após a pandemia.
Esta atmosfera expectante poderá abrir uma janela para mudança
Há mudanças fundamentais que acontecem de tempos a tempos – geralmente em tempos controvados. A crise provocada pela pandemia criou um tempo de dificuldades, no qual algumas mudanças fundamentais parecem repentinamente possíveis. Esperemos que esta atmosfera de inquietude aproxime as pessoas sector, pois neste momento compartilham as mesmas consequências originadas por um inimigo comum, o novo coronavírus.
Este ambiente, com projecções fatídicas para a economia, está a gerar, na outra face da moeda, uma união a nível global relativamente a assuntos que estavam a ser ignorados e adiados, como as alterações climáticas. No campo dos edifícios, é uma excelente oportunidade para a Qualidade do Ar Interior (QAI) voltar a ser discutida. As evidências de que esta pandemia fez ressurgir relativamente à criação e manutenção de um bom ambiente interior poderão ser razões suficientes para a revisão dos diplomas sobre esta matéria por parte das entidades governamentais.
Existem razões para esperar que a pandemia possa abrir uma janela para refletirmos sobre a responsabilidade que cada um de nós demonstra no sector do HVAC&R. Como estamos todos do mesmo lado nesta adversidade, podemos encontrar agora a motivação para construir novas formas de ultrapassar as dificuldades que todos conhecemos que existem no nosso sector, permitindo, no futuro, o aumento da qualidade do trabalho e de vida dos profissionais.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Edifícios e Energia.