A pobreza energética é um problema complexo e de difícil resolução. As causas para este flagelo são várias e não se limitam aos poucos recursos financeiros. Em Portugal, a pobreza energética caminha lado a lado com o desconforto térmico sentido na grande maioria das habitações. Para qualquer dos casos, os especialistas defendem a necessidade de uma abordagem robusta e integrada, que, apesar das intenções anunciadas, o Governo tarda em concretizar.

O defunto XXII Governo de Portugal tem vindo a lançar Estratégias com grande pompa e circunstância, como convém ao processo eleitoral em curso. Vai lançando programas, supostamente, para a eficiência energética, a descarbonização e a diminuição da pobreza energética cuja eficácia e desempenho estão por provar por futuros Governos e que mais parecem fogo de artifício usando os meritosos e valorosos objetivos e créditos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Foi assim que, no meio de uma pequeníssima e envergonhada Assembleia onde pudemos estar presentes como convidados, no passado dia 7 de dezembro, assistimos ao ressuscitar do Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública (ECO.AP 2030), contrastando com apresentações anteriores do programa nas quais participaram centenas de gestores locais de energia (GLE), dirigentes superiores dos organismos públicos, responsáveis pelas secretarias gerais dos ministérios, peritos qualificados (PQ) do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE) e outros convidados.

Foi caricato ver, durante a apresentação do ECO.AP, na sala Século do edifício da secretaria do ministério do Ambiente e Ação Climática, que o sistema técnico de aquecimento ambiente era constituído por aquecedores portáteis de chama direta alimentados com garrafas de gás butano.

Segundo consta, fomos o primeiro país do mundo a adotar o objetivo da neutralidade carbónica até 2050, no entanto, o preço da energia elétrica continua a subir em Portugal e a pobreza energética a aumentar, enquanto o rendimento médio das famílias baixa.

Olhemos, então, para algumas das estratégias seguidas ou anunciadas pelo Executivo em vigor. 

Estratégia 1 – neste programa para edifícios públicos, prevê-se uma verba de cerca de 240 milhões de euros divididos por seis anos. De acordo com a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação de Edifícios (ELPRE), serão necessários 33 mil milhões para reabilitar edifícios não residenciais até 2050 para que Portugal atinja os objetivos anunciados em matéria de energia e clima a que se propõe no âmbito do PNEC 2030 e do RNC2050;

Estratégia 2 – foi lançado o Programa Edifícios Mais Sustentáveis 2021, que prevê a dotação de um total de 45 milhões de euros em paralelo com o Programa Vale Eficiência. Este último pretende dar 100 mil cheques no valor total de 160 milhões de euros para as pessoas pobres saírem da pobreza energética, mantendo-se, no entanto, pobres economicamente, pelo que a eficiência é mitigada pela falta de recursos. Mil e trezentos euros darão, quando muito, para duas janelas atualmente e se, entretanto, a economia mundial parar de inflacionar os preços das matérias-primas e dos transitários, como está a acontecer de forma anormal e altamente neste ano de 2021;

Estratégia 3 – faltam 165 milhões de euros em programas a definir oportunamente, sendo 95 milhões para edifícios residenciais e 70 milhões para edifícios de serviços num total de 610 milhões, que já foram 620, previstos no PRR;

Estratégia 4 – destes 610 milhões previstos, o Estado arrecada uma grande fatia, de cerca de 114 milhões, respeitante ao imposto IVA cujo destino deveria ser adicionado ao programa. De acordo com os dados referidos na ELPRE, o investimento necessário até 2050 para concretização dos pacotes de medidas de melhoria propostos que atuam ao nível da eficiência energética dos edifícios existentes com vista à descarbonização e combate à pobreza energética foi estimado num total de 143 mil milhões para edifícios residenciais;

Estratégia 5 – vamos necessitar de muitas “bazucas” … e de muitas e elevadas estratégias até 2050 para combater a pobreza energética;

Estratégia 6 – entretanto, também no âmbito da habitação social, e no PRR, foi lançado pelo IHRU – Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana um programa de financiamento de Apoio ao Acesso à Habitação. No quadro das condições do PRR, essa resposta deve ainda incorporar medidas associadas à dimensão ambiental, com elevados padrões de eficiência energética na promoção de construção nova, bem como melhoria do desempenho energético de edifícios objeto de reabilitação. Um dos requisitos assenta no “cumprimento do requisito de eficiência energética e de procura de energia primária inferior em, pelo menos, 20 % ao requisito NZEB da atual metodologia legislativa, bem como da correspondente certificação”. Uma vez mais, damos um passo maior do que a perna, pois não basta obedecer ao critério NZEB imposto regularmente; temos de ir mais longe porque somos, assim, exigentes e avançados. No entanto, as metodologias de cálculo atuais estão muito baseadas em eficiência de sistemas técnicos em complemento das medidas passivas. Para habitação social, este requisito obriga à instalação de infraestruturas técnicas com elevados custos de exploração e manutenção insustentáveis para o rendimento médio das famílias elegíveis. Conforto térmico, sim; diminuição do consumo, sim, – mas por meios passivos, obviamente;

Estratégia 7 – burocracia. Muitos dos programas lançados e referidos anteriormente esbarram frequentemente na burocracia dos processos de candidatura.

Falta muita coisa ao SCE e uma delas é a contribuição da massa crítica dos parceiros e do mercado para que as decisões estratégicas sejam bem calculadas, avaliadas e atinjam os objetivos chegando às pessoas certas. Outra, fundamental, é a cultura democrática…

Os PQ são as formiguinhas do Sistema. Somos nós que, no terreno, percebemos as realidades e podemos conduzir ao êxito dos objetivos da estratégia da descarbonização, mas nunca somos ouvidos pelo Sistema e continuamos à espera de saber porquê (?). Mais um tabu do atual ministério do Ambiente e Ação Climática, que não nos deixará nenhuma saudade.

Portugal é um país pobre cheio de gente pobre, cheio de políticos com tiques de vistas largas e de grande sabedoria, que sacrificam o país a essa intervenção comportamental para o mundo ver que somos os maiores e que temos grandes filosofias. Segundo consta, fomos o primeiro país do mundo a adotar o objetivo da neutralidade carbónica até 2050, no entanto, o preço da energia elétrica continua a subir em Portugal e a pobreza energética a aumentar, enquanto o rendimento médio das famílias baixa. Tudo isto faz lembrar uma frase da jornalista e escritora Clara Ferreira Alves, publicada no jornal Expresso, que dizia que “(…) Portugal nunca foi bem feito para os portugueses”.

Entretanto, no dia 19 de novembro passado, dia em que tivemos conhecimento de mais uma variante do novo coronavírus, foi publicado um Decreto-Lei nº 102/2021, que estabelece os requisitos de acesso e de exercício da atividade dos técnicos do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE). Mais uma vez, não fomos ouvidos e o referido documento contribui com mais uma machadada na relação de confiança que deveria existir entre os técnicos e o Sistema. Foram agravadas as coimas e foram criados procedimentos mais gravosos para possibilitar ou potencializar a humilhação pública dos técnicos, o que era perfeitamente dispensável e da qual não nos parecia haver necessidade.

Esperemos que o futuro XXIII Governo de Portugal nos dê melhor sorte e melhor orientação. Para tal, manifestamos desde já a nossa disponibilidade para ajudar no desígnio do planeta com a nossa experiência e massa crítica.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 139 da Edifícios e Energia (Janeiro/Fevereiro 2022).

 

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