No final de Setembro, Andreia Carreiro venceu a categoria “Mulher na Energia 2022” dos Prémios Europeus de Energia Sustentável, destacando-se pelo seu trabalho na promoção da transição energética. Valeu-lhe a passagem por cargos políticos e por projectos de inovação, bem como a matriz empreendedora reflectida na co-fundação, neste ano, da start-up Kinergy, para acelerar a transição energética nos Açores, e da iniciativa Women Energy Portugal, para divulgar os feitos de personalidades femininas do sector e promover a igualdade de género. Actualmente, trabalha como Strategic Projects, Innovation & Energy Policy Advisor na Cleanwatts e acredita que o maior desafio à transição energética em Portugal se prende com a operacionalização dos processos de licenciamento para projectos de energia.

Recentemente, foi distinguida como Mulher na Energia 2022. O que significa para si a vitória?

O prémio significa [que há] aqui algum reconhecimento do trabalho feito. Acho que é algo que é meritório. Ao mesmo tempo, é uma responsabilidade acrescida, porque a verdade é que o prémio não fica isolado em relação ao dia em que o recebi. Sinto que devo dar continuidade ao trabalho que foi feito até aqui enquanto cidadã activa, ser cada vez mais activa na promoção da transição energética e também na promoção da igualdade de género no sector.

Encara a responsabilidade enquanto cidadã como sendo anterior à enquanto profissional?

Sim. Já tive funções públicas; entretanto, decidi retomar ao sector privado e, felizmente, estou numa empresa que tem um propósito e uma causa muito importante. Mas a minha missão não fica só no trabalho que desenvolvo na empresa e [acho] que devo contribuir, quer para a minha região, quer para o país de uma forma geral. Por isso, também estou ligada a algumas associações, [nomeadamente] à Associação Portuguesa da Energia, onde temos o programa Future Energy Leaders, no âmbito do qual nós [mulheres do grupo] lançámos a iniciativa Women Energy Portugal, que está numa fase muito inicial. Depois, sou muito convidada para dar algumas aulas, para participar em conferências e debates. Então, na verdade, agora sinto-me quase na obrigação de ter de aceitar muitas dessas acções e isto é um trabalho de cidadania.

Referiu a iniciativa Women Energy Portugal. Qual é o objectivo?

Não está propriamente a correr à velocidade que nós queríamos, porque somos pessoas com carreiras profissionais muito activas e estamos a fazer as coisas no nosso tempo livre, mas o objectivo é estimular a igualdade de género no sector energético. Queremos desenvolver aqui um conjunto de iniciativas com o objectivo de agregar diversas mulheres do sector que se têm principalmente evidenciado pelo excelente trabalho que têm feito, e de promover a discussão dos diversos desafios que são sentidos pelas próprias mulheres. 

Já sentiu alguma dificuldade acrescida por ser mulher?

Felizmente, nunca me senti desigual por ser mulher neste mundo. Sempre fui muito bem recebida, muito respeitada e muito bem aceite, mas nem todas [as mulheres] têm a mesma perspectiva que eu. Estamos aqui também para acautelar essas questões. Portanto, queremos evidenciar o trabalho meritório dessas mulheres e fazer com que a mensagem chegue às mais diversas gerações. 

Na minha perspectiva, essa grande desigualdade acaba por estar muito relacionada com a própria educação e se calhar com o facto de serem profissões muito tipificadas como masculinas. Na Direcção Regional da Energia, por exemplo, lembro-me perfeitamente de pedir vídeos de sensibilização na área da energia, em que, de todas as vezes em que me aparecia um engenheiro ou um perito qualificado, o bonequinho era um homem. Eu tinha sempre a necessidade de mandar os vídeos de volta e de dizer que temos de ter, até mesmo nos bonequinhos, mulheres e homens.  

A dedicação à missão de acelerar a transição energética nos Açores, a sua terra natal, também foi um dos grandes motivos para a distinção. O que destaca do tempo em que exerceu funções na Direcção Regional de Energia?

Num perfil mais político, é importante conseguirmos primeiro analisar onde é que nós estamos, em que contexto é que nós vivemos e para onde é que nós queremos ir. E começar a trabalhar imediatamente para conseguirmos alcançar os objectivos. No caso dos Açores foi perceber que eram altamente dependentes de combustíveis fósseis – da mesma forma que Portugal também o é, embora os Açores sejam ainda mais, de uma forma muito mais agressiva –, criar uma Agenda para 2030, que tivesse em consideração a integração de renováveis, de eficiência energética, do autoconsumo, da mobilidade eléctrica. 

Ajudou a criar a primeira legislação que introduziu a mobilidade eléctrica no arquipélago.

A mobilidade eléctrica é a melhor medida de eficiência energética que se pode aplicar em qualquer contexto porque há, à partida, uma transição imediata de uso de combustíveis fósseis para a parte eléctrica. Depois, há ganhos de eficiência muitíssimos grandes porque os motores eléctricos são muito mais eficazes do que um motor de combustão interna, que tem muitas perdas. O racional de se aplicar a mobilidade eléctrica nos Açores passou por ser um tópico onde quase só se encontravam vantagens. Nos Açores não há desculpas. Os percursos médios diários são muito pequenos, portanto, qualquer autonomia de qualquer veículo eléctrico é perfeitamente adaptada ao estilo de vida de cada um. Claro, havia a dificuldade de não haver uma infraestrutura de pontos de carregamento e de os veículos eléctricos serem muito caros. Então, desenvolveu-se toda a legislação necessária para implementar a mobilidade eléctrica nos Açores, o programa de incentivos para fomentar a aquisição de veículos eléctricos, a colocação de infraestruturas de carregamento em todos os concelhos, em todas as ilhas. 

A transição energética é uma questão cada vez mais premente. Como se situa Portugal neste caminho?

Eu acho que, do ponto de vista político, a visão existe e está muito bem. Vemos os membros do nosso Governo constantemente referirem que é necessário acelerar a transição energética, que é algo premente e, para além disso, que estão a lançar algumas medidas de protecção para os consumidores, em relação às quais eu, às vezes, sou muito céptica, confesso. 

Porquê?

Eu prefiro trabalhar na cura do problema, na base, do que colocar pensos rápidos, mas compreendo que, numa fase crítica, tenhamos de trabalhar, quer na base, quer na colocação dos pensos rápidos. E quando eu falo em pensos rápidos refiro-me aos subsídios ao consumo, ou seja, às tarifas sociais de energia eléctrica e afins. Acho que são pensos rápidos; que não resolvem o problema de base. O problema de base é, sim, resolvido com a integração de fontes de energia renováveis na nossa rede. 

E quais são os principais desafios que o país enfrenta? 

Portugal, felizmente, está cheio de recursos: tem vento, tem sol, tem mar, tem tudo aquilo de que necessita para transitar rapidamente. E tem um contexto legal que também é propício, mas precisa de regulamentos mais eficazes e que toda a parte administrativa seja muito mais ágil, porque [a operacionalização], hoje, é, efectivamente, o grande problema. 

Nós vemos empresas a quererem criar projectos de renováveis, quer de forma centralizada – ou seja, grandes parques solares ou grandes parques eólicos –, quer de forma descentralizada – ou seja, criar as comunidades de energia nas casas das pessoas. E, hoje em dia, o maior entrave não é financeiro – nós temos investidores disponíveis para colocar os projectos a correr já. O maior entrave está a ser a componente administrativa. Tudo o que está relacionado com o processo de licenciamento é um verdadeiro pesadelo. Muitas vezes, acaba por ser inibidor para quem investe saber que tem de passar por um processo burocrático tão longo que pode ser superior a um ano. Isto não é exequível. Não há transição energética sem licenciamentos rápidos, eficazes e ágeis. Nós precisamos de uma resposta rápida das entidades licenciadoras, dos concessionários das redes, dos operadores das redes, para que tudo isto seja possível. De outra forma, não vamos conseguir alcançar uma transição energética e vamos ter de andar a fazer esses pensos rápidos de forma constante. 

Ao longo do seu percurso, tem contribuído para a sensibilização e comunicação a propósito da transição energética. Onde entram aqui estas questões?

É fundamental nós comunicarmos, sensibilizarmos, explicarmos às pessoas as vantagens [da transição energética], mas isso acaba até por ser muito fácil. Tudo se torna mais difícil quando nós temos de explicar que há um processo burocrático por trás muito difícil. No caso da Cleanwatts, nós basicamente tiramos esse trabalho todo às pessoas; somos nós que fazemos todo esse trajecto. Só simplificando os processos é que nós vamos atrair as pessoas; se não [o fizermos,] as pessoas não vão estar interessadas. É muita chatice, muitos problemas para desenvolver algo. 

Neste momento, podemos ter vários pequenos desafios, que, honestamente, acho que conseguimos ultrapassar muitíssimo bem. Mas os outros desafios que não dependem de nós, ou seja, do ponto de vista administrativo, de não conseguirmos acelerar um processo, de submetermos um projecto e só termos uma resposta passados oito ou nove meses…  isto é totalmente castrador! Aí é que as pessoas nos vão dizer “vocês disseram que isto tinha tantas vantagens, que nós só íamos ganhar com isto, mas, então, quando é que isso se implementa?”. Já imaginou o que é ligar para uma companhia de telecomunicações a pedir internet e só receber [o serviço] um ano depois? Não faz sentido. E, portanto, nós temos de dar este salto rapidamente.