Paulo Ferrão, professor catedrático do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, faz um balanço sobre o estado da arte dos edifícios e sobre os caminhos a percorrer numa nova e urgente dimensão da sustentabilidade. Estamos preparados para fazer mais e melhor no sentido de reduzir “a sério” as emissões de gases com efeito de estufa. 

Com a nova directiva europeia para os edifícios, o impacto da economia circular poderá ganhar outra dimensão. A energia incorporada é outro factor a ter em conta. Como vê estas mudanças a acontecerem? 

Vejo-as de uma forma muito positiva e acho que talvez possamos olhar para alguns números redondos. Repare, aponta-se para que os edifícios, na Europa, sejam responsáveis por mais ou menos 40 % do consumo de energia final e por 36 % das emissões de CO2. Por outro lado, os edifícios também são responsáveis por [utilizar] mais ou menos metade dos materiais que se extraem da natureza, que, quando se convertem em resíduos, representam cerca de 35 % [do total] da geração de resíduos. Se juntarmos a isto uma estimativa que se refere à libertação de gases com efeito de estufa associados à extracção e ao uso de materiais de construção, podemos estar a falar de entre 5 e 12 % das emissões de gases com efeito de estufa, na sua globalidade. Ora, se tivermos em conta que os edifícios são responsáveis por 35 % destas emissões, isto quererá dizer que, provavelmente, as emissões de gases com efeito de estufa associadas à energia incorporada podem ser cerca de 2 a 4 % das emissões globais, ou seja, cerca de 10 % das emissões relativas ao consumo de energia nos edifícios e isso é bastante. Isto é muito importante porque quando temos um consumo significativo de energia nos edifícios e estamos a querer reduzi-lo teoricamente para zero a parte dominante vai passar a ser esta componente que se refere à energia incorporada dos materiais, pelo que se ela, hoje, pode representar 10 %, no futuro, poderá representar muito mais.  

Chegou o momento de levarmos a sério todas estas questões escondidas na operação do edifício? 

Chegou o momento de pensarmos muito a sério nisso. Há uns anos, um vereador da câmara municipal de Lisboa levantou-nos um desafio relacionado com regulamentos camarários que concedem alguns benefícios a quem cumprir com um desempenho excepcional em algumas áreas e uma delas é a energia. No limite, se [num projecto] houvesse um desempenho excepcional na área de energia, de acordo com o regulamento existente, poderia ser possível dar outras benesses aos munícipes como aumentar a área de construção numa reabilitação profunda. Ora, isto não pode estar, por exemplo, associado à colocação de umas lâmpadas LED; há que ser mais exigente, e este nível seguinte de exigência era o desafio do vereador. Ora, o próximo desafio para os edifícios deverá ser o da economia circular. De facto, já há muitos anos que temos imensas preocupações com a economia circular dos automóveis ou dos equipamentos electrónicos. Por exemplo, um automóvel tem, como resultado da sua concepção, de ser reciclável/reutilizável em mais de 85 % da sua massa, sob pena de não poder ser comercializado. Então e o edifício? É no edifício onde gastamos mais energia, onde gastamos mais materiais e para os quais não temos nenhuma regulamentação suficientemente ambiciosa. O vereador achou que esta era uma boa ideia, mas para a viabilizar seria necessário criar uma ferramenta de medição que quantificasse, de forma consistente e unívoca, o índice de reciclabilidade e de circularidade dos edifícios. Aceitámos o desafio e começámos a trabalhar, estando a decorrer um doutoramento para responder ao desafio. Foi criada uma ferramenta baseada em BIM – Building Information Modeling que assume o projecto do edifício, justamente na fase de concepção, e faz cálculos sobre a reciclabilidade ou o potencial de reutilização dos diferentes componentes e materiais usados e considerando inclusivamente a maneira como estão ligados entre si, ou seja, a dificuldade de separá-los para futuro uso. O software que estamos a desenvolver tem em conta tudo isso e [assim] é possível quantificar o nível de circularidade de um edifício e, nomeadamente, saber a quantidade que podemos vir a reutilizar ou a reciclar ao nível dos materiais e componentes que existem no edifício. Esta informação já pode ser usada para um regulamento camarário. Chegou esse momento, porque os desafios da neutralidade climática assim o exigem, mas também porque começam a existir ferramentas que, de forma pragmática, ajudam a quantificar todos estes temas. Torna-se, assim, possível transpor estas quantificações para os regulamentos desde que os projectos sejam feitos em BIM, e há que ter coragem para o exigir.

Falou em circularidade e há muitos processos que têm de ser melhorados deste ponto de vista. A circularidade dá-nos mais eficiência? 

Eu acho que há, no projecto de um edifício, uma palavra que, para além da concepção para a reciclabilidade/reutilização, promove esta eficiência, que é a modularidade. Precisamos de ter muito mais modularidade. Esta é a chave. Uma modularidade que tem a ver com a flexibilidade do próprio edifício, nomeadamente na sua utilização, desde raiz. Por exemplo, quando me casei fui para um T2 depois, fui mudando [de habitação] e agora tenho uma casa maior. Agora, que estou a chegar àquela idade em que os filhos começam a ir embora, vou ficar com uma casa maior desocupada. E esta é a história de qualquer pessoa. Ora bem, se o edifício fosse desenhado de uma certa maneira [mais flexível], eu, eventualmente, poderia voltar a dividir esse meu edifício – o andar, o apartamento ou a casa – em dois, por exemplo, e, desse modo, voltava a ter um edifício reutilizável. Esta é outra maneira de circularidade e uma que já se pode fazer; [pois] já existem muitas soluções arquitectónicas no âmbito da flexibilidade do edifício. É preciso ter as infraestruturas preparadas para que seja possível ter uma cozinha ou duas, uma casa de banho ou duas, ou para que as paredes possam ser alteradas com facilidade. Isto também é [uma vertente da] circularidade.  

E onde é que se encaixa a eficiência energética nessa perspectiva ou nesse novo modelo de modularidade e de economia circular? 

A eficiência energética é uma obrigação e a modularidade é essencial. Em Portugal, temos poucos edifícios novos e, portanto, temos de melhorar os que temos, os que existem. Uma coisa muito interessante é tentar conseguir fazer, mais uma vez, a reabilitação dos edifícios de uma forma modular. [Isto é,] Por exemplo, conseguir pegar numa fachada, ajustar e criar algum isolamento sem a estragar, com base em novos elementos construtivos que se adicionem e proporcionem o isolamento. Isto para que, depois, no dia em que não precise, possa pegar nesses elementos construtivos e levá-los para outro edifício. 

“Por exemplo, um automóvel tem, como resultado da sua concepção, de ser reciclável/reutilizável em mais de 85 % da sua massa, sob pena de não poder ser comercializado. Então e o edifício? É no edifício onde gastamos mais energia, onde gastamos mais materiais e para os quais não temos nenhuma regulamentação suficientemente ambiciosa.” 

Pode ser uma utopia ou, do ponto de vista da reabilitação, é uma coisa que pode acontecer? 

Não é nenhuma utopia. Tem de se pensar com esta lógica. Temos de ter elementos de fácil aderência às superfícies que sejam pré-fabricados. 

Uma parede ou uma fachada já fabricada que se coloque em cima de um edifício existente, é isso? 

Exactamente, que se “cole” na fachada. Estamos a falar de soluções que terão inovação, investimento na sua conceção, e que sejam simples de usar e, assim, não sejam caras. Imagine que eu tenho uma casa bastante fria e que gostava de melhorá-la. Para fazê-lo, terei de investir, mas se existirem soluções modulares o preço é, com certeza, mais acessível por efeito de escala. [Esta questão] Não é trivial. Esse vai ser o caminho, um caminho que está ligado à economia circular e à eficiência energética.

Temos a oportunidade de voltar a colocar os aspectos construtivos e a envolvente no centro das prioridades? Fomos colocando estas questões de lado, concorda? 

Claro que concordo e, sim, temos essa oportunidade. Temos de ganhar essa batalha da envolvente, não é?  No IST [Instituto Superior Técnico] temos, hoje em dia, a capacidade de modelar basicamente uma cidade, edifício a edifício, e de ver qual é o impacto na poupança de energia com base em diferentes medidas aplicadas ao edifício. E não há volta a dar; não vamos ser “carbono zero” se não isolarmos as envolventes e isso é evidente. O problema é que estamos a fazer o caminho contrário ao colocarmos uma bomba de calor para aquecer um edifício que está mal isolado. Os incentivos têm servido para isso. Claro que também estão orientados para os aspectos construtivos, mas, na prática, tem sido muito mais fácil colocar uma bomba de calor. 

A Certificação Energética premeia os equipamentos. Isso é um incentivo? 

Exactamente, eu acho que isso tem de ser revisto senão não vamos lá. Não vamos a lado nenhum se não atacarmos as fachadas e é por isso que eu acho que tem de haver inovação do ponto vista das construções. Temos que ter soluções low cost para isolar um edifício. Isto já está a acontecer no estrangeiro. Recentemente, tive uma reunião com uma professora arquitecta polaca que nos veio desafiar para um projecto nesta direcção. Estamos a falar de soluções de fachada low cost, pré-fabricadas e fáceis de montar. 

Acha que andámos perdidos na tecnologia durante estes últimos anos? 

Seguramente. A evolução tem sido pequeníssima. Eu não vejo nada de muito extraordinário a acontecer há muito tempo. Temos metas que temos de cumprir e a propósito das quais não estamos a fazer nada nesse sentido [de cumprimento]. Como vamos ter edifícios net zero se não fizermos nada de muito significativo em relação aos edifícios existentes? Não vamos conseguir; não é possível. 

Aquilo que temos não chega? 

Não, é evidente que não. Temos mesmo de progredir nestas matérias.

Os focos das estratégias têm privilegiado o desempenho energético apenas na utilização do edifício e não tanto na sua génese, naquilo que é a sua construção. Esta é uma mudança que é urgente fazer? 

É urgente fazer [essa mudança] e [o problema] tem de ser atacado de uma forma inteligente e mais holística porque os modelos de negócio têm de ser implementados independentemente de uma pessoa ser o dono ou o inquilino. Não chega haver tecnologia; é preciso regulamentação adequada para as coisas acontecerem. Eu posso ser um inquilino e querer melhorar a eficiência energética do meu prédio e [para essa situação] podia haver uma entidade como a câmara que investisse por mim. Já sabemos qual o período de retorno. A câmara podia assumir o papel de investidor que, depois, amortizava o investimento em dez ou 15 anos com base nas poupanças geradas e com base numa renda acessória atribuída ao inquilino, fosse ele qual fosse. Seria um negócio puramente financeiro. Quando acabei o curso, criei uma empresa de auditoria energética. Isto passou-se já há 40 anos e, na altura, os trabalhos que fazíamos eram desenvolvidos para uma empresa que fazia financiamento por terceiros – e o financiamento por terceiros é isto. Ou seja, nós íamos à indústria, víamos qual era o potencial de poupança de energia, certificávamos esse potencial de poupança de energia tecnicamente e, depois, havia o investimento correspondente. [Este procedimento] Tem a dimensão da poupança, mas também tem a dimensão da utilização, pelo que se devem contemplar estas duas vertentes. Portanto, tem que haver um compromisso dos dois lados para que [isto] seja bem feito. Numa habitação, eu tenho de claramente dizer a um inquilino que vamos fazer um investimento que se vai reflectir numa poupança na conta da energia mensal partindo do princípio de que os consumos se vão manter estáveis, e ele será parte dessa solução assumindo um retorno ao longo do tempo, sem preocupação sobre o período da sua renda. 

 Esse é o modelo ESCO (Energy Service Companies), que, nomeadamente, opera com base num investimento associado à poupança gerada, os EPC (Energy Performance Contracting). Em Portugal, não conseguimos dinamizar este modelo.  

Com o nosso clima e com a nossa pobreza energética, o payback é mau. Poupa-se pouco e por isso é que tem de haver um contrato entre as partes e dinamizar-se este modelo, conjugando-o com a atribuição de subsídios com esta perspectiva de intervenção mais holística. Ou seja, [é preciso] promover um sistema de EPC no qual houvesse comparticipação do Estado. Para os nossos edifícios, era muito importante ter tipologias definidas e acções devidamente certificadas e, depois, haver um contrato tripartido, um contrato entre quem investe, entre o Estado e a pessoa. Além disso, [este formato] permite, assim, garantir condições de conforto, minimizar a pobreza energética, estabilizando o consumo; caso contrário, toda a gente vai perder dinheiro. 

 A chamada baseline que tantos problemas criou às ESCO portuguesas… 

Tem de existir uma base, uma referência que a sociedade reconhece como aceitável para que haja conforto dentro da casa das pessoas. Isso reduz as despesas de saúde, o que pode ser uma boa justificação para o Estado investir. Se não avançarmos por aqui, não vamos a lado nenhum. Este modelo tripartido alavancado na pessoa, no investidor e no Estado de uma maneira organizada e harmoniosa é muito importante. Temos estado, no [Instituto Superior] Técnico, a caracterizar os edifícios por tipologias e a definir, depois, para cada tipologia de edifício e em função do clima, o payback típico de cada medida. Posteriormente, é importante definir um portefólio de medidas e um portefólio de agentes certificados para fazerem as reabilitações porque o preço terá de ser bom também e a escala pode funcionar deste ponto de vista do negócio. 

“A eficiência energética é uma obrigação e a modularidade é essencial. Em Portugal, temos poucos edifícios novos e, portanto, temos de melhorar os que temos, os que existem. Uma coisa muito interessante é tentar conseguir fazer, mais uma vez, a reabilitação dos edifícios de uma forma modular.” 

Voltando à questão inicial, temos privilegiado a utilização e a operação do edifício do ponto de vista das estratégias e da regulamentação. A mudança não deverá começar logo no Sistema de Certificação Energético (SCE)? 

Acho que sim. Mas para aquilo de que estamos a falar agora a mudança tem de passar pelos códigos de licenciamento, o que não é nada fácil. Não podemos encarar da mesma maneira um painel solar e um isolamento numa parede. O SCE, hoje, não assume suficientemente prioridades e isso não pode ser. Nós temos de ter algumas prioridades e conjugá-las com um sistema de financiamento, de apoios. Não faz sentido apoiar da mesma maneira com 85 % uma bomba de calor e o isolamento de uma parede.  

A nossa economia em Portugal ainda é linear?  

Totalmente, e essa é uma área onde eu trabalho muito. Nós definimos um coeficiente de circularidade no contexto do metabolismo da economia – incluindo a portuguesa. Nomeadamente, calculamos quais são os materiais que consumimos e, depois, como é que esses materiais são usados pelos diferentes sectores económicos e aquilo que lhes acontece no fim de vida dos produtos que integraram. Em Portugal, a quantidade de material que retorna à origem para substituir matérias-primas virgens está na ordem dos 2 %, o que significa que nós somos 98 % lineares. Nós somos tremendamente lineares – 98 % lineares! 

Já temos dado alguns passos no sentido de prestar atenção à energia incorporada. Isso é importante? 

É muito importante. Essa é uma questão absolutamente essencial. Há duas maneiras para se desenvolver isto. Uma é pela via regulamentar e outra é aproveitando a moda. Hoje, qualquer embalagem que contém material reciclado é bem aceite e porquê? Porque vende. No entanto, eu acho que esta lógica não funcionaria tão bem no caso dos edifícios; não iríamos vendê-los melhor se disséssemos às pessoas que 30 % dos materiais de construção são reciclados. Acho até que isto poderia ter um efeito um bocadinho contrário, pelo que tem de se actuar na comunicação, garantindo que, como nas embalagens, a utilização de produtos reciclados, ou a reutilização, desde que devidamente certificada, não prejudica a qualidade do produto. 

Ainda não é um argumento? 

Ainda não, e por isso tem de se regulamentar. E tem de se comunicar de forma adequada ao cidadão, pois todos nós compreendemos, hoje em dia, que há que preservar o ambiente, e que só assim se cria mercado. Ainda não vi nada de significativo que fosse nessa direcção.    

A regulamentação aponta para que os materiais de construção incorporem 10 % de materiais reciclados. Dez por cento ainda é pouco?  

Para começar, acho que é um número razoável; há que ir evoluindo, para avançar com segurança e com equilíbrio entre a oferta e a procura, sendo que ambas têm tempos de adaptação. 

Temos uma nova dimensão da sustentabilidade que é olhar para esta questão da energia e da pegada ambiental dos materiais, das operações, da funcionalidade, da utilização, etc. Muita coisa vai mudar… 

Vai, vai mesmo. E principalmente nesta área porque o mercado cria a necessidade, cria dimensão e isso é, de facto, muito importante.  

Quer falar-nos um pouco dos NZEB? Este desígnio não foi demasiado rápido? Estávamos preparados? 

Acho que é um salto correcto e necessário, mas o problema é que apenas se aplica aos edifícios novos, e, por isso, não vai resolver o problema todo. Mas é importante e essencial termos essa ambição. 

Pergunto sobre a forma como os NZEB estão conseguidos do ponto de vista da estratégia. Com meia dúzia de painéis fotovoltaicos e alguns equipamentos resolvemos os problemas. Não será pouco ambicioso?  

Devia privilegiar-se aqueles que têm maior eficiência energética em relação ao que é exigido e, sim, concordo, podemos ser muito mais ambiciosos. Por um lado, podemos estar a perder uma oportunidade, mas, por outro lado, é preciso que as coisas comecem a andar numa certa direcção para que as pessoas não desanimem. O pior é fazer uma lei que não se cumpre, uma proposta que não é viável, pois passa a ser uma coisa desrespeitada.

“Em Portugal, a quantidade de material que retorna à origem para substituir matérias-primas virgens está na ordem dos 2 %, o que significa que nós somos 98 % lineares. Nós somos tremendamente lineares – 98 % lineares!”

Como é que vê todas estas questões relacionadas com os bairros, as comunidades e as cidades? 

Eu acho que essa é uma das maiores oportunidades e falo das comunidades de energia renovável (CER) e de nós termos, de facto, a capacidade de fazer um bom trabalho nesta matéria. É uma grande revolução, ter a capacidade de vender energia a outro que não passe pelos circuitos tradicionais. Tenho-me apercebido de que a implementação não tem sido trivial nem fácil, por razões, provavelmente várias, mas com ênfase para aspectos legais. Agora, eu acho que é absolutamente crítico que isto se agilize. Esta capacidade de ter um conjunto de pessoas que conseguem vender energia umas às outras é muito positiva e absolutamente indispensável. Não olhar apenas para um edifício, mas olhar para um conjunto de edifícios cujas necessidades de energia sejam complementares é muito crítico. No nosso projecto, no IST, modelamos os consumos horários de energia ao nível do edifício e dos bairros para quantificar o consumo expectável daquele conjunto de edifícios justamente com esse objectivo. Adicionalmente, com as nossas ferramentas, conseguimos pegar num edifício qualquer que esteja [modelado] em BIM, analisar os aspectos construtivos detalhados e ver diferentes tipologias, perceber até que ponto os materiais são ou não recicláveis, e, depois, ir ao produto, como uma porta. Esta porta pode sair do sítio de onde está? A seguir, podemos ir para um sistema que pode ser um andar e, então, para todo o edifício. Com base numa formulação matemática, é possível perceber se cada elemento do edifício tem circularidade. Podem saltar à vista quais são os elementos mais difíceis de reciclar e onde temos de dar a nossa maior atenção para que se possa, depois, simular com o seguinte pressuposto: se fizéssemos de outra maneira, quanto é que isso melhorava o índice de circularidade global do edifício? Estas soluções estão a ser, neste momento, totalmente programadas no contexto do BIM. 

Na edição passada da revista, falámos com o José Silvestre, que nos deu alguns pormenores sobre a ferramenta e as suas potencialidades… 

Exactamente. O José Silvestre está a fazer a avaliação do ciclo de vida e é uma referência nessa matéria. Nós estamos a fazer esta parte mais recente, que é a de calcular o índice de circularidade. No final, juntamos este conhecimento e ficamos com a ferramenta que dá as duas coisas. Temos o edifício, [e a partir dele] conseguimos medir a circularidade e ir variando parâmetros construtivos para perceber como melhorar, saber qual o índice de circularidade, qual a capacidade que temos de desmontar componentes, quanto é que temos para reutilizar, para reciclar, etc.  

Quando fala em circularidade, está a considerar todo o processo desde a produção? 

[Estou a falar] Da circularidade do sistema e do edifício, ou seja, a partir do material que entrou no edifício; não estou a olhar para trás disso. Trata-se de perceber o quanto eu consigo reintegrar num futuro edifício. É isto que estou a considerar, sendo que a nossa fronteira é o edifício.  

Está a olhar para o edifício, tem um conjunto de materiais e de operações que está a ser desenvolvido dentro do edifício e está a pensar em tudo isso durante a operação e depois da operação? 

Exacto. O que estou a dizer é que uma porta, por exemplo, pode ser desmontada e voltar a ser usada noutro sítio ou noutro edifício, ou não…. Se não conseguir, digo que não consigo reutilizar aquela porta, mas posso reciclá-la. Se for de madeira, posso triturar a madeira e usar noutra coisa qualquer. E, depois, vamos de material em material porque sabemos quais são os materiais que estão na porta, que estão na janela, que estão na parede e por aí fora.  

E essa informação, no final, vai ser útil? Vai poder dizer, por exemplo, que se consegue uma circularidade de 80 %, 70 %, 60 %?  

Isso é o que se pretende, e responde ao desafio que, na altura, o vereador nos colocou. Já temos essa ferramenta. Num caso prático, depois de tudo listado, podemos saber automaticamente se o edifício é reciclável a 85 %, a 70 %, a 60 %. Claro que é diferente ser só reciclável ou ser reutilizável. Também conseguimos saber o nível de reutilização que está dentro dessa circularidade. 

Existe alguma ferramenta semelhante a esta que já esteja a ser utilizada noutros países? 

Não, esta ferramenta é totalmente inovadora. Apenas existem soluções para a avaliação de ciclo de vida. E só funciona integrada no BIM… Sim, porque é lá que temos a informação armazenada, com muitas qualificações. Nomeadamente, quando estou aqui a olhar para o edifício, eu tenho que saber qual é o tipo de ligação entre os componentes e não apenas informação dos materiais. Tenho mesmo de saber a ligação entre componentes para qualificar a facilidade que eventualmente existe na sua separação. Isto exigia, e exige, que estas questões fossem quantificadas na altura em que o edifício é concebido. Isto é o que deveria ser exigido de forma regulamentar.  

São poucos os projectistas que utilizam o BIM porque é uma ferramenta cara. Esse poderá ser um problema? 

Acho que a questão não é o preço, mas, eventualmente, a formação. 

Quando temos esses plug in prontos para serem integrados no BIM?  

Estão praticamente prontos. Eu diria que, no limite, até ao final do ano. E não vamos vendê-los. Provavelmente, vão ser dados, disponibilizados para quem queira usá-los em open source.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 147 da Edifícios e Energia (Maio/Junho 2023).