A electrificação renovável e a descentralização da produção estão a orientar o mercado da energia para novos caminhos. Neste novo contexto, os edifícios e os seus utilizadores ocupam uma posição central, mas é preciso ainda quebrar alguns empecilhos legislativos.
Face aos grandes desígnios da humanidade em termos de mitigação das alterações climáticas, tais como redução de gases com efeito de estufa e gases destruidores das camadas de ozono, poluição ambiental, consumo de recursos naturais não renováveis, redução da produção de resíduos, utilização de materiais com reduzido impacto ambiental, etc., bem como da sustentabilidade do planeta, as questões energéticas e hídricas têm, cada vez mais, enormes desafios e oportunidades de melhoria nunca vistas até então, e que obrigam a um enorme esforço de formação dos técnicos, em particular dos técnicos do SCE (Sistema de Certificação Energética).
Para o efeito, a nossa associação de Peritos ANPQ tem iniciado contactos junto de instituições de formação de excelência, de entre os quais destacamos desde já a ADENE, HOMEGRID e ITECONS, para celebrar protocolos de colaboração para benefícios dos nossos associados na formação profissional, pois a atual direção da ANPQ pensa que, para atingir de forma meritória e objetiva, os objetivos referidos não se deve substituir a instituições que, ao longo dos anos, tem desenvolvido bem essa atividade na área do SCE.
Hoje, as tecnologias estão a mudar muito rapidamente, os métodos de trabalho também, a digitalização do cluster da arquitetura e engenharia da construção acompanham esta tendência.
A digitalização do sistema energético está a alterar rapidamente o panorama energético, desde a integração das energias renováveis até às redes inteligentes e aos edifícios aptos a receber tecnologias inteligentes.
Desafiamos os organismos do setor do SCE a elaborar um manual prático com aplicações reais práticas e exemplos concretos, isento de princípios teóricos, de implementação destas mesmas práticas em reabilitação de edifícios.
A metodologia BIM (Building Information Modeling) está a avançar muito rapidamente, permitindo uma melhor gestão do projeto, um melhor acompanhamento da construção e visualização 3D. Rapidamente, também, estão a evoluir os gadgets, como smartphones, os smartglasses, etc., que permitem complementar todas estas novas metodologias e visualizar o resultado antes e depois de ser construído.
E com estes surgem, quase todos os dias, desenvolvimentos ao nível dos softwares que customizam e permitem todo um conjunto de novas possibilidades e que nos remetem para a nossa casa. Apesar de podermos estar em qualquer parte do mundo.
Entretanto, a nossa legislação e o cada vez mais complexo SCE atrapalham, muitas das vezes, o processo, dificultam e oneram inocuamente para satisfazer o ego de certos organismos do Estado, à espera de melhor oportunidade para justificar a sua importância como se a isso fossem obrigados.
Agora que o XXII Governo Constitucional tomou posse, apelamos novamente ao Executivo e, em especial, à senhora ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, para aplicar o Simplex no SCE. Cada alteração da legislação ou dos procedimentos do SCE continuam a provocar dores de cabeça aos peritos qualificados (PQ). A título de exemplo, diremos que, sempre que um PQ vai fazer a Certificação Energética de um imóvel, tem obrigatoriamente de preencher uma declaração de visita, para que depois o dono do imóvel (ou o seu representante presente) a assine no decorrer da visita, atestando que o PQ esteve presente, bem como que aceita certas condições relacionadas com o trabalho do mesmo.
Acontece que, se o PQ for certificar um prédio com cerca de 50 ou mais frações, tem de preencher obrigatoriamente cerca de 50 ou mais declarações de visita e tem de pedir ao dono da fração, ou ao seu representante, que as assine todas.
Será que alguém, sem pertencer ao SCE, percebe esta medida a que os PQ têm de obedecer sob pena de incorrer em contraordenação? Obviamente que não a entendemos e, em nossa opinião, não faz qualquer sentido esta metodologia.
Outro exemplo: a nova lei aplicável à reabilitação de edifícios, Decreto-Lei nº 95/2019, de 18 de julho, a aplicar a partir de 15 de novembro próximo. O Decreto-Lei (DL) revoga o DL nº 53/2014, de 8 de abril, e supostamente pretende dar corpo a um dos objetivos estratégicos do Governo de “passar a reabilitação da exceção à regra”, através da revisão do enquadramento legal e regulamentar da construção, de modo a adequá-lo às exigências e especificidades da reabilitação. No conjunto, foram publicadas sete portarias que complementam o referido DL.
Diremos que são apresentadas soluções velhas para problemas velhos: volta a avaliação sísmica, que era o “calcanhar de Aquiles” do antigo DL da reabilitação, mas, contrariamente às novas tendências e desígnios, desacelera um pouco na eficiência energética e volta a introduzir os aspetos de obrigatoriedade de admissão de ar nos quartos e salas dos edifícios de habitação. Sobre este método de ventilação de muito difícil aplicação em reabilitação de edifícios, não só a nossa cultura não aprecia e desaprova estas práticas, como degrada, de forma substancial, o isolamento acústico em espaços de maior sensibilidade na exposição ao ruído.
Desafiamos os organismos do setor do SCE a elaborar um manual prático com aplicações reais práticas e exemplos concretos, isento de princípios teóricos, de implementação destas mesmas práticas em reabilitação de edifícios. Recentemente, a ADENE vendeu ações de formação para este tema, mas sempre evidenciando princípios teóricos. Gostaríamos de ver como se faz introdução nos quartos e salas sem destruir os requisitos acústicos necessários, para o adequado conforto das pessoas em situação de descanso, tendo em conta o elevado ruído ambiente nas cidades.
Por último, a referida legislação ignora a descarbonização, ao não tornar flexível a obrigatoriedade de instalar infraestruturas de rede de gás natural nos edifícios. Se a ideia é eletrificar para descentralizar e descarbonizar, aqui, outros valores foram mais fortes. Entretanto, para março, esperam-se mais notícias, mas tememos que seja mais do mesmo: o aumento da complexidade e burocracia do SCE.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Edifícios e Energia.